sexta-feira, 20 de junho de 2014

Delinquente juvenil,
Ela se finge fêmea,
Ostentando atributos
Impróprios a crianças,
Afeitos aos adultos.

Olhar de estrela distraída,
Perdida nos confins dos sonhos,
Impossibilita desejos e vontades
Por causa da precoce idade.

No entanto é toda sexo,
Ósculos e amplexos
Anunciados na intenção
Que tenta e seduz,
Espanta escuro, faz-se luz.

Volta aos brinquedos, menina,
Porque o que te encanta e anima,
Para nós, adultos, ficou pra trás,
Virou saudade, não volta mais.

Francisco Costa
Rio, 26/05/2014.

Sempre que a noite se veste de estrelas
e se sonoriza em beijos e cochichos,
duendes e fadas entram em prontidão,
prontos para semear sonhos e atitudes
que acordarão sorrisos no dia seguinte.

O que não pode ser conhecido é assim,
baila escondido, mastigando as trevas
para criar o hábito da luz.

A noite, borboletas invisíveis e elfos,
aos magotes, brincam do espaço
e pousam sobre testas adormecidas,
que se acreditam sonhando.

Entre a realidade e o imaginado
mora a matéria da poesia.

Ao poeta cabe dar-nos a conhecê-la,
fecundando-a de noite,
para que nasça de dia.

Francisco Costa
Rio, 20/06/2014.

terça-feira, 17 de junho de 2014

Vês aquele homem no pijama,
Sentado diante da eternidade?
Prestes à viuvez de si mesmo,
Ele assiste o ocaso da existência.

Relicário do que foi, desfolha-se,
Entre canções e momentos,
Tateando tudo o que não está,
Naufragou nas ondas do tempo.

O que pensou perene foi efêmero,
Transitório, e agora se desfaz
Em brumas e névoa no anoitecer,
Silenciosamente.

A respiração se exerce difícil,
Exigindo esforço de atleta
E concentração de artista.

O que foi simples e natural
É agora desafio, maltratando.

Encolhido e sozinho ele espera,
Temeroso do que o espera,
Se uma prolongada agonia
Ou o ponto final no que foi poesia.

Francisco Costa
Rio, 09/06/2014.

Te amo, mas não desse amor simples
Que se basta em beijos e orgasmos.

Te amo de amor maior e diferente,
Capaz de ocupar integral
E se manifestar em tudo o que eu faça.

Temperamental e imprevisível, louco,
É amor capaz de mover montanhas
E se deliciar com sorrisos de crianças.

As vezes tórrido, lascivo, quase imoral,
Ou de pura paciência e comedimento.

Tendo a ferocidade do combatente,
Anexo da arma, todo ele munição,
Tem também a santidade do monge,
Em sacra e doce, gratificada oração.

Esse o meu amor, ensaio de plenitude,
Exercício de entrega, todo ele adoração.

Francisco Costa
Rio, 30/05/2014.

COPA DO MUNDO

O que ontem era um país hoje é estádio,
Arena onde se encena o gol, picadeiro
E púlpito, altar, oráculo, gongá mágico
De fervorosos servos da bola, divindade
Que paira sobre todas as coisas criadas.

Diante dela relativizam-se  Cristo e Krishna,
Buda e Alá, Zambi, todos os santos e orixás,
Absortos na consecução do lance, dos gols
Que redimirão guerras, combates, culturas.

Gladiadores modernos em uniformes,
Mandarins contemporâneos,
Infantes e artilheiros, mosqueteiros,
Os heróis da hora propiciam vitórias
Ou não impedem pranteadas derrotas.

Em algum canto do universo,
Absorto, só observando,
Deus comenta: meus filhos estão brincando.

Francisco Costa
Rio, 06/06/2014.

É POSSÍVEL (BRAZILIAN CUP)

Súbito um país inteiro se uniformiza,
Calça chuteiras e parte para o front.

As diferenças se reduzem, se anulam,
E o menino magrinho, saco de ossos,
Se inaugura herói imprescindível,
Abandona o lixão e o abandono,
Em agitada expectativa de vitória,
E escala as arquibancadas dos sorrisos.

O burguês de gravata e artimanhas
Se despe das moedas e das ambições,
Interrompe a assinatura num cheque,
Ousa a concessão de ser igual,
Em agitada expectativa de vitória,
E escala as arquibancadas dos sorrisos.

Nas ruas, vielas e becos suburbanos
Interrompe-se a leitura de versículos,
Adia-se o michê da prostituta distraída,
Esvaziam-se vendas e supermercados
Em agitada expectativa de vitória,
E escalam as arquibancadas dos sorrisos.

