(70 anos, hoje, do dia da bomba)
Repentino e doído
tiraram a mordaça do inferno,
e todos os demônios rugiram
em clamor de fogo e cinzas.
Evisceradas e ao avesso,
as crianças viram o sol na sala,
em fulgor de caldeira escarlate,
fervendo a existência e o dia,
calcinando úteros e consciências,
no maior trovão de todos os tempos.
De voos interrompidos e fatais
brilharam em chamas os pássaros,
em curtos luciluzires as borboletas,
sobre pastosas flores derretidas,
em cor única, vermelho morte,
prenúncio do escuro pra sempre.
Interromperam cultos e festas,
velórios e partos, casamentos,
porque a hora era a hora última
e o que não fosse morte e dor
era excesso, não fazia sentido.
Repentino e doído
o avião vomitou a bomba,
a nauseabunda gestora do caos,
mastigando corpos mutilados,
semeando o câncer, a anomalia
nascida de crânios cancerados.
Metálica e atômica insensatez
despejada sobre o mundo,
a bomba vive e está atenta,
pronta para transformar tudo
em definitiva Hiroshima,
altar onde o homem se imolou
sem sangue, porque até o sangue,
fervente e cáustico, se evaporou.
Num canto do planeta jazem,
sem velórios e sem sepulturas,
espectros que perambulam ainda
nas manhãs ensolaradas e claras
que podem acabar, por ordem
dos homens maus e suas bombas,
inaugurando o fim em megatons.
Francisco Costa
Rio, 06/08/2015.
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