sábado, 28 de setembro de 2013

Exilo-me
No que em mim não cabe,
Impertinência  mansa
De quereres e desejos
Que regurgito em silêncio
Na forma de palavras.

Entre pronomes e verbos
Semeio substantivos,
Adjetivos, advérbios
Arrancados do espanto.

Entre um poema e outro
Dou provimento à vida,
Esse enunciado cotidiano
De exigências monótonas
Dormitando na impaciência.

Num comboio de versos
Embarco nos poemas
Tendo a poesia por paisagem.

Fora da arte e dos sonhos
A vida é uma impossibilidade.

Francisco Costa

Rio, 28/09/2013.

OBJETO DE ARTE

Relíquia de bizarra forma,
O objeto desafia definição,
Ancorado na prateleira,
Exigindo imediata decifração.

Ângulos e quinas postos
Em multivárias protuberâncias,
Rasga o espaço e a imaginação.

Solícito e enigmático, um objeto
Transmuta-me prisioneiro
Da minha própria compreensão.

Francisco Costa

Rio, 28/09/2013.

FACEBOOK

Dê um look
No meu facebook:
Não critique,
Parece chique
Mas é só um truque.

Olhe meu perfil:
Só engana
A quem nunca me viu.

Quanto ao que posto,
Há o que gosta
E o que acha uma bosta.

Essa net é ilusão,
Anestésico dos miolos
E bálsamo pro coração,

Terapias de carentes
Esperando colos.

Pra net convergem
Os que sentem sós
E na net desatam
Os próprios nós.

Francisco Costa

Rio, 28/09/2013.
Este amor louco
Me redime e realça
Com a exatidão do ponto
Posto logo no final.

Amor seco, enxuto,
Que mata a tristeza,
A deixa de luto.

Bruto, me anuncia outro
Esse, com o qual
Me permuto.

Francisco Costa

Rio, 28/09/2013

VOAR NA ILUSÃO

Prisioneiro dos meus princípios,
Concedo-me a prerrogativa da dúvida,
Quando enviuvado das vontades.

Há em mim qualquer coisa que chora
E não se justifica racional,
Ambicionando sempre o impossível.

Sonho-me alado, e em sonhos, voando.
E o que do alto vejo torna tortura
O retorno à realidade, palidez de morte
Estampada nas caras dos homens.

Do alto não vejo fome nem feridas
Postas em lábios que se beijam,
Menos as diatribes que fazem o cotidiano
Corroído de lágrimas e vontades abortadas.

Talvez por isso os vícios, as drogas,
O sexo compulsivo, as religiões...
Asas a nos tirar do chão.

Verme da terra não me recuso à utopia
De voar. Sei que não tenho asas,
Ma,s para o homem, não se ausentar
e permanecer no chão
É que é a suprema ilusão.

Francisco Costa

Rio, 27/09/2013.
Urge que te faças sombra
Porque sobras, excede
Nesse meu coração cansado.

Trago agora a inconstância
Do que não se permite permanente
E morre um pouco aos poucos.

Minha vitalidade, a despetalei
No combate das dúvidas,
Em lutas que não comecei.

Agora só quero o silêncio.
O silêncio feito de estar só,
O silêncio feito só de ausências.

Urge que te faças sombra
Porque, sombrio,
Sou só o fim de um susto.

Francisco Costa

Rio, 18/09/2013.
Teus lábios,
Portal de prazeres,
Fontes de mel,
Exibe calores
Que colorem
A primavera.

Como pétalas,
Em umidade
De néctar e pólen
Pulsam impaciência.

Botânico em exercício,
Conto-os, um por vez:
Um, dois, três... Seis.

Francisco Costa

Rio, 25/09/2013.
Tenebrosa/infernal
Assola solas
E interdita passos,
Estranho compasso
Que traça limites
No racional.

Purpurina tóxica
No anticarnaval
Veste
Com funerárias
Máscaras
O que é mortal.

Impávida imoral
Segue seu curso
A bomba,
Prostituta universal.