Calam os discursos os das passeatas,
O tribuno, o senador, o magistrado,
Porque oposição e situação unidas
Em propósito único e consensual:
Cada um permanecer a todos igual,
Em agitada expectativa de vitória,
Escalando as arquibancadas dos sorrisos.

Poemas permanecem inacabados;
Canções, caladas no meio do acorde,
Restando só imagens congeladas:
A do saque do tenista,
Do voo do pássaro,
Das ondas imobilizadas nas marés,
Do sol circunavegando o espaço,
Do preciso passo da bailarina
Em agitada expectativa de vitória,
Escalando as arquibancadas dos sorrisos.

Entre o gol e o grito, um país se debruça
Sobre si mesmo e se descobre capaz
De permanecer em Copa pra sempre,
Fazendo-se um só e de toda a gente.

Francisco Costa
Rio, 26/05/2014.

Separa-nos um oceano
E o que seria ponte aparta,
Faz-se abissal abismo
Afogando sonhos.

Sereia distante,
De tritão ausente,
Comungamos lágrimas,
Para que mais se salgue
O oceano, mortalha
Do que seria e não foi.

Francisco Costa
Rio, 30/05/2014.
Sentadas nas calçadas do mundo
As crianças assistem
As partilhas dos orçamentos,
As destinações das verbas,
As alocações e empenhos,
As bocas que devorarão o dinheiro.

Muitos por cento para os tanques,
Os caças, os rifles, as metralhadoras.
Alguns por cento para lâmpadas,
Tubulações, reservatórios, silos...
Zero vírgula alguma coisa por cento
Para hospitais, clínicas, ambulatórios;
Vestígios por cento para escolas,
Creches, orfanatos, universidades.

Réplicas do sistema, meras cópias,
Os meninos se levantam das calçadas,
Municiam-se com rifles e metralhadoras
E priorizam a prioridade do sistema.

Francisco Costa
Rio, 29/04/2014.
Sempre que me chega um poema triste
Choramos juntos.
Poemas são como as pessoas,
Capazes de acionar sentimentos
E determinar comportamentos.

Como não chorar diante de um réquiem,
Palavras sussurradas para esquifes,
Na esperança de que naveguem no infinito
E cheguem a ouvidos que não existem mais,
Ou se excitar com descrições eróticas
Embutidas em desempenhos só insinuados,
Arregimentando hormônios e lembranças?

Que dizer dos versos irônicos, debochados,
Capazes de desmoralizar, por a nu o caráter
Do político corrupto, da autoridade ridícula,
Do dirigente recheado de incompetência,
Ou do argumento brega, a moda antiga,
Carregado de bombons, ramalhetes,
Coraçõezinhos com setas espetadas
E cupidos travestidos de anjinhos,
Invocando adolescência e dependência?

E dos poemas épicos, municiados com o ardor
Do combatente de caneta em riste, pronto
Para os duelos de palavras, frases, sentenças
Que se redigem condenatórias, em cobrança
De avante, para a frente, continuemos?

Poemas são documentos, atestados de época,
Inventários de atos e fatos, testamentos,
Arrestos de perdas e danos, monumentos
Nascidos para atravessar o tempo
E testemunhar pensares e sentimentos.

Cada livro de poemas é um museu
Onde se exibe o que não morreu,
Pulsa em versos, eternizando momentos.

Francisco Costa
Rio, 09/06/2014.

Quando me descobri poeta?
Pelas mãos de meu avô,
Diante do chafariz público.

Naquela época eu ignorava
A natureza da luz, dos fótons
Bombardeando minhas retinas,
Coisa de comprimentos de ondas,
De amplitudes e refrações,
Dispersões e reflexões
Saídas do dicionário de Deus.

Sob a água havia faróis, lâmpadas
De muitas e variadas cores,
Apontados para os esguichos ,
Fazendo-me crer a luz
Coisa concreta, material,
Encarnada na água.

Mais tarde aprendi a escrever,
E que a escrita é limitação.
Só escrevemos a aparência,
A essência está no coração.

Hoje a luz não me é segredo,
Mas o meu coração...
Esse aprendeu ainda menino
Que não se bastaria nos olhos,
Que viveria em degredo,
Farejando todas as razões
Das emoções,dos sorrisos,
Das lágrimas, do medo.

Francisco Costa
Rio, 03/06/2014.
Persuadiram-me a me encantar fácil
E fiz disso o meu ofício.

