segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

SÓ ROSAS


Darei rosas,
Não mais que rosas,
Rosas, apenas.

As rosas brancas da paz,
Da pureza imaculada,
E as amarelas, as da riqueza,
Da prosperidade posta
Na mesa do que se esforça
E confia em safras no amanhã.

Rosas rosas, para as moças
Baldias e tontas, esperando,
Para os meninos encantados
Com a vida e com as moças.

Rosas alaranjadas, híbridas,
Por deuses humanos criadas,
As azuis, as quase negras,
Nascidas de brincadeiras sérias.

Inundarei o mundo com rosas,
Caminharei com malas, baús,
Cangalhas, conteineres, caçambas
Contendo rosas em profusão,
Até perfumar e colorir o mundo.

Já a rosa vermelha, a que não dei,
Permanecerá no porta jóias
Que tenho no coração, guardado,
Pronto para ser violado, revelando
Mais que escondendo,
Essa minha vontade de torná-lo
Caixa vazia nesse ano que se inicia.

Francisco Costa

Rio, 30/12/2013.
Entre coxas e peitos, burburinho
Discos voadores, prestidigitadores
Alcovas proibidas, pergaminhos
Domésticos apelos, corredores.

Entre apelos e ofícios, documentos
Artefatos nucleares, desmazelos
Ansiedades cósmicas, julgamentos
Medos, ameaças, crenças milenares.

Entre dísticos e discos, aleivosias
Em perímetros urbanos, no campo
O homem armazena dores em cantos
Canta as próprias dores em poesias.

Francisco Costa

Rio, 30/12/2013
Sutil mas determinada ela se insinua
Em olhares lânguidos, aparentemente
Displicentes, cheios de conotações,
Em promessas mal contidas em si.

Ao mesmo tempo soa menina inocente,
Dedinho no canto da boca, olhar longe,
Quase uma filha sem calcinha, correndo
Para o banho, esfregada por mãos de mãe.

Vezes há em que, voraz predadora, avança
Sobre mim com a disposição de exércitos,
Como se eu fosse cidadela a ser ocupada,
Território pronto para incondicional rendição.

E volta a ser criança, mascarando a mulher
No exercício da superação, travestida de louca,
Mordendo a minha boca, como quem tudo quer.

Francisco Costa

Rio, 30/12/2013
Súbito, surpreendo-me com minha anatomia,
Com esse metabolismo louco, desvairado,
Exigindo uma explicação: sou enorme.

Minhas artérias, que nascem no coração,
Não se bastam enclausuradas na pele,
E rompem  o meu corpo, ganhando o mundo.

Como serpentes vermelhas, de sangue e fogo,
Banham Copacabana, sensualidade na areia
Invadindo a minha imaginação, meus versos.

Sobem morros e amamentam a indignação,
Partilham fome, carências, precisão...
Correm matas e se enternecem com a fauna,
Irmãos de corpos diferentes ilustrando
O altruísmo de Deus quando não nos quis sós.
A flora, exagero de um artista sublime,
De inspiração infinita e de infinita técnica.

E vão à Brasília, contaminando-me de lixo,
Envergonhadas, sujas com os miasmas podres
Da desonestidade, das propinas, da impunidade
Lançando cortinas de fumaça sobre o povo.

Chegam ao nordeste e têm sede, angústia
De água perto separada por uma cerca,
Apartando gente e o gado dos coronéis.
Sujam-se de lama e caranguejos, de sal e sol,
Inclementes nos litorais azuis de sonhos.

Vão ao sul e quase encontram a Europa,
Seus sotaques e folclore, seus modismos
De quase estrangeiros culturais partilhando
O mesmo coração de clorofila e ouro.

Depois retornam ao meu peito, para mostrar
Que sou só um pontinho quase anônimo
Na imensidão mágica do meu país.

Francisco Costa

Rio, 30/12/2013.
Sr. Ministro:
Nós, gente não consultada
Para vossa nomeação
E que no entanto, a contragosto
Vos paga salário e mordomias,
Cientes de vossas  intenções,
As melhores possíveis
Em favor dos que vos amestrou
E vos tem como gerente
De seus próprios interesses,
Viemos, através desse antipoema
Solicitar um gesto altruísta,
Capaz de dignificar e justificar
Qualquer homem da sua extirpe:
Suicide-se!

