quinta-feira, 7 de abril de 2016

EM RESPOSTA A UMA CURIOSA

(Para uma crítica curiosa)

Lastimas que eu more só,
Equivocada piedade,
Como se solitário
Rimasse com solidão.

Não! Definitivamente não!

Poderias, acaso, dançar na sala,
Desajeitada e tosca, cômica,
Palmilhando tangos imaginários
Sobre o tapete, despida de pudor,
Sem enfrentar vendavais de risos?

Poderias cometer poemas e contos
Em voz alta, a plenos pulmões,
Medindo a sonoridade das palavras,
Sem que sobre ti não caíssem críticas,
Admoestações, pedidos de silêncio?

Poderias caminhar nua pela casa,
Sem testemunhos, análises visuais,
Preocupações estéticas, anatômicas,
Natural e despreocupada, desatenta?

Poderias alternar aquela lírica ária,
Nascida na pauta de Mozart ou Bizet,
Com o rock mais duro e psicodélico,
Antecedendo baladas românticas,
Sem que te acreditassem louco,
Um delírio de porre em dia útil?

Já discursaste para ti mesma, irada,
Pedindo réplica para contestar
E em tréplica mais arrazoar,
Sendo muitas em uma só?

Já choraste, em pranto convulso,
Sem motivo aparente,
Sem que te perguntassem por quê
E gritaste o impropério mais chulo
Ao cretino político na tela da tevê,
Sem preocupações com crianças,
Senhoras, religiosos, críticos,
Os fiscais da delegacia de costumes?

Já deste aula de filosofia ao teu cão,
Cuidando para que ele entendesse
A influência dos Pré Socráticos
No pensamento contemporâneo,
As implicações da metafísica quântica
Como necessidade de revisão
Nos mecanismos dialéticos,
E beijaste do mais apaixonado beijo
A orquídea que floresceu na varanda?

Na tua casa os sabiás se aninham
Na prateleira da cozinha, voam,
Em segurança, pelos cômodos,
Fazendo de portas as janelas?

És capaz de ouvir ópera de madrugada,
E de madrugada acender a casa toda,
Sem que ninguém reclame e esconjure,
Gritando que quer dormir, ligar o PC
E ouvir discursos inteiros, de horas,
Sem ser chamada de chata, maluca,
Periculosamente doente?

E que bom entrar em casa despreocupado,
De sapatos elameados, o blusão jogado,
Sem as perfeccionistas da ordenação,
Viciadas em cabides e gavetas, atentas,
Torrando o saco, a paciência, o mundo.

Tão bom dormir onde se está, no chão,
Na poltrona, rede, varanda, quintal...
Sem uma voz a nos acordar: vem pra cama!
E comer o que tiver, como tiver,
Sem o suplício dos constantes e abomináveis
Safáris nos supermercados e shoppings,
Salvo quando o flagelo se avizinha,
E parece que tucano ganhou eleição,
Cozinha vazia e risco de inanição.

Pois me decidi por isso, e fiquei só.

Vinícius, o Poetinha, me segredou
Que mais importante que viver de poesia
É viver com poesia, e acreditei,
Trocando o solitário com muitos que fui
Pelo solidário exótico que sou,
Amamentando o mundo com indignação,
Sorrisos e versos, quase lúdico e infantil,
Na colheita do que sozinho planto.

Francisco Costa

Rio, 13/07/2015.

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