Encantam-me as moças baldias
Passarelando nas calçadas e ruas,
Os meninos de peitos nus,
Indecisos entre o passe e o gol,
Os ambulantes apregoando vendas,
Os lírios nas floreiras e janelas.

Encantam-me as fisgas de peixes,
Lucilações de prata em contorções,
As aves migratórias em delírio
De nunca chegar, persistindo,
Divididas entre o sol e o temporal,
Os ícones, as imagens, as fotos
Dos antepassados ausentes.

Encantam-me a alegria adolescente,
As flores sem pudor, permitindo-se
A cópulas com abelhas e borboletas,
A fragilidade da criança risonha,
Sem saber dos percalços e tragédias
Escondidas no futuro, só esperando.

Encantam-me a sonoridade súbita
Das palavras prontas aos versos,
Os acordes dos violinos, o planger
Dos violões e sinos nas catedrais,
O vento morno da madrugada,
A espera ansiosa do enamorado.

Encanta-me viver encantado.

Francisco Costa
Rio, 05/06/2014.

Perspicaz e dissimulada,
Ela guarda prazeres inauditos,
Propósitos inconfessáveis,
Vontades de pura loucura.

Há nela qualquer coisa mórbida,
Viciada, diferente e que seduz,
Põe no claustro da curiosidade,
Exigindo posse total e imediata.

Não anda, desliza, compenetrada
Em seu mundo de disfarces,
Escondendo gemidos e esgares,
Suor e sorrisos, toda língua
Em avidez de último gesto.

Chega séria, falando o trivial,
Mostrando-se mansa, distraída
Em meu atelier, perguntando,
Prólogo do que se seguirá, depois.

Logo desfaz-se das roupas, e nua
Caminha na sala, natural e doce,
Para semear poemas no quarto.

Pela manhã faz café e vai embora,
Deixando-me em trabalho de parto,
Pronto para parir os versos eróticos
Que ela, entre mordidas e sorrisos,
Docemente plantou.

Francisco Costa
Rio, 29/05/2014.
- Papai, o que é poesia?

- O que é aquilo?

- Uma gaivota, papai.

- E o que é uma gaivota?
Um dia lhe perguntarão.
Você poderá responder
Uma ave marinha, palmípede,
Migratória, de voo longo
Porque bem adaptada,
Com ossos ocos, leves,
Chamados de pneumáticos.

Poderá responder também
Que voa porque desloca ar
Em quantidade tamanha
Que o peso do ar deslocado
É maior do que o peso dela,
O que a sustenta no ar,
Por uma força chamada empuxo.

Respondendo assim é ciência.
Mas você poderá simplesmente
Dizer é um anjo que come peixes.

Fazer poesia é isso, só isso,
Não mais que isso:
Obrigar a pensar com o coração.

Francisco Costa
Rio, 03/06/2014.

Ouviram do Ipiranga
Às margens plácidas
De um povo heroico
O brado retumbante:
- Gooooooooolllllll!

Osório Duque estrada/
Francisco Costa.
Rio, 26/05/2014.
Os meus melhores momentos
Os ostentei de peito nu,
Em exposição ao vento.

Precoce atleta frustrado,
Seminu fiz gols, saltei cercas,
Apossando-me da infância,
 Na coleta dos frutos mais doces.

Cresci avesso a camisas e blusões,
Ostentando-me natural e simples,
Arquitetura de muitos ossos
E carne pouca, quase nenhuma.

Avesso a disfarces e dissimulações,
Sempre que me vesti inteiro
Me permiti só um pedaço,
Criteriosamente escolhido.

Mesmo quando me recolhi
Em contrita oração
O fiz de peito nu.

Camisas são máscaras do coração.

Não repare então
Se eu recebê-lo assim.
Só com a porteira aberta
Pode-se observar o jardim.

Francisco Costa.
Rio, 31/05/2014.

Orgia de instintos,
Ela não se basta em si,
Em permanentemente
Busca de complemento.

Mal dissimula necessidades,
Os imperativos da carne
Impondo procura constante.

Quem a vê assim, distraída,
Não sabe o que esconde,
Avalanches de carícias
E tormentas de prazeres
Submetendo a quem encontra.

Fêmea em estado máximo,
É sagração à volúpia e ao êxtase,
Uma oferenda ao deus amor.

Francisco Costa
Rio, 02/06/2014.
O país se assumiu,
Se vestiu de amarelo.

O amarelo vivaz e claro
Da luz do sol,
Do canário no galho,
Do peito do bem te vi,
Das borboletas baldias
Em peregrinações,
No rumo da vitória.