Francisco Costa

Rio, 30/12/2013.
Que sendo carne
Desmaterialize-se
Para caber em sonhos
E habitar as noites.

Que sendo real
Navegue só ideia
Em permanência
Cotidiana, constante.

Que sendo uma
Faça-se muitas,
Para que eu a veja
Em tudo.

Que sendo
Não seja,
Para que eu
Não cesse a busca.

Francisco Costa

Rio, 30/12/2013.
Anjo decaído, sem asas
E de pureza perdida,
Feito carne e apreensão,
Visão na minha cama.

Anjo, como o da canção,
Cacos de luz, chama,
Iluminando-me a vida,
Puro ato de paixão.

Anjo despido de razão,
Só vontade estampada,
Amor, puro coração,
Emoção desarvorada.

Anjo, só anjo posto
No que não era intenção,
Saciar espírito e corpo
Neste turbilhão de tesão.

Francisco Costa

Rio, 28/12/2013
Indiscretamente proibido,
Lascivo e secreto, calado,
Nos limites do que se basta,
Este amor de momentos,
Rápidas fugas, estadias
De urgências e despedidas,
Anuncia-se perene e fixo,
Permanente, constante
Como andorinhas no verão,
Floradas nas varandas,
Anunciação de dias novos
Que se revelam possíveis
Porque alheio a tudo o mais.

Mudo, quieto, calado, só,
É revelação do só possível
Porque fugaz e urgente,
Premente, piscar de olhos
Ornado em esperas
Nutridas em saudades.

Francisco Costa

Rio, 29/12/2013.
Pernoitando em minha cama,
A dama, explosão plástica
E silenciosa, voraz, elástica,
Reinventa-se outra, chama
Que arde e me encanta,
Suplanta quaisquer vontades,
Em sutis insinuações e alardes,
Um drama que se quer agora,
Um orgasmo que não demora,
Drama que em mim se inflama.

Francisco Costa

Rio, 3012/2013
Possuída de amor
É qualquer coisa assim
Túrgida, entumescida,
Lavrando carícias e sons,
Gemidos e gritinhos,
Pronunciando o meu nome
Como se fundamental
No seu mergulho
De êxtase e paixão.

Só carne que se morde,
Investe aflita e urgente
Sobre o que em mim ressalta,
Apêndice abdominal,
Mal contido e invasivo
Em procrastinação distraída
Ao que não se queria quieta,
Prolongando o mergulho
Numa piscina sólida
De fronhas e lençóis.

Francisco Costa.

Rio, 29/12/2013.
Se te disserem política não se discute,
Permanece atento, ligadíssimo:
Querem te tomar o prato,
Para mais sobrar.

Se te disserem religião não se discute,
Redobra  a vigilância, ligadíssimo:
Este se julga porta voz da verdade,
Alternativa única entre alternativas,
E se não discute é por medo, temor
Da fragilidade das próprias convicções.

Todo aquele que se recusa à discussão,
Blinda-se nas próprias desconfianças
Erigidas certezas, é frágil e fraco.

Os tiranos agradecem a disciplina,
Os lobos rejubilam a inofensibilidade
Da ovelha quieta e calada, presa fácil
Para os que discutem o que fazer
Contigo, cardápio em fogo brando,
Esperando ser a refeição.

Se tua boca só serve para comer
Pouco comerás, perdido
Em orações de estranhos propósitos
E sorrisos sem motivo.

Francisco Costa.

Rio, 21/12/2013.
Meus ídolos estão velhos
E envelheci com eles.
Meus ícones estão mortos
E estou morrendo com eles.

Já não nos contamos em anos
Mas em fração de século,
Em rugas e memória comum,
Dedilhada nos violões do tempo.

De íntegro e intacto
Só os nossos corações,
Rebeldes aberrações
Que se recusam à velhice,

Cantando passeatas
Exigências e canções.

Francisco Costa

Rio, 26/12/2013

EM PLENO SHOW

Sabe aquele cara comum, trivial, amante
Feito de flores e saudades, recordações?
Aquele cara que chora com cenas de novelas,
E dá bombons e rosas, marca encontros
Em jardins públicos e portas de cinemas?

Aquele cara igual a todos e que todos escondem,
Rotulando brega, antigo, ultrapassado?

Aquele cara que se encanta com crianças
E faz fiu fiu pra moça que passa,
Atento e concentrado no sexo oposto,
Fonte de infinitas possibilidades adormecidas,
Escondidas em tratados e teses, convicções,
Pautadas no que supõe verdades?