Francisco Costa

Rio, 25/09/2013.
Silêncio, meu companheiro constante,
Casulo onde me abrigo e vivo,
Sempre atento ao que te rasga e interrompe:
O trinado do pássaro inaugurando as manhãs,
Os galos rasgando as madrugadas, os sapos
Em sinfonia de coaxos amanhecidos tristes,
As vozes que não ferem o silêncio, mudas
Porque silenciadas em minha memória atenta,
esperando que acordem do silêncio
e reinaugurem a algazarra de natais e carnavais.

Silêncio, mundo de palavras só pensadas que,
Impossibilitadas de gritadas, tornam-se versos.

Francisco Costa

Rio, 19/09/2013.
Senhora, dê-me sua mão.
Precisamos, juntos, palmilhar o mundo,
Descobrir o que se esconde e permanece
Nas dobras dos segredos: olhares gastos,
Passos apressados, atenções desviadas,
Para então nos fazermos diferentes
E diferenciados, sonhos materializados
Percorrendo estradas, de mãos dadas.

Francisco Costa

Rio, 16/09/2013.

SÃO COSME E SÃO DAMIÃO

Sonho-me menino novamente,
Descalço, correndo nas ruas,
Sacola na mão, sorrisos nos lábios.

Dia de São Cosme e São Damião,
Dia de doces postos nas mãos:
De leite, bananada, mariola,
Peitinho de moça, cocô de rato,
Balas, pirulitos, cocadas, suspiros
Postos em peitos infantis nas ruas.

Fantasia e gula, filas, competição
Na formação do estoque;
Muitos de nós em dia único
Porque oportunidade única
De doces apartados do ano todo.

E chegaram os evangélicos
E suas insofismáveis verdades
E decretaram do diabo os doces,
Mandando as crianças para casa.

Entre salmos, louvores e gritos
Os meninos de agora jogam game
Como as moscas nas padarias,
Ambicionando doces e balas
Atrás das vidraças e da realidade,
Nos balcões das confeitarias.

O que era alegria e caridade
Agora é graça a ser alcançada.

Entre o doce e o riso há o dízimo.

Francisco Costa

Rio, 24/09/2013.

ROCK AND ROLL

Doidivanas, em dissonantes acordes
Danço sobre teu corpo, enamorado,
Reinaugurado menino outra vez.

Menina de inocência e fome, na nudez
De primeira vez, intercalas passos,
Sem sair da horizontal. Dançamos.

Guitarras rasgam o espaço, a bateria
Marca o descompasso de corações,
E bêbados de vida e desejos, cansados
Nos despedimos no acorde final.

Bom fazer amor assim, total,
Em ritmo de rock and roll.

Francisco Costa

Rio, 24/09/2013.

REBELDIA

Procura porque há em você
Uma porção rebelde que insiste.

Porque deixá-la prisioneira,
Com sede de dar-se a conhecer,
Implorando que se manifeste
E se pronuncie não amordaçada?

Sem perceber que não é completo,
Você se permite uma parte afogada,
O que lhe faz parcial, com limites,
Sem exercer o usofruto do mundo.

São leis, princípios, dogmas, axiomas,
Verdades imutáveis, acomodamento
Apoiado em convicções sem respaldo,
Como andorinhas bêbadas nas praias.

Porque esperar que tudo mude
Para só então seguir a reboque?
Porque esperar que a negritude tinja
Todas as ovelhas do seu rebanho
Para só então se perceber a única branca?

Você não sabe, mas no mais íntimo,
Lá onde você não ousa ir,
Por medo ou acomodamento,
Mora a insatisfação e a rebeldia.

É aí, justamente aí, que mora a poesia.

Francisco Costa

Rio, 23/09/2013.
Pronto ao verso, surpreendo-me nu,
Despido de mote e motivo, inspiração.

A mente voa, acompanhada do coração,
E corro ruas e cruzo esquinas, rápido
Embora o tempo corra mais, célere,
Pondo flores em minha mão. Já cresci.

Agora, predador farejando presas nuas,
Vasculho corpos femininos, na busca
Da que se fará única e definitiva, total.

E me reencontro já não mais eu, outro,
Esse, debruçado sobre a memória gasta
Vasculhando os seus próprios pedaços,
Para rejuntá-los, acanhados, em versos.