O amarelo triste e pobre
Do amarelão,
Da verminose,
Da anemia
No rumo da vitória.

O amarelo rico e longe,
O da moeda
E do ouro
Em permanente vitória.

Um mesmo amarelo
Fazendo quase iguais
Os que em comum
Só têm o amarelo.

Francisco Costa
Rio, 31/05/2014.

Nunca por demais pranteada,
A bailarina jaz imobilizada
Entre a coxia e a orquestra.

Sem sapatilhas e sem sentido,
Em pas de deux com a morte,
Interpreta o fim do espetáculo.

Francisco Costa.
Rio, 07/06/2014.

NOTURNO

Há névoa no vale,
A lua não veio.

Só o som da chuva,
O vento nas folhas
E o silêncio da noite.

Nada apraz ou consola,
Anima ou conforta,
Fora um anfíbio baldio,
Rã ou sapo, não sei,
Coaxando uma sinfonia.

Sem ter o que fazer,
Permaneço quieto,
Prisioneiro da poesia.

Francisco Costa
Rio, 10/06/2014.

Não sei das moças nos mercados
Nem dos meninos nos shoppings,
Dos velhos nas praças e nas casas.

Sei de mim, projeto inacabado
Roendo o tecido da curiosidade.

Vasculho-me sempre, propenso
Ao entendimento dos segredos
Que nos apensam vítimas,
Presas do infortúnio comum
Mastigando corpos e consciências.

Não sei das moças nos mercados
Nem dos meninos nos shoppings,
Dos velhos nas praças e nas casas.

Por isso esse interesse distraído
Nos meus versos, a todos comum.

Embora de diferentes embalagens,
Somos todos iguais, somos um.

Francisco Costa
Rio, 31/05/2014.

Minha pátria, pasto de contrastes,
Ensaia um carnaval fora de época,
Mesclando tiros e fogos de artifício.

Em revoada tardia, fora de época,
Misturam-se pombas e urubus,
Tucanos e maritacas, canarinhos
De pompa e brilho, rumo à vitória.

Quem nos vê assim, amorosos,
Afáveis, enamorados da felicidade,
Mal supõe que transitamos tristes
Entre cadáveres e promessas,
 Chorando na catarse de cada gol.

Terminado o campeonato,
Calados os clarins e o foguetório
Voltaremos à diária contabilidade
Das perdas e danos.

Francisco Costa
Rio, 30/05/2014.

Minha pátria navega em sonhos
E se faz rascunho do que virá.

Minha pátria se desenha geométrica
Em curvas que oscilam concretas
Nos monumentos de Niemayer,
E saltam em forma de meninos pobres
Saídos da infância pobre de Brodosky
Para as telas de Cândido Portinari.

Minha pátria se canta em versos secos,
Com rimas pobres de poeira e sede,
Nas penas secas de Patativa do Assaré,
Na viola de cego Aderaldo, no cantador
Da feira e do cordel, dos rimadores
Que fixam as nossas dores no papel.

Minha pátria tem trilha sonora que ecoa
Das cascatas da Serra do Mar e escorre
Para pantanais, pampas, Amazônia...
E vem sorrir nas partituras de encanto
De Villa Lobos, Pixinguinha e Tom Jobim.

Minha pátria tem macumba, maracatu,
Jongo, capoeira, samba e maculelê.
Tem berimbau, pandeiro e atabaque,
Livros sacros e fanáticos, catequistas
E adoradores de púlpitos e altares.

Minha pátria se masturba nas praias,
Em coito com água, areia e sol,
Percorrendo relevos no horizonte,
Escondendo o pudor nas nuvens.

Minha pátria veste tanga, veste terno
Ou não veste nada, em ostentação nua
Do que orienta e inspira, transpira
Sensualidade caminhando na rua.

Minha pátria soletra futuro e espera,
Sabendo exatamente o que quer,
Uma safra de sorrisos e saciedade
Que se semeia hoje nos corações
Ornamentados de verde e amarelo.

Esta é a minha pátria, convergência
De coisas comuns, coletivas, de todos,
Em silêncios domésticos, interiores,
Ou na algazarra das ruas e estádios.

Mas há uma outra pátria, estranha,
Que não é a minha porque de poucos.

Ela se ostenta nos jornais e na tevê,
Se esconde nos palácios e mansões,
Alheia, só recrutando a minha pátria
Quando necessária e subalterna,
Mero objeto de usufruto e fortuna.

Lá na outra pátria falam estrangeiro
E deglutem a frustração equivocada
De serem chamados de brasileiros.

