sábado, 19 de novembro de 2016

Quedo-me cansado,
Entre impropérios calados,
Gemidos e punhos cerrados.

Eu não me antevi assim,
Parcimônia posta nos gestos,
Reduzido à luta verbal
Quando o corpo exige mais.

O inimigo não é poderoso,
Mas me sinto só
E só sou pouco
Para arregimentar canhões
E arrombar portas e janelas,
Pisotear jardins de palácios,
Impor a presença do sol.

Meus camaradas acomodaram-se,
Talvez envelheceram entre netos,
Mal dispostos ao risco do recomeço,
Quando os tanques nos ameaçavam
E sorridentes caminhávamos juntos,
Sorridentes, de mãos dadas, cantando:
“somos todos iguais, braços dados,
Vem, quem sabe faz a hora,
Não espera acontecer.”

As canções não envelhecem,
Nem a história ou o tempo,
Só a vontade, para desespero
Dos poetas, meninos velhos,
De corpos cansados,
Mas ainda dispostos
A mais um verso
Escrito nas ruas.

Francisco Costa

Rio, 18/11/2016.
Súbito, acordei alado,
Com as asas com que sempre sonhei,
Emancipado do chão e da gravidade,
Irmão das nuvens e próximo do sol.

A princípio ensaiei vôos curtos,
Pairando vizinhos quintais,
Ruas das imediações, praças,
Vendo pessoas no afã de existir,
Absortas no provimento das horas.

Depois ousei, e ousando fui longe,
Vendo bois e soja onde havia florestas,
Homens de peitos nus, suarentos,
Reduzidos a apêndices de enxadas,
Lavadeiras nas beiras dos rios,
Multidões em prece, e pressa,
Muita pressa na esperança de mudar.

Vi mansões de enumeráveis cômodos
E casebres de cômodo único, miúdo
E abafado, recheado de muita gente;
Jardins com piscinas e floradas
E jardins inundados pela enxurrada;
Vi iates e canoas, afogados e afobados,
No mister de arrebanhar peixes e pães,
Onde uns poucos arrebanhavam risos,
Fazendo da vida um cruzeiro de férias.

Mais longe vi sangue, muito sangue
Tingindo petróleo e dólares, euros,
Transubstanciando-se fortunas
Gerando mais sangue e mais suor
Jorrando em cascatas de prantos.

Pela manhã procurei por minhas asas,
Em vão, eu as tinha perdido por aí,
Abandonadas em algum poema,
Talvez em algum conto ou crônica,
Num capítulo de novo romance,
Nos cabides da consciência.

Agora, comum como qualquer um,
Vivo para denunciar o que vi por aí,
Quando confundi meus olhos
Com asas, sobrevoando as casas,
Túmulos de vontades que bem sei
Um dia serão berços de realizações.

Nos humanos as asas estão nos olhos.

Francisco Costa
Rio, 19/11/2016.


Laico, absolutamente imune
Ao que constrange e irrita
Porque com pretensão de verdade.

Ecumênico, aberto a todo líquido
Que se adiciona ao oceano do saber,
Este agregado de intempéries
Permanentemente desafiando
A sobrevivência nas dúvidas.

Convictamente anti-religioso,
Insubmisso a credos e doutrinas,
Trilhando o próprio caminho.

Longe do que me ensinaram,
Para que eu desacreditasse,
Fiz de mim mundano oráculo
Onde, dialeticamente
Entre o bem e o mal,
Os bons e os maus,
Em mim procuro Deus.

Francisco Costa

Rio, 14/11/2016.

FINADOS

Falo-vos dos mortos,
Mas não dos que se despiram dos corpos
E os abandonaram, a contragosto.

Falo-vos de outros mortos, presentes,
Dos que fugidos das guerras,
Sem entendê-las, habitam lugar nenhum,
Nos acampamentos de refugiados,
Tendo deixado metade de si no mar.

Falo-vos dos que morreram na pré-infância,
Porque reencarnados em corpos senis,
Precocemente, trabalhando na lavoura,
Sem saber de brinquedos e brincadeiras,
Sem uma juventude na memória.

Falo-vos dos que vegetam, plantados em si,
Sem consciência e sem vontades,
Agindo por instinto, automaticamente,
Nos templos do consumo, em shoppings
E centros comerciais, ostentando-se
Só um corpo devorador de coisas inúteis.