A vida é um piscar, só um relance,
Só um soneto que se quer romance.

Francisco Costa

Rio, 18/09/2013.
Primeiro, sonsas e sorrateiras,
Disfarçadas, chegaram as flores,
Derramando odores, debruadas.

Logo chegaram borboletas,
Flores aladas, fazendo piruetas,
Junto, os besouros de tons metálicos,
Para usufruir dos aromáticos hálitos.

Logo os pássaros, em gorgeios animados,
Inundando tudo com os seus trinados,
Fazendo ninhos em todos os cantos.

E então chegou o sol e acordou as cores,
E o vento, e as estrelas e seus fulgores,
Os pirilampos, a rosa, a dália, a hera...

E estava inaugurada a primavera.

Francisco Costa

Rio, 19/09/2013.
Prenhe de novos versos
Esbarro na tristeza,
Anfitriã não desejada,
Sentada aqui na sala.

Busco os seus motivos,
Certo de que é louca,
Busca quem não a quer.

Mas, mulher apaixonada,
Insiste, mesmo sabendo
Do meu desprezo na sala,
Desiludido do passado,
Vendo o escuro e o triste
Onde havia luz e cores.

A tristeza é cega, míope,
Procurando insistente
O que não existe mais.

A tristeza é chata.

Francisco Costa

Rio, 24/09/2013.

POEMINHA QUASE INFANTIL

Cadê o ratinho que tava aqui?
A coca cola comeu.

Cade a coca cola que tava aqui?
O povo bebeu.

Cadê o povo que tava aqui.
Se... Danou!

Francisco Costa

Rio, 18/09/2013.

PARA UM AMIGO "CRISTÃO"

Você, cristão que tão bem conhece
A trajetória do Salvador e da salvação:
Como imagina Jesus entre nós, hoje:
Percorrendo corredores de shoppings,
A cata da grife da moda, os mercados
Com promoções do inútil desnecessário,
Ou junto dos sem teto e sem terras,
Comendo com as mãos as sobras do sistema?

Despachando em gabinete refrigerado,
Redigindo leis que perpetuem o mercado,
Apartando em consumidores e excluídos,
Em passeatas pedindo guerras, que se mate
Centenas de milhares de crianças porque
Islamitas, não entre as que disse:
“que venham a mim?”.

Acaso estaria pregando em alguma igreja,
Distribuindo milagres no atacado,
Com números de contas bancárias,
Entre um e outro, como se o novo testamento
Fosse não mais que corolário de milagres
E gerenciamento de patrimônio?

Fazendo amigos, ele os faria entre políticos,
Líderes religiosos, proprietários de terras,
Empresários... Ou se voltaria novamente
Aos pescadores, aos pobres, aos miseráveis?

Teu cristo é burguês, perdulário, consumista.
O meu repartiu pães e peixes, não juntou bens.
O meu Cristo é de esquerda, é socialista.

Veio para mudar (e mudou)
E não para impedir a mudança.

O meu cristo não se bastou
Em púlpitos e sacrários,
Saiu pelo mundo, o modificou,
Fez-se revolucionário.

Francisco Costa

Rio, 10/09/2013.
- Pai, o que são poetas?
Poetas, meu filho?
São cárceres, cadeias,
Celas com anjos presos,
Mandando mensagens
Para os que estão cá fora.

Francisco Costa

Rio, 26/09/2013.

OVELHA NEGRA

Ovelha negra,
Olhas para a esquerda
Quando todos olham para a direita,
E avanças quando recuam,
Voando enquanto marcham,
Marola de não no oceano do sim.

Ovelha negra,
Mordes o proibido, degustas
O veneno da acomodação e do tédio,
Para regurgitar coisas novas,
Tintura manchando o rebanho.

Ovelha negra,
Garimpas o cascalho dos dias
Na busca de minérios insuspeitados,
Amanheceres de novos sóis
E estrelas novas, esculpidas
No que não habita no rebanho.