Meu coração habita na minha pátria,
Já os meus punhos e a minha voz,
Exilados no exercício da revolta
Exigem a reunificação urgente
Dos que em mim choram
E dos que em mim esperam
Porque todos uma só gente.

Francisco Costa
Rio, 26/05/2014.

Meus ídolos envelheceram comigo.
Como eu, agora ouvem mais do que falam,
Ruminando os momentos que ficaram.

As musas das minhas masturbações estão avós
E os guerrilheiros que elegi depuseram as armas,
Vestiram pijamas e deitaram em sofás.

Eu os idolatrei tanto que aconteceu o previsível:
Tornamo-nos todos iguais, simples velhinhos
Esperando as cortinas se fecharem em definitivo.

Francisco Costa.
Rio, 29/05/2014.
Invernaram o meu outono,
Cobrindo-o com chuvas,
Névoa, sereno, cobertores.

Agora te recordo nua,
Encostada na porta,
Derramando sorrisos.

Sempre afoita, impaciente,
O quarto te anestesiava,
Reduzindo a usina de carícias,
Lentas e gradativas, suaves,
Para explodir em contorções
E gemidos, palavras soltas,
Rendição de fêmea cansada.

Mas súbito o sol se escondeu,
Eclipsado em nuvens e chuvas,
Névoa, sereno, cobertores...
Em anúncio de nova estação,
A de cultivar saudades e dores.

Francisco Costa.
Rio, 28/05/2014.

Insuportável é esse vazio cósmico,
Feito de silêncios e apreensão,
Como se nada antes tivesse existido
E o depois fosse uma impossibilidade.

Falaram-me de muitos deuses
E potestades menores, ocupados,
Em vigília sobre mim, observando
Cada intenção e gesto, cada ato e fato,
No exercício de me servir.

Alheio a todos e a cada um, prossegui,
Desatento e distraído, em veredas várias,
As que me foram permitidas e as proibidas.

Vivi sem intervalos, sem pausas e paradas,
Porque mesmo quando dormia, recolhia
Matéria para a construção de novos dias,
Sem nunca ter entendido devidamente
O limite exato da realidade e da poesia.

Entre o concreto que me alimentou o tato
E o abstrato, meu pão de cada dia,
Não fiz diferença entre o luto e a orgia,
Misturando tudo no caldeirão da utopia.

Por isso essa existência breve, efêmera,
Só insinuada, sem tempo de aprendizado,
Como se a de um pássaro em voo ligeiro
Sem que ninguém tivesse observado.

Ficarão versos, desenhos diversos,
Filhos e as muitas flores que plantei,
Algumas em floreiras e no jardim,
Mas a maioria delas dentro de mim.

Por isso esse meu jeito franco e aberto.
Mesmo na pior tempestade
Há esperança quando há flor por perto.

Francisco Costa
Rio, 26/05/2014.

GLOBO E VOCÊ, NADA A VER

Dona Globo,
Nâo canso de ouvi-la
“Agora somos todos um só”.

Puta não regenerada,
Disposta a qualquer coisa
Por um bom michê,
O seu discurso mudou
Mas não me engambela.

Estamos juntos na arquibancada,
É verdade, mas com diferenças:
Eu me vejo de amarelo e chuteiras,
Correndo no campo das emoções,
A senhora usa o amarelo e tudo,
Campo, chuteiras, bola, emoções,
Para engordar o próprio caixa
Porque, para a senhora,
Tudo é objeto a ser usado
Na consecução do lucro.

Não, agora não somos um só.
Logo que termine o jogo
Voltarei a ser povo.
Enquanto a senhora
Voltará a ser uma puta de novo.

Francisco Costa
Rio, 25/05/2014.
Eu não queria ter nascido sem pele,
Em carne viva, todo nervos expostos.

Sem uma parede que me apartasse
E separasse do mundo, escorri-me,
Sem nunca saber exatamente onde,
Temperamental e urgente, passional,
Terminando onde começava o mundo.

As coisas simples, nunca ocasionais,
Considerei sempre absurdas, surreais,
Sem muito sentido ou justificativa,
Como se cada ser humano,
Anjo decaído,
Se reduzisse a um autômato orgânico,
Repetindo-se, sem razão e sem saída.

O sentido da vida, esse acidente
De curta duração, é justamente
Não fazer nenhum sentido.

Súbito e inesperadamente surgimos
E não menos súbito e inesperadamente,
Sumimos, em retorno ao anonimato
Do que nunca existiu.

