terça-feira, 30 de julho de 2013

CARTA AO XARÁ

(Para Patrícia Mendonça, uma peregrina;
Para  José Gustavo Gonçalves, um sacerdote,
Meus amigos)

Sabe, amigo, tenho um pé atrás com líderes religiosos,
Aquele papo de Marx de que a religião é o ópio do povo.
A vida, a militância, me mostraram que é uma verdade.

Assim, te recebi com um pé atrás, desconfiado.
Para piorar, quando te soube Jesuíta, danou tudo.
Tenho essa ordem como a mais reacionária da Igreja,
A direitona da Inquisição e da catequese dos índios,
Embora tenhas assumido uma posição franciscana
(não acreditei, pensei ser só marketing religioso).

Mas... E não há nenhum constrangimento em confessar,
Fui também arrebanhado, senão para teu rebanho de fiéis,
Para o de admiradores, dos que te respeitarão como líder.

Aquele papo de recusar trono e ficar em cadeira simples,
De madeira, como tantas o carpinteiro Zé, pai de Jesus,
Construiu; o recusar a estola bordada a ouro, vermelha,
Surrupiada dos romanos e que bem dá a ideia sociológica
De como se formam as religiões (agora mesmo, pastores,
Em nome do mesmo Jesus, pilham covardemente o povo);
O recusar o anel de ouro e os sapatinhos vermelhos
(cá entre nós, e que ninguém nos ouça: isso é coisa de gay);
E o manter as vestes “pagãs” como as minhas e de todos,
Sob as vestes sacerdotais, como testemunho de igualdade,
Me antenaram, mas... Podia ser tipo, sou desconfiado.

Aí te vi subindo as escadas do avião com a mala na mão,
Sem usar ordenanças, como determina o protocolo,
A não se negar a responder às perguntas dos jornalistas,
A bordo, com o bom humor dos simples mortais, como eu,
Sem a pretensa santidade dos que pedem dinheiro na tevê
E dos que o antecederam, em poses de o próprio Jesus.

E tudo foi motivo de brincadeira nos teus pronunciamentos,
Até a velha rivalidade de brasileiros e argentinos, como tu.
Só que brincando, usando o discurso da juventude,
Desautorizaste os corruptos, e mais, concitou à reação,
Ao não acomodamento dos pretensamente salvos
(é verdade, “o meu reino não é desse mundo”),
Apontando no capitalismo uma fera tão vil e covarde
Quanto o stalinismo, as ditaduras militares, o nazismo.

Com a autoridade de comandante a afirmação maior,
A de que a Igreja não é uma ONG, e que lugar de fiel
É nas ruas, protestando, exigindo os seus direitos.

Com a autoridade de estadista, foste ecumênico,
Já que se só um Deus, um só rebanho, um só povo de Deus.
Isso é ser democrata, divinamente democrata. Que lição!
Teu sorriso constante nos semeou de esperanças
Porque ancorado em palavras sábias e necessárias
Nesse momento de coisificação do ser humano
E divinização das coisas, meros objetos de consumo,
E aqui te repito, quase literalmente.

Longe de mim, querer acrescentar à tua sabedoria,
Pois sei que sabes o significado de Francisco,
Palavra de origem sânscrita que quer dizer
“aquele que é livre”, “aquele que nasceu livre”, e,
Por adoção do nome, tu o dignificas e reitera o sentido.

Bem vindo ao clube dos Chicos: de Paula, de Pádua,
De Assis... E em nome da divindade a que tão bem serves,
Abençoa a esse Chico menor que aprendeu a te admirar.

Prometo que, se a minha intransigência religiosa continua,
Cobrando que seja só material o que não é divino,
A minha coerência política rende culto ao líder cristão.

Vai com Deus, hermano. Retorne. Serás sempre oportuno,
Diria mesmo necessário, uma gotinha de mel nesse mar de fel.

Francisco Costa

Rio, 29/07/2013. 

AMAR

Amar. Sim, amar
Com a compenetração da criança diante do brinquedo,
O afã da dedicação do pássaro diante das crias,
Em incansáveis vôos e permanente coleta do futuro.

Amar com o desprendimento do cão que lambe por nada,
Pura manifestação de gratidão pela existência do dono,
Sem timidez, vaidades, questionamentos menores.

Amar sem cobrar o passado, que já foi, está morto,
Nem comparar porque nenhuma flor se repete
Na cor e no espaço, fazendo-se preciosa porque única.

Amar como se o objeto do amor fosse parte de si
Que não se quer amputada, por necessária e urgente.