Ovelha negra,
Contramão no trânsito da acomodação:
Fulgura em ti a certeza de que a cerca
É só limite, não impedimento,
E que do outro lado verdeja exuberante
Um mundo de ideias novas. 

Ovelha negra,
Tua cor é gravidez, gestação
De dias novos e melhores,
De homem novo e diferente
Formando-se em teu útero.

Francisco Costa

Rio, 27/09/2013.

OUVINDO BEATLES

Clama um louco na montanha,
Entre impropérios e ruídos,
Solicitando mais calma no mundo.

Mísseis  e phantons solicitam licença,
Apressados, no caminho da morte
Logo ali adiante, antes dos sorrisos
De antes e o silêncio de depois.

Impudores impressos na realidade,
Assaltam-nos a paz e a paciência,
A vontade de prosseguir vivendo,
Como presas abocanhadas,
Impedidas de encontrar saída,
Entre a morte passiva
Ou com resistência.

No horizonte o sol sugeres novos dias
E um menino, vestido só de shorts
E inocência, aguarda a consumação do dia,
Parto de inusitadas surpresas
Apresentadas aos casais de namorados.

Olhando por esse prisma
Até vale a pena sorrir.

Francisco Costa.

Rio, 24/09/2013.

BOLE BOLE

Nos piqueniques da infância,
Em jardins de grama e sonhos,
Havia um bichinho cilíndrico
Duro, frio, de macia solidez.
Nós o chamávamos de bole.

Pegando-o com o indicador
E o polegar meu pai ordenava:
- Bole! E solícito e obediente
O bichinho se contorcia rápido.

E nós, crianças em curiosidade,
Tentávamos, e nada, nada. Só
A indiferença dos imunes e sós.

Cresci e o bicho ganhou nome:
Caruncho, e identificação:
Larva de um coleóptero
Predador de coqueiros,
Como desvendada foi
A sua obediência a meu pai:
Uma leve pressão dos dedos.

Agora, nas salas de aula,
Vestido de falsa sabedoria
Pronuncio coleóptero,
Mas dentro de mim
Posso ainda ouvir o eco:
Bole, bole!
E os alunos não entendem
O porque do meu sorriso.

Francisco Costa

Rio, 26/09/2013.

RAMOS DE ROSAS

Não, não choremos a morte do poeta,
É absurdo e contraditório,
Não se chora o nascimento de estrelas.

O que chamaremos de silêncio, aqui,
Lacuna de palavras e sentimentos,
Mais adiante se inaugura luz e volta
Encarnado inspiração ditando versos.

No anonimato do nosso não saber
Poetas que estiveram aqui  nos velam
E assistem quando, compenetrados,
Pensando-nos sós, atentamos a eles.

O que parece estranho e absurdo
Foi só o acréscimo de uma partícula.
Onde se lia Ramos Rosa, leia-se
Ramos de Rosas, a nos inspirar.

Morte de poeta é promoção,
O deixar de ser gente
Para tornar-se inspiração.

Francisco Costa

Rio, 23/09/2013.

MORANGO E CHOCOLATE

Doces entranhas
De morango e chocolate
Ela se entrega, distraída,
Num ritual de afagos.

Afogada em si própria,
Mais não é que
Morango e chocolate
Melando meu corpo
E meus poemas.

Como um sacerdote
Na liturgia do prazer,
Afogo-me em seu cálice,
Contrações de prazeres
Quentes e melados,
Escorrendo
Morango e chocolate.

Francisco Costa

Rio, 27/09/2013.
Inveja, Ah! A inveja
Aquele micróbio torpe,
Travestido de humildade
E que nos mata aos poucos.

Ah! Como dói nos compararmos
E não nos bastarmos em nós,
Buscando ser mais.

Ah! A inveja, insanidade
Que nos faz provocar
Quem não nos vê,
Em vã tentativa de carona.

Inveja, Ah! Inveja mórbida
Que nos limita e assenta
Na preferência pelos medíocres.

Inveja, imaturidade
Que aparta amigos
E nos faz menor.

Francisco Costa

Rio, 25/09/2013.
Interrompo-me agora
Precariedade ostentando carências.