A importância de cada um
É só uma impressão pessoal,
Um querer-se essência de tudo
Quando mais não somos
Que um miúdo e relativo animal.

Mesmo o pranto dos que ficam
É curto e superficial.

Francisco Costa
Rio, 07/06/2014.

SOZINHO

“O inferno são os outros”
(Jean Paul Sartre)

Estranham os que vivem só,
Como se sozinho e solidão
Abraçassem-se, sinônimos.

Podemos conhecer momentos
De solidão, de vazio existencial,
Em passeatas e festas, procissões,
Em plena coletividade reunida.
E não estaremos sós.

O estar só tem a conveniência
Da individualidade mantida
Sem máculas e sem limites.

Quem, acompanhado, ousaria,
Com voz de marreco rouco
Entoar a ária de Carmen, de Bizet,
Inteira, impunemente,
Sem a crítica ou o sorriso alheio?

Quem, chegado do temporal
Pisotearia o tapete da sala,
Sem admoestações e reclamos?

Quem conseguiria, com testemunho,
Conversar com o próprio ego,
Em réplicas, tréplicas, apartes...
Sem que apontado louco, tantã,
Pelo menos em potencial?

Nada como dançar reagle na sala,
Ousar uns passinhos de samba,
Um bolerão de Gatica,
Com a coordenação motora
De um boneco de madeira
Nas mãos de Gepeto, sem críticas,
Como um louco em pleno carnaval,
Ainda que se faça julho ou natal.

Como ordenar o trânsito dos pássaros
Ou reger-lhes as cantorias e trinados,
Se diante de olhares indiscretos,
Pouco parcimoniosos na indiscrição?

Como, digam-me, como ficar quieto,
Absolutamente alheio e concentrado,
Se cada humano é um produtor de ruídos,
Um colecionador de palavras proferidas?

Pior do que a escravidão dos relógios,
A submissão aos calendários,
A rotina de datas e horários,
É o lembrete permanente: está na hora,
É amanhã, daqui a pouco, logo mais,
É na semana que vem, espere um pouco...
Fazendo do pobre um apêndice do tempo.

O sozinho é um rebelde por natureza,
Ao contrário do solitário, acomodado,
Conservador, perpetuando o incômodo,
Em prazeroso masoquismo de doente.

Só no estar só se exerce a plenitude,
A manifestação integral do eu,
Sem rótulos, exigências, expectativas.

Acompanhados somos o que esperam de nós,
Devidamente lapidados das idiossincrasias,
Embalados para consumo, aparados, adaptados,
Prontos para deixar escondido o melhor de nós.

Acompanhados podemos escrever poemas,
Contos, romances, textos de dramaturgia...
Mas jamais sermos hóspedes da poesia.

Como então dizer solitário o sozinho,
O que abriu mão de uma amante no leito
Para tê-la, íntima e constante, no peito?

A diferença entre o sozinho e o solitário
É a do berço e do sudário.
Há os que o cultuam sorrindo
E os que o recusam, também sorrindo.

Uns sorriem só pelo sorriso.
Outros, porque sorrir é preciso.

Francisco Costa
Rio, 29/05/2014.

Então achas que estou soturno,
Sorumbático, sem prazeres
Capazes de me reatar ao mundo.

Pois te digo que não, nem um pouco.
Há ainda em mim colorido e viço,
Vontade de permanecer e avançar,
Ainda que pagando frete exorbitante,
O de debulhar dores e despetalar ócio.

Feito para a mobilidade permanente
E permanente entrega ao que fazer,
Estranho-me apatia em exercício,
Com pouca capacidade de influir,
Como um nadador de piscinas vazias.

Restam os livros e discos, é verdade,
As ideias alheias e os sentires de outros,
E se isto não me basta, conforta.

Antes, nos livros eu me municiava,
Esperando combates diários,
Batalhas constantes,
Guerras permanentes.

Agora, nesse armistício compulsório,
Só leio a paz que nunca veio.
Por isso esse meu ar tristonho.

Talvez eu venha a descobrir
Que despertei de um sonho,
Sem a menor possibilidade
De voltar a dormir.

Francisco Costa
Rio, 02/06/2014.

sábado, 14 de junho de 2014

Em acesso de ciúmes, crise, caos,
Ele abriu a gaveta e o passado,
E semeou o remorso e a solidão.

Era tanto amor que mais uma vez
Deu mais a ela do que a si mesmo:
Dois estampidos com um intervalo.

Um terceiro estampido e o silêncio.

