quinta-feira, 7 de abril de 2016

PEDAÇOS

Não tenho metades,
Mas muitas partes.

Coabitam em mim os extremos,
Contraditórias contemplações,
Paradoxais querenças,
Antagônicas dores,
Insustentáveis sorrisos
Que vou transformando
Em saladas de letrinhas.

Incólume e integral navego por aí,
Impostura posta na realidade
Que nos contempla sobras,
Sobressaltos, esperas, angústias
Ornamentando o cotidiano,
Ensolarado mar de desejos,
Ambições que logo frustrações
Arranhando fundo os corações.

Divido-me entre o que ora
E o que blasfema, passional
E urgente como aquele jato,
Entre o céu e os girassóis.

Se trago a nostalgia de bandolins,
Canhões também habitam em mim;
Se me quedo nostálgico e doce
Diante da lua boiando nas marés
E na poesia, levanto-me rápido
Se a hora é de protesto e rebeldia.

Nu, vestido apenas de ânsia,
Pronto a violar o corpo amado,
Em violação desejada e consentida,
Sou capaz de inaugurar orgasmos,
Mas também de abrir ferida.

Se um verso enleva e encanta,
Já o outro assusta e espanta.

A vida é assim, hoje rosa no jardim,
Amanhã navalha inaugurando o fim,
Entre estampidos de artifício e tiros,
Sem que os possamos determinar
Senão na experimentação da dor.

Ora amante no exercício de carícias,
Ora combatente com palavras,
Municio-me crisálida adormecida,
Pronto para me alar borboleta,
Alternando flores rubras de néctar
E não menos rubras flores de sangue,
Em parto de mundo novo e urgente.

Este o meu ofício e a minha sina,
Apontar atalhos e caminhos,
Fazer-me alternativa escriturando
Porque este o destino dos poetas,
Escrever chorando, o que é esquisito:
Poetas choram por escrito.


Francisco Costa

Rio, 10/07/2015.

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