Amar, simplesmente amar, e esperar
Porque todo o resto será consequência.

Francisco Costa

Rio, 30/07/2013.

AMA-ME

Ama-me, mas não com a intempestividade dos alucinados,
Com a urgência dos que  se supõem prestes a partidas,
A sofreguidão dos náufragos a cata de ilhas e continentes.

Antes, venha com a parcimônia da que se sabe tudo,
Preenchimento de espaços, totalização do meu existir,
Esse caminhar constante e determinado, confiante,
Atento à sua chegada.

Vem que ainda tenho alguns poemas.
Eu os escrevi na espera, olhando porta e janela,
Adivinhando seus passos, finalmente penetrando em mim.

Francisco Costa

Rio, 27/07/2013.

A TONTA

Indeferida ao projeto do prazer
Ela se mantém alheia e só,
Bastando-se no que pensa,
No quase nada que sabe,
Certa de ter o mundo nas mãos.

Reduzida a só corpo e apreensões,
Ambiciona o inacessível, impossível,
Porque busca fora o que a habita,
Inconsciente do que pode e seria.

Nela tudo é pequeno. As vitórias,
Porque automáticas e materiais;
As derrotas, porque passageiras
E logo esquecidas, para repetir-se
Em monotonia do imune ao novo.

Talvez por isso o descolorido do olhar,
A repetição constante das reclamações,
A ingratidão de não reconhecer,
A busca incessante de culpados
Para justificar a safra que ela planta
Em equívoco que se repete ao infinito.

Quando a maturidade chegar, um dia,
Entre netos e rugas, lágrimas, lastimará
O remoto habitando o presente,
E como sempre, encontrará culpados.

Francisco Costa

Rio, 22/07/2013

EU PRECISO

Evangelizem-me, preciso disso.
Evangelizem-me estendendo as mãos
Aos tombados nas sarjetas e meios fios,
Os que viram as orações morrerem de fome.

Evangelizem-me consolando a mãe aflita
Porque o filho jaz numa poça de sangue,
Vítima direta do sistema que o fez bandido,
Ou indireta, porque fabrica bandidos.

Evangelizem-me tirando justos das cadeias,
Para que sobrem vagas para os que os puseram lá.

Evangelizem-me dividindo, mais que pedindo.

Evangelizem-me pelo exemplo
E não por pregações vazias, despropositadas,
Devidamente remuneradas.

Evangelizem-me nas greves e passeatas,
Nos hospitais e penitenciárias,
No prato de sopa do que tem fome.

Nada de perorações na tevê
Com números de contas bancárias
Para eu depositar na conta do Senhor.

Menos nos púlpitos, diante
De rebanhos apascentados.

Não tentem me convencer a idolatrar pastores,
Padres, artistas gospel, versículos soltos,
Fora de contexto, postados na internet.

Apresentem-me a divindade pela razão
Porque ainda não vi montanhas removidas pela fé.

Quero uma divindade única, compartilhada,
E não esta que querem me apresentar,
Emprestada.

Evangelizem-me, preciso disso.

Francisco Costa

Rio, 30/07/2013.

FIQUE

Fique! Onde habitarei, quando,
Menino inseguro na chuva,
Eu me quiser em abrigo
De corpo quente e molhado?

Não vá! Como me reiniciar
Na procura de segredos
Em labirintos de carne,
E em dádiva me proclamar
Pedaço do que já não é meu?

Permaneça! Comprei cortinas,
Vamos esconder o sol
E contar estrelas em nós.

Eu vou te dar a lua
E espantar o amanhecer.

Fique!

Francisco Costa

Rio, 19/06/2013.

CALMA!

Não bata nesse coração.
Embora músculo,
Ele não frequentou academia,
É frágil e vulnerável, delicado
Como criança no berço, pluma
Que flutua ao acaso, saudade
Esperando na janela.

Ele não aprendeu a brigar,
Não bate nem apanha,
Só aprendeu a sangrar.

Vem mansa, pisa devagar.
Embora vermelho e quente,
Pulsátil, amor ardente,
Ele pode não suportar.

Francisco Costa

Rio, 27/07/2013.

DEIXE ABERTA

Não feche a porta.
Lá fora há borboletas de todas as cores,
Copulando com o sol e as flores;
Há crianças correndo, gritos infantis,
Brisa morna, encantos primaveris.

Não feche  porta.
As árvores frutificam, há odores
E os pássaros trinam os seus pendores.
Há colibris, sabiás, bem-te-vis...
Em sinfonia de arrebatação.