Francisco Costa.
Rio, 29/05/2014.
Efêmeras como libélulas tardias,
Perdidas no verão e no sol,
As moças passeiam nas calçadas,
Imunes aos meus olhos de cobiça
Penetrando na tarde morna.

Que pode um homem só, quieto
Diante da eternidade da tarde,
Hiato entre o meio dia e a noite,
Momento das assombrações
Alçadas da memória atenta?

Mas ainda é tarde e as moças passeiam,
Desfilam os cadenciados passos na tarde,
Anteparo de fixar imagens fugidias,
Breves como essas tardes que passam.

Francisco Costa
Rio, 09/06/2014.
Delinquente juvenil,
Ela se finge fêmea,
Ostentando atributos
Impróprios a crianças,
Afeitos aos adultos.

Olhar de estrela distraída,
Perdida nos confins dos sonhos,
Impossibilita desejos e vontades
Por causa da precoce idade.

No entanto é toda sexo,
Ósculos e amplexos
Anunciados na intenção
Que tenta e seduz,
Espanta escuro, faz-se luz.

Volta aos brinquedos, menina,
Porque o que te encanta e anima,
Para nós, adultos, ficou pra trás,
Virou saudade, não volta mais.

Francisco Costa
Rio, 26/05/2014.

Deito-me, barriga para cima,
Em ansiedade de menino
Diante do primeiro corpo nu.

As imagens vão se sucedendo,
Aleatórias, sem ligações,
Em cortes atemporais,
Alternando sonho e pesadelo,
Em mosaico disparatado,
De cacos ao acaso.

Já não sou eu o que me observa,
Mas um estranho, um forasteiro
Em trânsito na minha memória,
Farejando a minha existência.

Alterno-me em orgulho e vergonha,
Sem ter como omitir momentos,
Esconder atos, mostrar fatos,
Passivo e impotente,
Ora anjo, ora delinquente,
Desfiando o rosário das realizações.

Despido de mim mesmo, distante,
Apartado do que me é familiar,
Estou a sós com a minha consciência,
Diante da qual nada é confidência.

Não tenho justificativas ou desculpas,
Argumentos, senão a mea culpa,
Em antecipação de sentença
Condenatória: junto com as flores
Plantei espinhos e erva daninha.

A vida que pensei grande e rica
Foi medíocre, miudinha.

Francisco Costa
Rio, 05/06/2014.
Coube-me a dádiva da dúvida,
Por isso a minha impaciência.

Invejo os que sabem tudo
E sobre tudo opinam, cientes
De que a verdade está revelada
E se mostra límpida e clara.

Impaciente e curioso, movo-me
Entre incógnitas e mistérios,
Sempre nos limites do que sei,
Nada diante do que se mostra.

Nasci para procurar e entender,
Mas tão breve e limitado fui
Que só entendi nada entender.

Minha última pergunta
Será repetição da primeira:
Por quê?

E sem saber porque, morrerei.

Francisco Costa
Rio, 10/04/2014.
Contrariando a natureza,
Coisa de fototropismo,
Os galhos da buganvílea
Insistem em rumo oposto,
No caminho da varanda.

Mesmo com o sol a disposição
Procura a sombra e a friagem
Que se escondem na varanda.

Em mim persiste a dúvida:
É uma buganvílea covarde
Ou quieta, sem alarde
Procura a minha companhia?

Fosse eu uma simples planta
E também estaria adulterado,
Crescendo em caminho oposto,
Das sombras para o vulto amado.

Francisco Costa
Rio, 03/06/2014.
Como justificar as guerras
Num mundo de tantas igrejas
E tão poucos quartéis?

Como entender tiros entre orações
E lágrimas de dor e ódio misturadas?

Como ousar pronunciar palavras
Se todas ditas em oposição ao próximo,
Incômodo, oponente, adversário, inimigo
A ser combatido sem tréguas ou descanso,
Até que se consuma a suprema verdade:
O homem é um animal inocente,
O que busca vida em cemitérios e olvida
A limitada eternidade que traz em si.

O homem é o mais insensato dos animais,
O que vive para disseminar a morte,
Para cultuar a morte até nos rituais,
Onde abre mão do hoje e do agora,
Para investir no improvável amanhã
De só supostos paraísos e infernos,
Sem provas ou pelo menos evidências.

O homem é um animal estranho.

Francisco Costa
Rio, 09/06/2014.

Como comunidade,
Se nada comum
Ou de mesma idade?

Como sociedade,
Se não somos sócios
Ou de mesma idade?

Como propriedade,
Se não somos próprios,
Pertencemos a outros,
Sem bens e autoridade?