Aquele cara que em dois prá lá, dois pra cá
Dança boleros e canta guarânias e baiões,
E chora fácil e continuado pela mulher que foi?

Aquele que canta todas as músicas do Rei
E as conhece todas de cor, cada uma uma cara,
Um corpo, uma dor latejando fundo e sempre?

Esse cara sou eu.

Francisco Costa

Rio, 25/12/2013.
Estávamos na praia.
Ela, pele de sal
Refletida no sol,
Deitada na areia,
Convite e convocação.

Deitei-me a seu lado,
Respiração sôfrega
E pelos eriçados.

Seria agora ou nunca,
Hoje ou jamais
A posse daquele corpo,
Relevo de carne na praia.

Estendi o braço direito,
Os dedos tocando-a,
Queixo e boca, pescoço,
Fazendo virar-se.

Anulando o espaço,
Nossos olhares ternos
Fundiram-se em um,
Anulando a paisagem.

Agora o braço esquerdo
Enlaçando a cintura,
Eclipsando o umbigo,
Entre o hesitar e o exitar,
Trêmulo, sem saber
Que caminho tomar.

Murmurou alguma coisa
Ininteligível, vestida
De hálito quente, úmido.

Preocupou-se, súbita,
Com o em redor
O que soou consentimento.

Encostei-me displicente,
Com rijos latejares
Sobre a perna morena,
Relaxada e pronta
Esperando.

E acordei.

Francisco Costa

Rio, 27/12/2013.

PÁTRIA ESCRACHADA

Eita, Brasilzão,
Que vai do litoral ao sertão,
Que não é mais burguês nem português,
Menos inglês ou ianque porque belo,
Verdamarelo, cor de folha e flor.

Terra de proletários, operários,
Lavradores lavrados em dores,
Da mulata de bunda arrebitada
E dos sons da bicharada na mata,
Ora árida, tostada em pré queimada,
Ora tropical, majestosa e imperial,
Fazendo a  hematose do mundo.

Terra sofrida, cicatriz e ferida
De hemoptíases e ascaridíases,
Da brucelose e da tuberculose
Organizando filas em hospitais,
Sinfonias de gemidos, de uis e ais.

Brasil corrupto, do escorbuto,
Da puta e do puto, da prostituta,
De um povo que labuta, se dá na luta,
Armado de marmita e disposição,
Com alma de poeta, olhar de esteta
E ferramentas na mão.

Terra do acarajé e do churrasco,
Onde me arrebento e me lasco
Sem damasco, mas com coco e manga,
Jabuticaba e mangaba, caqui e abacaxi.
Rincão do tucupi e do tacacá, do abaeté,
Da tracajá, da anta e do jacaré.

Musical solfejo de sanfonas e zabumbas,
De surdos e tamborins, dos jasmins,
Dos ipês, embaúbas e carnaúbas.

País dos pinheirais e dos generais,
Do seringais e marginais,
Tudo junto e misturado,
A puritana e o tarado,
O pai de santo e o cristão desarvorado,
Do amém, do saravá e do evoé, baco.
Da maconha, do álcool e do tabaco.

Brasil debochado, escrachado,
Do foda-se e da puta que pariu,
Da pegadinha e do primeiro de abril,
Do drible mágico de Garrincha
Dos gols de Pelé, Zico e Neymar,
Do pincel, da brocha e da trincha
Espalhando cores a nunca acabar.

Brasil do repente e do cordel,
Do tenente e do coronel,
Do vaqueiro e do guerrilheiro,
Da cigana e do sacana, da cana
E da gasolina, do Apesar de Você
E da Carolina, da soja e do dendê.

Da suruba e da maçaranduba,
Da passeata e da procissão,
Da escola de samba, do bloco,
Do frevo, maracatu e do cordão,
Da congada, marcha e baião.

Brasil com rima ou sem rima,
O de baixo e o de cima,
Politizado ou alienado,
Rindo da própria desgraça,
Com torresmo e cachaça.

Brasil que se recusa talvez
Para ser a potência da vez,
Ex vítima de judas e gigolôs
Desde o tempo de avôs,
E que agora se vê no futuro,
Ultrapassando cerca e muro,
Querendo-se pra sempre,
Rompendo com o eternamente,
Como crisálida do casulo rompida,
Dando adeus aos tempos da morte
Porque encontrou o caminho da vida.