Não feche a porta.
Fechada ao mundo
Seu ser será infecundo,
Você estará morta.

Francisco Costa

Rio, 30/07/2013
Nossa, como te amo!
Nada para dizer
Ou pelo menos insinuar
Tudo o que me vai aqui,
Mascarado de normal,
Disfarçado de comum
Mas com a exatidão
Precisa do silêncio
Posto nas palavras.

Francisco Costa

Rio, 20/07/2013

FACEBICHA

O face é viado, ridículo,
Como todas as máquinas,
Músculos metálicos
Desprovidos de razão
Sentimentos e nexo.

Em todas as vezes que vou ao blog
Fazer públicos os meus partos
De palavras e estupefação,
Sou obrigado a interpretar letrinhas,
Coisa de viadinhos neuróticos
Que não têm o que fazer:
Prove que você não é um robô.

Robô escrevendo poemas,
Deixando-se escorrer em sangue
E angústias, latejando vontades?

Robôs só cometerão poemas
No dia em que os técnicos do face
Alcançarem a razão e o entendimento.

Por enquanto são só viadinhos
Dificultando o trânsito da inteligência,
O curso dos sentimentos,
A trajetória do bom senso.

Vão raspar o rabo nas ostras
E me deixem em paz.

Francisco Costa

Rio, 20/07/2013.

SURREAL

O meu país é engraçado,
Diria surreal e surrupiado:
Aqui, escolas e clínicas
Pagam o mesmo tributo
Que boates, bares e motéis.

Já os bancos e as igrejas
Estão livres de todos os tributos.
Não há jurisconsulto nem douto
Que justifique essa coisa de louco.

Mas quem pensa e observa
Se enerva e enervado justifica
Esse país de alienados endividados,
Confundindo orar e votar.

Pegam emprestado no banco
Esperando que Jesus vá pagar.

Francisco Costa

Rio, 30/07/2013.

PERDIDO


Perdi um poema em mim,
Mas não consigo encontrá-lo.
Não era um poema grande,
De muitos versos, menos
De poucos, uma quadra
Ou terceto, por exemplo.

Lembro que tinha cores,
Nuances assim de vermelho
Ou qualquer coisa parecida.
Se bem me lembro, movia-se
Entre o silêncio e a algazarra,
Alternando risos e lágrimas.

Não sei em que canto está.

Será que já não está em mim,
Que, distraído e distante,
Recusou-se a ser só poema,
Ganhou ritmo, virou canção?

Que fosse!
Mas me deixasse o coração.

Francisco Costa

Rio, 25/06/2013.

APAGÃO

Se há alguma coisa capaz de impor ódio
E criar germe de terrorismo em mim,
Simples vítima, como toda a gente,
De quadrilhas organizadas no poder,
É ter a interrupção de energia elétrica
Fazendo-se atestado de impotência
Diante de um monstro voraz e carniceiro.

Terminamos um poema, nos identificamos,
E a burocracia estatal o deleta, a tecnologia
De terno e chapa branca o apaga, põe fim,
Como acaba de acontecer agora, e dá ódio.

Ora, porque não o salvou, perguntará um;
Porque não faz com cópia, afirmará outro.
Não houve tempo de salvar, a maldição
Se abateu quando eu o datava, pronto
Para salvá-lo, para postá-lo.

FHC, que satanás o tenha o mais breve,
Privatizou o sistema energético
Argumentando da nossa incompetencência
Para administrá-lo, o que me convence
Que apagão multinacional é mais importante.

Deve ser por isso que nos dias das mães
Os políticos vão às zonas,
Para serem abençoados.

Se a profissão as denigre é questionável,
Mas terem cagado vermes, não.

Francisco Costa

Rio, 30/07/2013.

RENDIÇÃO

Sedento de amor,
Tenho em ti o cântaro
Onde me abasteço
E me esqueço da sede.

És dádiva, celebração
De festas interiores,
Puro ritual de amor
Posto ao meu alcance.

Amo-te de forma pura,
Manso, em capitulação
Do que se rendeu
Inteiro, sem exigências.

Germino em ti e em ti
Floresço e me multiplico,
E multiplicado, adormeço.

Francisco Costa

Rio, 29/07/2013
Sedento de amor,
Tenho em ti o cântaro
Onde me abasteço
E me esqueço da sede.

És dádiva, celebração
De festas interiores,
Puro ritual de amor
Posto ao meu alcance.