Falo-vos dos que criaram deuses
À própria imagem e semelhança,
Contrariando a razão e a realidade,
Tornando-se apêndices das próprias crenças,
Simples inocentes na máquina de produção.

Falo-vos dos sectários e extremistas,
Dos compartimentalizadores de tudo,
Colando etiquetas de identificação
Em cada semelhante: gay, pobre, negro,
Estrangeiro, herege, puta, comunista...
Senhores da razão dos sem razão.

Falo-vos, por fim e em definitivo,
Dos que se submeteram ao dinheiro,
E existem para amealhar e juntar,
Ainda que nunca venham a gastar,
Reduzidos a operações contábeis,
Lícitas ou ilícitas, honestas ou não,
Porque neles o sorriso só se justifica
Em cifras e números, como as flores
Que justificam o cadáver no ataúde.

Estes os pais dos mortos,
Os fabricantes de mortos,
Porque insistem, sobrenaturais
E terríficos, em semear a morte,
Seja pela fome, com tiros ou alienação.

Falo-vos de todos que, plantados,
Presos por sólidas raízes,
Acreditam que caminham.

Os mortos vivem,
E habitam entre nós.

Francisco Costa
Rio, 02/11/2016.

(Dia de finados)

FAZ NOITE EM MEU PAÍS

Acionaram o interruptor do meu país,
Faz escuro em minha pátria,
Nulidades alçaram-se de importância,
Atribuindo-se poderes indevidos,
Nascidos nos subterrâneos do golpe.

Desprezíveis e vis, como vermes
Chafurdam na lama que criaram,
Promovendo o retrocesso e o ódio,
Incubando sangue pra mais adiante.

Não se contentaram quadrilha em ação,
Auto promovendo-se a donos de tudo,
Estendendo as mãos asquerosas e sujas,
De digitais em todos os cofres públicos.

Como espectros saídos das sombras,
Perambulam na noite que nos impõem,
Vendendo-nos em retalhos e fatias,
Esconjurando o que mais não seja eles,
Imperadores do arbítrio, vociferando
Ordens para o relógio ao contrário,
Nos empurrando para o ontem.

Viscosos e de peçonha, abjetos,
Nojentos, empesteiam céu e solo,
Anunciando dias escuros e noites vazias,
Semeando necessidades e carências
Em campos vocacionados aos sorrisos.

Bélicos sem armas, querem a guerra,
Com pretensão tanta e tão urgente
Que não se desconfiam derrotados,
Espetados nas cercas e nos postes,
Para repasto dos urubus atentos
Ao que fede, emporcalha, sobra,
Como a escuridão que não aceitaremos.

Há em cada vampiro a sede de sangue,
O desejo de subjugar e impor o infortúnio,
Como se sangue e lágrimas fossem iguais.

O que não sabem é que escondemos
Alhos, espelhos, crucifixos, água benta...
Para devolvê-los ao inferno, um a um,
Até o último, até que nos retorne o sol.

Francisco Costa

Rio, 05/08/2016.

A VOLTA

Eu, artífice da sobrevivência,
O que nasceu para desafios,
Morrendo a cada instante,
Em cada intervalo distraído
Do ritmo respiratório,
Agradeço aos golpistas.

Não nasci para ser situação,
Refestelar-me no comodismo
Fácil dos satisfeitos.

Gato compulsório de prontidão,
Nasci para incomodar os ratos,
Para a predação do que fede
E incomoda, faz-se insuportável.

Agora, de penas suspensas
E condenações adiadas,
Acreditam-se incólumes,
Vencedores, imunes,
Com as presas contaminadas
Nas jugulares do povo,
Certos da impunidade.

Se até aqui só um soldado
Na formação da resistência,
Tenham em mim agora,
Os de pérfida laia,
Um guerrilheiro de tocaia.

Sinto informá-los
Que armado de revolta,
Aquele Camilo está de volta.

Francisco Costa
Rio, 30/08/2016.

PS: Camilo – meu codinome na ditadura.

HAI KAI

Entre Hilary e Trump,
Meu coração balança longe,
Querendo a paz.

Francisco Costa

Rio, 08/11/2016.
Então estranhas as minhas múltiplas atividades,
O doar-me inteiro e constante às oportunidades
Que se anunciam todas urgentes e necessárias.

Acaso conheces alguma flor de pétala única
Ou que apenas se mostre parcial, escolhendo
O espectador de plantão? Não, só escolhem
A ocasião, se de dia ou de noite, se no outono,
Inverno, primavera ou verão.

