“Começaria tudo outra vez,
Se preciso fosse, meu amor.”
(Luiz Gonzaga Júnior)
De mesmo útero eu viria,
Imperfeição que fiz deusa,
Amamentando-me o corpo
E a mente, com leite e sonhos.
E de shorts ou calças curtas
Eu desbravaria ruas próximas,
Ousando cada vez mais longe,
Até que mais não pudesse
E seguisse só na imaginação.
E viriam os primeiros amores,
Platônicos e castos, inocentes,
Criando a compulsão urgente
De deixar-me escorrer passivo
Entre palavras e versos.
E viria o primeiro corpo nu,
Conta primeira de rosário
Que parece interminável
Na ausência da conta última,
A mulher definitiva e única,
Pela qual sempre esperei.
E descobriria a política,
As discussões e as teorias,
Os postulados nos livros,
Esperando a libertação,
Me acreditando capaz de tudo,
Blindado em vontades radicais,
Feitas de determinação e raiva.
E conheceria as celas e o medo,
As lágrimas de saudades precoces,
Antecipadas nos lábios distraídos
Do carcereiro sádico: serão jogados,
Voarão do helicóptero ao Atlântico,
Sem escalas e sem paraquedas,
Para repasto dos tubarões.
E riria das refeições únicas e frias,
Batatas na água e sal, mais nada,
Entre a sopa e o ensopado,
Com sabor de iguaria única,
Porque cada refeição a última,
Na espera do voo para o nada.
E retornaria paras as ruas, pra vida,
Para mais corpos femininos,
Essa indescritível magia encantada
Que se faria carne e me seduziria.
E viriam filhos, a universidade, a
luta,
Os empregos públicos abandonados,
O ressurgir dos próprios escombros
E me reedificar das próprias ruínas
Na reinauguração da integridade
Aparentemente perdida nos sonhos,
Malogros substituídos pela esperança.
E envelheceria, recusando o velho
Que em mim habitaria no corpo,
Pensativo e angustiado, quase triste,
Lembrando de tudo e de cada detalhe,
Imagens vivas e permanentes, reais,
Compondo um mosaico antigo,
Fonte da matéria prima
Com que construiria estes versos.
Francisco Costa
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