Amo-te de forma pura,
Manso, em capitulação
Do que se rendeu
Inteiro, sem exigências.

Germino em ti e em ti
Floresço e me multiplico,
E multiplicado, adormeço.

Francisco Costa

Rio, 29/07/2013

DESPIR

Tua blusa, põe sobre a cama,
Sem drama, ninguém a usa.
O sutiã, põe em  uma janela,
Aquela, onde recebo a manhã.

A calça, dependura nessa alça.
A calcinha... porque vergonha?
Não core nem trema, ponha
Nesse verso do meu poema.

Francisco Costa

Rio, 27/07/2013

segunda-feira, 22 de julho de 2013

DEZ MIL ACESSOS

Dez mil acessos no blog.
Tenho agora a alma pública,
Escancarada a todos,
Mostrando a sua anatomia
De incômodos e quereres.

Ainda ontem, anônimo,
Mero molusco na concha,
Na transparência do fantasma
Habitando o escondido,
Embora presente e ativo.

Hoje, palavras digitadas,
Sentimentos expostos,
Versos concatenados vida,
Esse acidente estranho,
Temporário e curto.

O ser humano é estranho,
Animal que não se basta,
Sempre farejando o próximo,
Descobrindo melindres,
Pondo a nu a si próprio
Refletido no outro.

Vaidoso e gratificado,
Agradeço a cada um
Que se dispôs a vir cá
Ver-me despido de tudo,
Transformado em palavras,
Em oferenda ao mundo.

O menino que há em mim
Sorri.
O velho que sou,
Chora.
A refeição está farta
E a fartura tem nome:
Felicidade.

Francisco Costa

Rio, 22/07/2013.

sábado, 20 de julho de 2013

EM TÉDIO

Agora só a tristeza,
Esse olhar embaciado,
Em permanente sombra.

Minha munição acabou,
O combate, não.

Esgotada a minha reserva de sorrisos,
De paciência, esperança... Só me resta
A expectativa de mais poucas páginas
Nesse meu livro da existência.

Pouco se me dá se lá fora, no jardim,
O dia espoca em floradas ou chove,
Se amanhã será dia útil ou feriado
Porque todos tão iguais, de silêncio
E ausência de esperas, vazios,
De ponteiros lentos, quase parados.

Em mim neva. Trancado para o mundo,
Observo todo o já observado, analisado,
Com a sensação de diante do inusitado.

Tornei-me estranho, acaso em trânsito,
O próprio tédio em consumação,
Penitência permanente, morte lenta.

Parece que plantaram em mim
A dor de todos,
Mas só me deram um  coração.

Francisco Costa.

Rio, 09/07/2013.

EM SI MESMO

Amanhece. Diante do mar o homem chora.
Há um menino moreno correndo, a pipa
Em aéreo balé de estranho pássaro, arisco
Separando o azul e o menino de peito nu.

Adiante, quase adolescente, outro menino
Divide olhares sobre o livro e o infinito,
Encontro de céu e água, realidade e sonhos.

De um lado uma família, a criançada dispersa
Na areia, entre gritos e correrias, sorrisos
Diante da mãe preocupada, o pai, realizado.

Do outro lado um senhor e sua velhinha,
Passeando calmos, calados, de mãos dadas.

Então o homem abre os olhos e faz escuro,
Não há amanhecer nem praia, nada azul.
E entende que o menino e o adolescente,
O pai e o velhinho de mãos dadas na praia
É ele em contemplação de si mesmo.

E sozinho chora o mar que secou,
O infinito que se reduziu,
Ele mesmo, quase nada.

Francisco Costa

Rio, 17/07/2013.

COISA DE MOMENTO

Hoje amanheci apaixonado pelo sol.
Como sois acontecer com os apaixonados,
Não me bastei na contemplação,
Indo rápido às conjecturas da comunhão.

Imaginei-o desde a sua gênese cósmica,
Fome estelar em refeição gravitacional
Agregando poeira e gases no útero galático.

Obeso e completamente pronto, acordou
Gordo o bastante para pesar sobre si mesmo,
Fundindo átomos em seu núcleo de estrela.

Luminoso e quente cresceu, parindo filhotes,
Planetas compondo a família, uma das muitas
Moradoras em um bairro de pontinhos de luz,
Famílias outras, chamado Via Láctea.

E encantado me aproximei dele, ferocidade
Tecida em luz e calor, ventanias de fogo,
Redemoinhos de eletricidade, magnético mar,
Em grandiosidade pouco propícia a palavras.