Como idade,
Se somos atemporais,
Só vultos na cidade,
Em sutil vulgaridade?

Como, se não comemos,
Impróprios à saciedade?

Polaridade, isso sim,
Nas extremidades,
Apartados,
Em extrema imoralidade.

Francisco Costa
Rio, 26/05/2014.
Cansado de tantas reivindicações,
Ele fez greve de vida, suicidou-se.

No velório ninguém percebeu
Estar numa manifestação política.

Na hora do sepultamento, radical,
Liderou a sua última passeata.

Francisco Costa
Rio, 07/06/2014.

Caminho nos bastidores da vida,
No que não se pode mostrado
Porque avesso ao sensato.

Há meninos de armas nas mãos,
Meninas com sexos nas mãos,
Ensolaradas manhãs de maio,
Discursos parlamentares,
Bandeiras desfraldadas,
Tatuagens na lua,
Insetos na varanda.

Acondicionadas em gelo e espera,
Garrafas de cerveja espreitam
O anúncio do pênalti ou do gol.

No palco o espetáculo continua,
O circo efervesce gritaria e caos,
Mostrando que a vitória é certa.

Na praça o mendigo grita vitória,
O cão sarnento se assusta
E a turba reinaugura o carnaval.

Sem saber porque, o poeta chora.

Francisco Costa
Rio, 30/05/2014.

Bonito é o sol em fuga,
Por trás da serra,
Ao entardecer.

Bonito é o verde da água,
Em contraste com a espuma,
Em beijos que lapidam as pedras
E espalham gotículas na areia.

Bonito é o flash de um corisco
Rasgando as nuvens e o espaço
Para vir dormir no chão molhado.

Bonito é o acorde da canção
Escorrendo em dádiva aos ouvidos,
Embalando a gala do momento,
Sonorizando o que estaria parado.

Bonito é estar vivo para vivenciar
O que de outra forma não existiria.

Viver é transitar na poesia.

Francisco Costa
Rio, 03/06/2014.

As dores físicas,
As da minha anatomia danificada,
Suporto-as, estoico e resignado,
Sem queixas e sem autopiedade.

As que incomodam são outras,
Persistentes e não localizadas,
Indefinidas e permanentes,
Arrancando impaciência e raiva.

Imunes a sedativos e analgésicos,
Persistem, quase concretas,
Desafiando diagnósticos e terapias,
Onipresentes e constantes, radicais,
Obrigando-me a sutil disfarce:
Fingir-me o homem que não sou mais.

Francisco Costa
Rio, 30/05/2014.

Amanhã, logo de manhã,
Indiscretos inconfidentes,
Cochicharemos segredos,
De envergonhar madrugadas.

Mãos dadas no caminho do vento,
Traçaremos o itinerário do sol.

Os que nos verem assim, vestidos,
Não nos imaginarão nus e soltos,
Vestidos só de nós mesmos.

Francisco Costa
Rio, 26/05/2014.
Agora percorro recônditos territórios,
Os da infância,
Onde me deixei e me procuro,
Irrequieto e saudoso.

Mudaram a paisagem e as pessoas,
O trânsito, as margaridas dos jardins.

Os meus amigos e namoradas
Estão avós, cercados de netos,
Balbuciando conselhos e reprimendas,
Repetindo-se automaticamente,
Em retrospecto do ouvido no passado.

Derrubaram todas as árvores,
Edificaram uma floresta de casas,
E o ritmo modorrento das tardes,
Ponto de encontro de todos,
Se acelerou, trafega com pressa,
Sem tempo para conversas fiadas,
Em celebração ao nada que irmana.

Agora há uma família em cada casa,
Migraram todos das calçadas,
Não é mais um bairro de uma família só.

Acorrentados aos televisores,
Trancafiados em teclados,
Depois de terem fugido de todos
Agora fogem de si mesmos.

Meu bairro envelheceu mais do que eu.

Francisco Costa
Rio, 10/06/2014.
Adubando a terra
Ele transforma
Merda em margaridas.

Com as uvas podres
Nos encanta com vinho.

E mesmo o leite azedo
Nos regala em queijo.

O que é mordida
Pode tornar-se beijo.

Esta a suprema lição:
O que habita o intestino
Pode habitar o coração.

As dores e sofrimentos,
O que supomos pior,
São só fermentos
De coisa melhor.

A distância
Entre o mau e o bom
Está na diferença
Do amargo do cacau
E o doce do bombom.

Francisco Costa
Rio, 31/05/2014