Quero-me outro, o que não sonha,
O prático, o de acesso a tudo pelo cheque,
O que dorme nas madrugadas
E não sabe mais do que o que ouve.

Quero-me calmo, discreto, bem comportado,
Contando tempo para a fila da previdência,
Entre buzinas e patrões, algemas e fumaça.

Não me quero mais esse que me habita,
Inconformado e rebelde, ditando dúvidas
E ambicionando o que nasce em partos de dor.

Chega de interlúdios em discursos mortos,
Ansiedade de afogado em estertores de ar,
Maledicência no oratório dos pudicos e sãos.

Que se inaugure em mim a sanidade social,
Para que eu possa ir para a igreja
E aposentar os versos.

Francisco Costa

Rio, 25/09/2013.
Imagino-te nua,
Vestida apenas de ternura,
Reinaugurando a juventude em nós.

Viveríamos uma mentira
Porque não se pode só ternura
O que lateja desejo e posse.

Virias vestida de roupas outras,
Em trajes de pronta ao ato:
Animalidade de fêmea mal contida,
Desempenho de temporal em curso,
Entrega radical de criança ao sono,
Entre beijos e mordidas, orgasmos
Postos em ostentação explícita
Ao que se quer urgente e já.

E meus olhos, inúteis porque cegos,
Não veriam tuas roupas, abstratas
Embalagens da ternura compartilhada.

Aliás, diante de ti eu só veria a ti
E mais nada.

Francisco Costa

Rio, 19/09/2013.

HAI KAI

Entre a orgia e o silêncio
O meu coração se adoça

Na ausência.
Flor de primavera que debrua em carne
O jardim em que transforma minha cama:
Acaso não sabes que não nasci para aqui,
Para me fundear como nau em chegada?

É propósito e intenção o navegar sempre,
Vasculhando portos interditos, proibidos,
Escondendo prazeres a serem declarados.

Não nasci para a brisa litorânea, delicada,
Mas sem os atrativos das borrascas, do ar
Em revolta, desafiando naufrágios e morte.

Não! Eu sou o que se quer livre das amarras,
Longe das enseadas, das baías, das restingas
De permanente paz e consolo, acomodação.

E agora... Agora chegas, âncora de desejos
Corrompendo  intenções e vontades, louca,
No desvario de me aposentar, comandante
Ancorado onde pensou nunca chegar.

Francisco Costa

Rio, 20/09/2013.

EVOLUÇÃO

O que acho da morte?
Coisa natural.

Comecei escrevendo
Com um lápis, passei
Para a caneta tinteiro,
Depois para a esferográfica.

Conheci a máquina de escrever,
Uma velha Remington,
Depois a máquina elétrica,
Logo superada pela eletrônica.

Hoje digito num pc.
Nada mais natural então
Que amanhã
Eu escreva com o pensamento.

É a evolução.

Francisco Costa

Rio, 23/09/2013.

sexta-feira, 27 de setembro de 2013

Eu, todo nervos expostos
Hemorragia de emoções,
Dores inconcebíveis, atos
Postos no inexplicável,
Rogo clemência ao dia:
Que se faça noite mais cedo.

Francisco Costa

Rio, 16/09/2013.

EU, O ESTRANHO?

Estranham que eu, o empresário,
O homem bem sucedido,
Pretensamente dominante
Numa sociedade de dominados,
More em casebre rural.

Estranham que eu, ser político
Que discursou para multidões,
Me esconda na casca do anônimo
De enxada na mão carpindo mato
E edificando flores e pássaros.

Estranham que eu, o locutor
De programação romântica,
Em permanente incitação ao sexo,
Viva só, em viuvez auto imposta,
Casado só com livros e discos.

Estranham a ausência dos carros,
De estadia em balneários, os dotes
Comprados, alugados, arrendados,
Mostrando-me macho em atividade.

Estranham (agora, os meus filhos)
A retirada igual à dos funcionários,
O que me faz imune às tentações
Do que pode o dinheiro, o capital,
E solidário de verdade aos iguais.

Estranham o que se recusa burguês
E não saca as armas do poder,
Entre bichos, plantas  poemas,
Aguardando a definitiva libertação.