De mesmo furor foi meu arrebatamento,
Entrega de amante em primeiro encontro,
E entendi que Deus é um estado de espírito.

Francisco Costa

Rio, 19/07/2013.

LIMITAÇÕES DA ESCRITA

Esteta do absurdo, releio o mundo
E o fixo em versos, nunca reais.

Poemas não sangram como sangram
Corpos meninos, anteparos de bombas,
Corpos femininos, reparos de prazeres.

Não tenho como desmatar meus versos
E promover queimadas nas estrofes.

Um ponto não é um tiro, nem rajadas
As reticências. Meus poemas são quietos,
Silenciosos, frustrados na pretensão
De anunciar o caos nosso de cada dia.

Palavras limitam, são farsas digitadas
Propondo-se traduzir a realidade.

Meus poemas alertam, as vezes
Entediam ou convidam à festa,
Mas não passam de palavras.
A realidade é sempre maior.

Meus poemas só insinuam.
Não falam, não gozam, não choram.

Francisco Costa

Rio, 03/07/2013.

FAZ INVERNO AGORA

Nublado, sujeito a relâmpagos, chuvas,
Trovoadas, o meu coração, tempestade
Em fim de tarde, reclama sua presença.

Ainda ontem, tórrida ostentação no dia,
Brilhava em ferino fulgor, solar sorriso
Clareando intenções e caminhos, livre.

Agora amuou, anuncia invernadas frias,
Entre silêncio e cobertores, observando
Verões que já foram e insistem, em luz
E movimentos, enterrando em definitivo
A definitiva possibilidade de se ensolarar.

A memória é um ato falho do coração.
A saudade, desmedido pranto calado,
Lágrimas choradas ao avesso,
Para dentro.

Francisco Costa

Rio, 20/07/2013.

FESTA JUNINA

Não sei se inspirado
Em transe mediúnico
Beirando a insanidade
Hoje me vejo longe
Em caminhos pisados
Mas que persistem.

Cercado de bandeirinhas
E lanternas, amiguinhos
Divido-me na fogueira,
Correndo atrás de balões
Acendendo morteiros,
Estrelinhas e rojões.

Há guloseimas nas mesas
E refrigerantes gelados
Coisas só desses dias
Na pobreza de todo o ano.

Tamanquinhos de madeira,
Shorts e camisa colorida
Sob o chapéu de palha
Eis-me menino em festa.

Um dia serei grande
E descobrirei tarde
Que quando puder
Custear festas
Não haverá mais graça
Não serei mais menino.

Francisco Costa

Rio, 29/06/2013.

DE VOLTA

Funcional novamente,
Digito minhas angústias,
Purgo o que não sei,
Anuncio-me ao mundo.

Crisálida encarcerada em si,
Ansiando a borboleta morta
Que ainda ontem voava leve,
Não me sei sozinho, apartado
Do que se fez presente,
E presente, pedaço de mim.

Longe de espelhos os poetas
Não se justificam, meras pedras
Dormitando na passividade
Do alheamento compulsório,
Sem perceber se dia ou noite.

A ausência é um buraco vazio,
Silencioso e frio,
Povoado de fantasmas
Residentes na memória.

Sozinho um homem
É qualquer coisa que sangra,
Sem futuro e sem história.
Um animal a mais na criação,
Sem alma e sem vontades,
Sem cérebro e sem coração.

Francisco Costa

Rio, 20/07/2013

AMBIÇÃO

Hoje quero escrever o poema mais lindo
De tantos que já escrevi.
Que tenha em si insonhadas cores de galáxias,
Cantos de pássaros, sorrisos infantis
De refeições, brinquedos no chão da sala,
Ansiedade de menina moça sonhando sexo,
Cristalinas lucilações da água nas cascatas
Inundando retinas tontas, surpresas, atentas.

Devo temperá-lo com um violino em diálogo
Com guitarras em blues, próximo ao mar,
Em arremate de som das ondas no litoral,
Sinuosidades e curvas insinuando prazeres
Que dormitam no corpo da mulher amada.

Uma pitada de sol, claro, e brisa, muita brisa
Sustentado uma pluma amarela sem destino,
Fugida de algum ninho para se fazer movimento,
E um tortuoso caminho de pedriscos e seixos,
Ladeado de margaridas e borboletas baldias
Esperando o meu poema, longa escadaria
Entre o projeto e a obra, de degraus interditos
Porque nunca passo do primeiro,
Frustrado passageiro de avião
Sonhando-se pássaro, inseto,
Qualquer coisa que voe.

