quinta-feira, 7 de abril de 2016

EU TE AMO E PRONTO

Sabe, somos diferentes, portanto não sei quem és, o que escondes do mundo, como te disfarças das coisas que não ousarias dizer a ninguém, e se pudesses, esconderias até de Deus e da tua consciência, mas eu te amo.
És mulher perfeitamente satisfeita nessa condição ou fraquejas diante de outra igual, ainda que contendo-se?
Sendo homem, uma mulher te realiza integralmente sempre ou fica um vazio preenchido com pensamentos  impossíveis de serem aceitos e revelados?
Homossexual, o sexo oposto te intriga e atrai a curiosidade ou te deixa na indiferença das árvores nas calçadas?
Ainda que convivamos cem anos eu não saberei, mas não é por isso que deixarei de te amar.
Sionista ou árabe, estás em qualquer um dos lados beligerantes, e daí? Isso não te faz mais ou menos humano, a bala que está no teu encalço não te perguntará em que lado estás, morrerás porque humano, e por isso eu te amo.
És rico, prisioneiro das próprias posses, contabilizando minutos e beijos? Então mais te amo, de apiedado amor.
És pobre, palmilhas a miséria em cada segundo, tendo de ti só o corpo, esse repositário de carências e faltas? Então a ti o meu solidário amor, e a minha vergonha de permitir que seja assim, mais uma declaração de amor.
És judeu, muçulmano, budista, ateu, cristão? Possibilidades de buscar a verdade porque fora dos ritos e das palavras somos todos iguais, defendendo o que supomos ser a verdade. Por isso eu te amo.
É verdade que não gosto de algumas coisas e por isso não as amo: o fascismo, a mentira, o fundamentalismo religioso, o egoísmo...
Mas se és assim és fascista e não o fascismo, és mentiroso e não a mentira, és um fanático religioso e não o fanatismo, és egoísta e não o egoísmo... E por isso eu posso te amar, e te amo.
Nossas peles têm cores diferentes, como diferentes narizes temos, e os cabelos, os pesos, as alturas, as maneiras de olhar e gesticular...
Mas buscasse eu identidade para amar, só amaria a mim mesmo no espelho, e é por isso que o meu amor está sempre fora de mim, no próximo, e é por isso que eu te amo.
Nossa razão é catalogadora, classificadora, hierarquizadora e por isso nos impõe rotular, apartar, diferençar...
Mas quem se nutre de rótulos nas embalagens da comida? Quem, sentindo-se de metabolismo alterado, busca o rótulo no vidro de remédio e joga o remédio fora? Quem, optando por palavras: chuva, toró, temporal, garoa, tempestade... Por isso deixa de se molhar?
Esse é um texto cristão, comunista, ateu? Não sei, rotule e não o farás diferente, nem na essência e nem na redação.
Também não te comovas com o que redigi, escondo coisas horríveis, mas não menos horríveis do que as que escondes, e tenho coisas lindas em mim que, por mais lindas, não mais lindas que as coisas lindas que carregas.
Somos assim. Por mais que amemos, haverá sempre um pouco mais de amor no nosso estoque, para dar.
Por mais que sejamos amados, residirá em nós sempre a sensação de carência, de quem quer e precisa de mais amor.
Afinal, como afirmou o poeta Vinícius de Moraes... “E para o amor fomos feitos”.

Francisco Costa

Rio, 14/06/2015. 

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