Como afirmou um poeta do cancioneiro,
“o pé que dança o samba, se preciso vai à luta,
Capoeira. Quem tem de noite a companheira
Sabe que a paz é passageira. Pra defendê-la
Se levanta e grita: eu vou!”*

Não estranhe então se romântico e intimista
Deixo-me escorrer em suaves versos.
Marighela cometeu poemas,
Che Guevara cometeu poemas,
Pouco distinguindo entre gatilho e caneta

Nos sensíveis dedos ocupados na luta.

Francisco Costa
Rio, 08/11/2016

EM RESPOSTA

Não cobre nunca do poeta
A permanente indignação,
O não intervalo no combate,
O ceder à não raiva e ao ódio.

Ainda que haja um tirano
Infelicitando as horas
E impedindo os minutos,
O sol continua aceso,
Com borboletas de plantão,
Moças no passeio público,
Crianças no afã de brincar,
Sérias e responsáveis
Como um poeta em atividade.

Pode o tirano arrancar a paz,
Instituir necessidades,
Promover o desencanto,
Dar provimento ao caos.
O tirano só não pode,
Por mais que se esforce,
Tirar a poesia, a surpresa
Diante do que comove
E nos reduz a espectador,
Passivo, entregue, rendido.

No dia em que o poeta
Viver em ódio declarado,
Mais não será que o reverso
Do tirano descarado,
Contra face da mesma moeda,
E aí sim, terá sido conquistado.

Francisco Costa

Rio, 18/08/2016.
Em crise de romantismo,
Presa do que me define carência,
Vergo-me, ansioso, em saudade.

Pronto para me dar urgente,
Purgo-me palavras postas aqui,
Ordenadas versos e ansiedade,
Na impossibilidade de só ser só.

Há em mim algo que incomoda,
Que purga e abate porque parte
Solicitando urgente complemento.

Nada apraz ou redime, define,
Num vazio feito de memória
Reduzida a só uma imagem,
Fixa, encantada, definitiva.

Por onde andará a minha metade,
A porção que espantava o tédio,
Impedia o ócio, impulsionava-me,
Ora doce e manso, ora voraz,
Em fome de refeição última?

De que se tece a saudade
Senão da ausência,
De onde queríamos estar?

A saudade é a porta estreita
Por onde transita o que foi
E o que esperamos voltar,
Atento, na esperança
De que esta porta
Não irá se fechar.

Francisco Costa

Rio, 18/11/2016

AVE NOTURNA

Ela me corrompe com o olhar
E mente com graça,
Oscilando a sua leveza
No espaço que me circunda.

Argumento para eu existir,
Ela insiste quase sobrenatural
Em cada dobra dos momentos,
Embora concreta, dimensional.

Se anoitece no mundo
E tudo se tinge de cor nenhuma
Ela ilumina com sua silhueta
De curvas estampadas
Mostrando-se, sem parcimônia,
Em dádiva aos sentidos atentos,
Amanhecidos da escuridão.

Santa pornográfica,
Ela se redige oração
Entre palavras e sussurros
Ditas entre dentes, suando
Sequências e recomeços,
Ávida e definitiva.

Ave noturna, mal amanhece
Voa e vai no vento,
Sem me dar tempo
De acompanhar.

Francisco Costa

Rio, 12/10/2016.

SANGRANDO

Eis que de repente tudo sangra,
Enerva-se vermelha a realidade,
Sangradouro de doces vontades
Escorrendo nos dias presentes.

Sangra o olhar do menino distraído,
Entre o programa social subtraído
E a incerteza se tudo isso passará,
Como passageiro temporal de verão.

Sangra a moça triste na janela,
O velhinho no pijama de flanela,
O amante que em si não cabe
Porque cresceu, apaixonado.

Sangra seiva a árvore posta
Entre o pássaro e o espaço,
Faz-se murcha a florada,
Dispersando besouros e borboletas.

Sangra o oceano e cada rio choroso,
Caminhando, sinuoso, entre pedras
Que choram o choro mudo
Do que sofre inerte, mineral.

Sangra o sol entre nuvens
E as nuvens no arrebol,
Pingando sangue nas cumeeiras,
Espantando as canções chorosas
Das mulheres lavadeiras.

Tudo sangra, sangramos todos,
Feridos de morte, em estertor,
Na espera de que tudo passe
E se faça sorriso o que hoje é dor.

Estocado em sua essência,
Na vocação de ser alegre,
Humilhado e recolhido,
O meu país sangra,
E chora.

