Prepararam-me ciosamente
para o que supunham o bom:
incutiram-me um deus voraz
e vingativo, vigilante e atento,
vasculhando-me as entranhas,
ciente das minhas intenções
e atos, mesmo os mais secretos.
Aconselharam-me à espera,
à contenção, à parcimônia,
a disciplinado comportamento,
como acomodada crisálida
aguardando o amanhã borboleta:
a Rapunzel idolatrada e casta,
quase assexuada e romântica,
para esposa e mãe dos filhos;
os diplomas para ornar paredes,
um emprego fixo e estável,
com treze salários anuais
e garantia de aposentadoria,
entre netos e cachorrinhos,
de óculos, pijamas e cachecol,
regando os canteiros do jardim.
Incutiram-me o respeito cego,
o curvar-se às autoridades
instituídas, constituídas...
Apontadas pelo dedo de Deus,
infalíveis e na busca do melhor
para mim e para todos,
passivo rebanho de consumidores.
Disseram-me poupe, guarde,
invista, pense no amanhã,
na velhice, na invalidez,
morrendo por antecipação.
Nutriram-me com filosofias:
contra a força não há resistência,
quem corre cansa, quem anda...
mais vale um na mão que dois...
farinha pouca meu pirão primeiro,
Deus está no comando, é fiel,
os últimos serão os primeiros...
Todos os princípios sagrados,
passaportes para o paraíso que,
a ser o que me ensinaram,
é de tédio e enfadonho ócio
roendo cérebro e coração.
Mas não atentaram a tudo,
deixaram espaço para o pensar,
e uma legião de capetas perdidos
assenhoreou-se de mim sozinho:
o primeiro e mais radical
atendeu pelo nome de consciência;
o segundo chamei de senso crítico,
o terceiro chamam de ceticismo,
o quarto inoculou-me com hormônios
e o quinto ensinou-me a escrever.
Agora sempre que se reúnem
os meus educadores se perguntam
onde foi que erraram, sem saber,
acreditando que educar humanos
e produzir cópias de si mesmos.
Adestrado para o pasto,
descobri a porteira
e me impus uma missão:
destruir as cercas.
Francisco Costa
Rio, 14/02/2014.
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