Brasil da putaria e da procissão,
Do ônibus escolar e do camburão,
Das loterias, da poesia, de azar e sorte.

De Padim Ciço Romão Batista
E de todo artista, de Caetano e Gil,
Gonzaga e Gonzaguinha, Edu e Tom,
Dos pampas e da caatinga, do cariri,
Do pantanal e das litorâneas praias
Com as moças de biquínis e minissaias,
Mais mostrando que escondendo,
Semeando o que por dentro vai ardendo.

Pais da organizada desorganização,
Da pirataria na banca do camelô
Ao discurso do político na eleição,
Da fraude, do roubo, da espoliação;
Da novela e da corruptela, da tigela
Da enjeitada na janela, da garotada
Empinando pipas, pandorgas e papagaios,
Da gude e do pião, da meinha no chão.

Brasil das festas e dos velórios,
Dos estádios e cemitérios,
Com esse jeito elegante de não ser sério,
De comemorar  tudo com foguetórios,
Mostrando ao mundo triste e moribundo,
Vendo-se como não se quis,
Que, apesar de tudo, pode-se ser feliz.

Francisco Costa

Rio, 26/12/2013.

quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

SURREAL

(No shopping)

Amanheci entre o pranto
Que me chega em maré cheia,
Povoada de berinjelas e bagres
E sorrisos de prender o sol.

Vi Jesus no shopping, faceiro,
Em peleja aberta e pública,
Munido de embrulhos e troco,
Um comunista na cruz e renas,
Muitas renas em palmas de bis,
Papai noel montado num jegue,
Entre bundas e rebolados
Coreografando corredores.

Iscariotes estrangulado e bêbado,
Agonizando na vitrine de criptonita
Embalado em tísicas pretensões.

Aleluias e evoés, améns e gritos
Conspirando ataques de Phantons
E armadilhas de alpiste palavras
Aguardando jacarés com mandatos,
Atentos à programação na tevê.

Redivivo em meus anseios, eu vi
O apocalipse espalhando dragões,
Semeando pânico amordaçado
E sexo ostentando-se nuvens,
Plumas no vento, véus errantes
No aguardo de qualquer porto
Seguro ou de castiçais quebrados.

Eu vi o gado contido em paredes
E o estouro da boiada flutuando
Entre etiquetas e promoções,
Profusão de gols e o drible exato
Entornando sangue e fera fúria
Nas arquibancadas de concreto,
Sólido e duro como corações.

Vi papas e pastores, monges...
Todos os nossos condutores.
Cultos, missas, rituais, oferendas
Aos pés do totem de madeira
Com pés de barro e alma de ouro
Clamando clemência e calma:

Tem muita mercadoria,
Vai dar pra todo mundo!

Não bebi nem cheirei coca,
Eu juro. Só fui ao natal!

Francisco Costa

Rio, 23/12/2013.

UM ANTIPOEMA NOJENTO

(para ruborizar anjos)

Desço do meu romantismo
Para ser claro e realista,
Dizendo o que não ousam
Os puritanos e pudorados
De bundas cheirosas.

Ontem e anteontem,
Em ceias, festas e banquetes
Nos locupletamos em comidas
De fortes condimentos
E gasosas fermentações:
Frutos do mar e frutas outras,
Batatas e couve (ah, a couve
E suas parentas, dona brócolis
E senhor repolho, vésperas
De intestinais revoluções),
Batatas e ovos cozidos
(são fatais, incontornáveis),
Tudo regado a álcool
E refrigerantes,
De tal maneira municiada
A flora intestinal
Que hoje deveria ser feriado:

Dia do pum, do traque, do peido,
Do foguetório indiscreto,
Do ante roseiral infecto,
Invadindo as narinas,
Incomodando a torto e à direita,
Com bundas enlouquecidas,
Sempre na espreita,
Em atividade natural,
Como se fosse carnaval
Em momento não aprazado.

Incomoda mas é engraçado.

Francisco Costa

Rio, 26/12/2013.

P I


P II


P III


P IV


P V


P VI


P VII


P VIII


P IX


P X


P XI


P XII


P XIII


P XIV


P XV


P XVI


P XVII


P XVIII


P XIX


P XX


P XXI


P XXII


P XXIII


P XXIV


P XXV


P XXVI


P XXVII


PXXVIII


P XXIX


P XXX


P XXXI


P XXXII


P XXXIII