Francisco Costa

Rio, 09/07/2013.

INSATISFAÇÃO

Não me basto mais em poemas
Nem me identifico mais nas telas.
Cansado de mim mesmo, viajo longe,
Onde não me sei encarcerado aqui,
Em âncoras fixadas no cotidiano.

Já não me satisfazem as aparências,
O que se mostra despido da essência,
Pura ostentação da parcialidade
Reduzindo tudo a presa dos sentidos.

Quero o que se esconde, camufla-se
Em formas absolutamente concretas
E cores presumíveis, de aparência só.

Busco-me longe, onde não há sombras,
No interstício das horas postas na mesa,
Cansado das mesmas refeições.

Há em mim a transcendência dos loucos,
A sabedoria do que não sabe, desconfia,
A ansiedade da ostra em suposição
De existência fora das conchas,
Sem intermédio a limitar.

Busco-me como quem busca em si
Uma parte amputada que dói longe,
Sem lenitivo ou cura, ardendo
Na imaterialidade do que não está.

Ao que chamam ato criativo
Não sei se chamo terapia
Ou alucinação de quem foge de si.

Francisco Costa

Rio, 20/07/2013.

ALTERNÂNCIAS

Quero te amar com a intempestividade dos loucos
Que esperam o fim dos tempos no minuto seguinte,
Com a sofreguidão sem parcimônia de última vez.

Quero-me desorientado em laceração radical
De peito aberto, coração a mostra e mãos nervosas
Alternando trabalhar no mármore e podar flores,
Entre a devassa e a rendição, alternância de vontades.

Quero-me inteiro e integral, apartado de tudo o mais
Que não tenha em si uma ode, luzes, uma sinfonia
De carícias derramando-se sobre o teu corpo desnudo,
Até que o silêncio se faça pausa anunciando recomeços.

Francisco Costa

Rio, 20/07/2013

OS ROBÔS DA NET

O face é viado, ridículo,
Como todas as máquinas,
Músculos metálicos
Desprovidos de razão
Sentimentos e nexo.

Em todas as vezes que vou ao blog
Fazer públicos os meus partos
De palavras e estupefação,
Sou obrigado a interpretar letrinhas,
Coisa de viadinhos neuróticos
Que não têm o que fazer:
Prove que você não é um robô.

Robô escrevendo poemas,
Deixando-se escorrer em sangue
E angústias, latejando vontades?

Robôs só cometerão poemas
No dia em que os técnicos do face
Alcançarem a razão e o entendimento.

Por enquanto são só viadinhos
Dificultando o trânsito da inteligência,
O curso dos sentimentos,
A trajetória do bom senso.

Vão raspar o rabo nas ostras
E me deixem em paz.

Francisco Costa

Rio, 20/07/2013.

ENCONTRO POR ACASO

Longe plange um violão.
Em redondilhas ela se acerca,
Esculturais medidas
Mal dimensionadas no vestido.

Mal contido em meu ímpeto
Comungo agora o inapreensível,
Vergasta de sensações urgentes
Escorrendo na luz da manhã.

Nela música e cor coabitam
Em brilho próprio, diferente.

Se acerca, sorri, sabe meu nome.
Sim, sou eu mesmo. Tece elogio,
Mero agrado por que imerecido,
Pura gentileza dos educados.

Conversamos olhando o mar,
Colcha que aquece o planeta
E sustenta os enamorados.

Logo nossas mão se tocam.
Mais que luz e música,
É elétrica, purga energia.

Pago a conta, nos levantamos
E caminhamos a esmo, no cais,
Lentos, como quem nada quer.

Daqui a uma hora a surpresa:
Não é uma deusa, é uma mulher.

Francisco Costa

Rio, 09/07/2013.

FORA DO FACE

Mero vulto, simples espectro,
Sem palavras vago alheio e só
Nos umbrais da insuficiência.

Há em mim a necessidade urgente
De me por em comunhão, ponte
Entre a pretensão e o gesto.

Não me basto calado, menos
No encolhimento indiferente
Do silêncio e da solidão.

Há em mim um imperativo de atos
Aguardando que me consuma poeta
Teclando minhas chagas abertas,
Sangrando o que se anuncia saudade.

Longe de amigos e leitores
Só a vontade inconclusa
De me por ao alcance,
E ao alcance me fazer presente.

Longe e calada, anônima,
A poesia não se justifica.

É flor que desabrocha no deserto,
Exuberância para os olhos de ninguém.

Francisco Costa

Rio, 15/07/2013.