Francisco Costa

Rio, 30/07/2016. 

11 DE SETEMBRO

E por palavra outra não merecerem
Eu os chamo corja, não mais.
Maldita seja então a corja,
Os que dilapidam vidas
E as oferecem nuas
No cepo do capital.

Malditos sejam em todo o mundo,
Ordenando matanças em guerras
Ou trabalhando mídias e partidos,
Na consecução de holocaustos
E apocalipses, silenciosamente.

Malditos os que exportam golpes
E financiam a fome, torturam
Explícitos nos quartéis
Ou disfarçados no mercado.

Foi Allende, foi Getúlio, foi Perón,
Foi Jango e agora foi Dilma,
Contas de um rosário de crimes
Ostentando-se incólumes.

Choro o World Trade Center,
Mas não como deveria chorar.
Faltam-me lágrimas,
Eu as gastei no Chile,
Na Argentina, no Uruguai,
No Paraguai, no Brasil,
Em toda a América Latina.

Faltam-me as lágrimas
Que deixei no Iraque e na Síria,
No Afeganistão e na Líbia,
Na Coréia, no Líbano, no Vietnã.

Por isso esse meu choro contido,
Quase envergonhado por chorar.
Vocês deram-me motivos
Para que eu chorasse antes
De que por vocês eu chorasse.

Meus olhos estão secos,
Minhas lágrimas evaporaram-se
No calor dos seus interesses,
No vento das suas vontades.

Assim, o que deveria ser pranto
Reduziu-se, e apenas lastimo,
Certo de que para os poderosos
Foi apenas um erro de cálculo
E não uma lição.

Francisco Costa

Rio, 11/09/2016.
Não me peçam comiseração depois,
Armaram-me a alma e a disposição,
Intoxicando-me de raiva e revanche.

Não se pode quieto e calmo, mudo,
O que em si leva a indignação e a dor,
Arrastando-as, fardo incômodo,
No calvário de todos os dias e noites,
Palcos onde se encenarão batalhas.

Ferido sim, mas não mortalmente.
De ferida aberta, mas sem mutilação,
Ainda capaz da insistência e do estoque,
Da cobrança, de empreender a luta.

Não me peçam recuo, parcimônia,
Risco calculado, baionetas caladas.

Trago em mim agora uma bomba
Sem controle e sem pavio, a esmo,
Prestes a semear estragos e ódios,
A me reinaugurar combatente novo,
Trocando musas, sorrisos e versos
Pelo velho e bom combate,
De verdade,
Espantando o que me aflige e mata.

Consola-me saber que não estarei só,
Que o que me rói e corrói,
Como em mim, incomoda a muitos.

Juntos, poderemos ser todos.

Francisco Costa

Rio, 18/04/2016.
A mulher que esperei não veio.
Por onde andará a mulher que espero,
Em que corpo se esconde, disfarçada,
Imune aos meus versos e meu olhar,
Talvez próxima, fingindo-se flor ou luar?

Por décadas eu a procurei dedicado,
Devassando corpos e pensamentos,
Catando indícios, obscuras evidências,
Qualquer coisa capaz de identificá-la.

Em corpos muitos fiz pernoites, acampei,
Hospedei-me voluntário peregrino
Na esperança de encontrá-la para tê-la.

Agora, já no ocaso de mim, mero ancião,
Já não a busco, passivo e acomodado,
Certo de que veio e não vi, distraído,
Quando deveria estar enamorado.

Minhas paixões foram sindicâncias,
Investigações, pesquisas minuciosas
Entre amantes atentas e curiosas,
Vasculhando-me palavras e poemas,
Até descobrirem que não eram elas
As que escondiam em si, dedicadas,
A mulher que esperei em vão, para nada.

Francisco Costa

Rio, 14/11/2016.

À MULHER DISTANTE

Ardo-me
Em curiosidade e sonho,
Insone
Supérfluo
Porque desacompanhado.

As horas me acompanham,
Lentas, desatentas
A suspiros e imagens
Etéreas e frágeis, rápidas
Que por pouco se sustentam
Porque só imaginárias.

O dia tarda
O primeiro galo ainda dorme
E de testemunho que vivo
Só a capacidade de imaginar,
Entre o provável
E o que jamais conhecerei,
Pingando impaciência
Nos versos que escreverei.

Não durmo para mais sonhar.

Francisco Costa

Rio, 05/06/2016.