Estranham porque inocentes,
Sem saber da beleza posta nos dias
E que se mostra nas coisas mais simples,
Longe dos shoppings e holofotes.

E mais estranham as minhas exigências
Na política, na justiça, no social: Divisão!
 Justo eu, que de pouco a ganhar
E muito a dar, segundo eles, tudo a perder.

Estranham-me tão estranho,
Sem saberem que também os estranho.

Francisco Costa

Rio, 16/09/2013.
Entre o primeiro vagido
E o derradeiro suspiro
Não foi ao espelho
Nem se lembrou de Deus.

No afã de usar os olhos
Não se deteve fora
Do que os olhos viram.

E em então se converteu
A uma estranha religião
A de amar ao próximo
Sem limites e sem medidas.

E se fez guerrilheiro
Para libertares:

O rico, do capital;
O pobre, da miséria;
O ignorante, da ignorância.

Francisco Costa

Rio, 23/09/2013.
Entre o berço
E o sorriso do bebê
Um míssil se esgueira,
Antibabá radioativa
Esculpida
Com dinheiro e ódio.

Entre mísseis e bebês
O dia bordeja
Distraído, esperando
Tempos de paz.

Francisco Costa

Rio, 27/09/2012.
Entre as estrelas
E sepulturas
O homem se faz
Impostura
Em busca de paz.

Francisco Costa

Rio, 20/09/2013.
Em Tupinicália,
um país utópico
 porque sem respaldo
no que é racional
a justiça é mercado
de estoque vário
e preço determinado.

Lá vendem sentenças
liminares, Habeas Corpus,
reduções de penas
progressões de sistemas,
indultos e perdões,
desde que os fregueses
paguem com precisão
e não sejam políticos
fazendo oposição.

Em Tupinicália
A justiça tem preço,
Posição política
E pretensões eletivas.

O povo paga.

Francisco Costa

Rio, 15/09/2013.

ANIVERSÁRIO DE PABLO

Em algum canto por aí,
Talvez mesmo por aqui,
Um homem aniversaria.

Mais que homem nas tardes,
Seu corpo desmedia fomes
E engolia bibliotecas, livros,
Pouco comedido, voraz,
Na imparcimônia sem limites
Do que se quer total.

E mais comia, o sol e o mar,
Quando não ocupado em camas,
Esgrimando em superação do amor.

Nada lhe passou que não fosse fome,
Engolindo ávido todo ao alcance,
Até a miséria, o despropósito estranho
De não ter o que comer.

E comeu isso também, bom de garfo,
Refestelando-se em solidariedade,
Até que inchado tanto de tanto comer
Passou a regurgitar palavras e sons
Em ritmo de criar consciência.

A quarenta anos, no Chile de Pinochet
Com raiva, de raiva a raiva morreu.

Agora contam os de ouvidos sensíveis
Que quando o mar bate nas pedras
Pode-se ouvir: Pablo, Pablo, Pablo...

Respondido por consciências rebeldes
E corpos femininos em contorsão,
Manchando os sorrisos dos contentes:
Neruda, Neruda, Neruda, Neruda...

Em momentos assim de magia
Nada resiste, nem a poesia,
Que também se desnuda.

Francisco Costa
Rio, 23/09/2013.

(quarenta anos da morte de Neruda, hoje)
Do que se tece a primavera
Senão no que se esconde
Colorido, anunciando novos dias
Só insinuados, orbitando flores?

Em que prato ou bandeja
Se serve, luminosas/iluminadas,
As aromáticas manhãs anunciadas
Em brisas mornas e pássaros baldios?

Para onde vamos, quando,
Incipientes e vestidos de cores,
Nos rendemos vencidos, entregue
A essa conspiração de amores?

Sem primaveras, os anos seriam
Mares sem praias, poemas sem versos,
Uma eternidade de desabrochares
Quentes e entardeceres frios,
Sem o intermédio do equilíbrio
Equilibrado nas asas das fadas.

Bem vinda, primavera!
Reservei-lhe um cantinho
Em meu jardim, na sala, no quarto,
Em mim.

Francisco Costa

Rio, 21/09/2013.