sexta-feira, 22 de abril de 2016

PRÓXIMO LIVRO

Pagino-me compenetrado,
Cuidando cada parágrafo
Como se coisa definitiva,
Atencioso e solícito
A cada palavra,
Percalço ou impulso
Digitado.

É o livro em que me inscrevo
De tamanho justo e sincero,
Aparado das sobras e pontas,
Do que amealhei inútil, à toa.

Nele não escrevi a vaidade,
A veleidade de me sentir mais,
Descartei complexos e medos,
Expus-me tal qual sou, único,
Na frustração de não ser todos.

Há capítulos toscos e risíveis,
Onde, patético estupefato,
Fiz-me impotente para influir,
Capítulos de lágrimas soltas,
Ensopando papel e olhos,
Comigo flagrado só limites,
Onde não consegui ser maior.

Há amores, muitos amores,
Um corolário de musas que,
Chegando coadjuvantes
Tomaram tudo e permaneceram,
Fixadas em saudades e versos.

Meus pequenos delitos
Temperei mais amenos
E os remorsos estão explícitos,
Fardos que pesam e gritam,
Cobrando-me arrependimento.

Há política, claro, árida arena
Onde empreendi combates,
Empunhando argumentos
Contra armas de verdade,
Duas hospedagens compulsórias,
Entre grades e soldados,
E estragos impostos aos biltres
Que se supunham poderosos.

Como num cepo de açougue,
Retalhado e nu, sangrando
O preço de ter vivido
Ofereço-me, página a página,
Deixando a tragédia que pesa
Para anteceder o ponto final.

Letra a letra, em curta biografia,
Narro perdas e danos,
O que ganhei e o que perdi,
Pondo a alma desnuda,
Para concluir como Neruda:
“confesso que vivi”.

Francisco Costa

Rio, 22/04/2016.

PARA UM MENDIGO TABAGISTA

(Saído das sombras, ele se dirigiu a mim:
- Tio, me dá um cigarro?)

Perdão.
Perdão por todas as ausências que te causei,
As refeições que subtraí, os sorrisos teus
Que arranquei, as esperanças que fiz mortas.

Perdão por ter te arrancado do útero
Quando tão bem dormias o sono do anônimo,
Desconhecedor do que te faltaria, subtraído.

Perdão pelo céu sombrio e as nuvens pesadas,
As mãos sempre estendidas e o olhar triste,
Ornado de humilhação e medo, de assombro
Diante do que perto viceja, mas inalcançável.

Perdão pelos teus dias que se repetem, frios,
Burocraticamente sem novidades, os mesmos,
Como se marcados na ausência de calendários.

Perdão pela dureza das calçadas e bancos,
Improvisadas e ocasionais camas estendidas
Sobre olhares de recriminação e preconceito.

Perdão pelo que te aflige e descaracteriza,
Reduzindo a este espetro errante e sujo
Perambulando caminhos descoloridos,
Em manhãs sem sol e sem viço,
Aguardando a noite e a milenar solidão,
Feita com a indiferença dos passantes,
Como se não existisses humano,
Mas parte da paisagem que te oprime
E envergonha, envergonhando-me
Diante de ti sem quase nada,
Sorrindo agradecido por um simples cigarro.

Perdão, meu irmão, perdão.

Francisco Costa
Rio, 22/04/2016.





OS DONOS DAS NOITES

Prenhe de amores,
Levanto-me, incontinente,
Rumo ao sol que me alimenta,
Pronto à luta que me impõem.

Há uma estranha brisa, e mormaço,
Prenúncio de tempestade prestes
E que me exigirá na chuva, molhado
De mais afinco e determinação.

Não será com o bombardeio de palavras,
A metralha das acusações,
Os tiros da calúnia em ódio estampados
Que me farão recuar e calar.

O sol de amanhã exige que eu afaste as nuvens
E pinte o céu de azul, retome as cores
E as espalhe de novo no meu país.

Os brutos não passarão, não retornaremos
Porque há escarpas e farpas, cacos de vidro
Atrapalhando o caminho. Insistiremos.

Enquanto o sol não retornar de novo
Iluminaremos tudo com a chama quente e clara
Da nossa determinação, insistiremos.

Ainda que nos queiram na noite,
Seguraremos os ponteiros dos relógios,
Impedindo as dezoito horas que querem,
A partir do que teríamos olhos inúteis
E vontades inválidas.

Os donos da noite não vencerão!

Pequeno vaga-lume cada um de nós, juntos
Garantiremos o necessário clarão,
Até que o sol venha de novo nos iluminar.

Os donos da noite não vencerão!

Francisco Costa
Rio, 10/04/2016.


NÃO PASSARÃO

Eles voltaram
E querem se fixar em tudo
E em tudo fazer morada.

Vorazes, estendem as patas sujas,
As ávidas presas prontas ao bote,
Dispostos à permanência eterna.

São os saídos dos latifúndios,
Das igrejas, das catacumbas
Onde jaziam em ódio e pressa,
Arquitetando golpes e assaltos,
Antevendo o botim dos fartos,
O saque, a indébita apropriação.

Travestidos piedosos monges,
Destilam peçonha nas entranhas,
Falaciosos e fingidos, disfarçados.

São os coronéis de engenho,
Os capitães de indústria,
Os capatazes de carências
E encarregados do caos
Deitando acampamento hoje
No que supúnhamos antigo,
Já morto e longe enterrado.

Não mais ostentam baionetas,
Aposentaram tanques e canhões,
Trocados por togas e discursos
No festim dos fartos.

Cínicos, contabilizam o subtraído
E auditam o a subtrair,
Empedernidos ladrões,
Salteadores contumazes,
Robins Hoods ao avesso
Em saque às contas públicas,
Ao erário de todos, querendo-se
Os donos das chaves dos cofres
E proprietários de vidas alheias.

Malditos sejam aqueles,
Todos aqueles que, sórdidos,
Chafurdarão na derrota,
Mais uma vez sonhando moedas
Onde só haverá revolta
Por mais uma derrota.

Não passarão!
Não se pode podre
O que ainda não floresceu.

Se o mal conspira
O bem nos inspira.

Francisco Costa
Rio, 09/04/2016.



Como dizer não,
Se tudo em mim conspira,
Ela em mim transpira,
Em sempre mesma ocasião?

Como furtar-me ao óbvio,
Fingir-me imune e alheio,
Se ela lastreia meus versos
E me aponta caminhos?

Como dizer não a uma foto,
A uma palavra digitada,
À imaginação correndo solta
Ao encalço dela distraída?

Como não me admitir rendido
Numa batalha que se inicia,
Previamente derrotado,
Capturado,
Sem mais saber dizer não?

Francisco Costa

Rio, 12/04/2016.
Busco em mim o poema perfeito,
Que lacrimeje e sorria, floral,
Definitivo e sem complemento,
Em augúrio de bem aventurança.

Um poema leve, breve,
Mas fundamental,
Mesclado de luxúria e castidade,
Em sacra realização de sonhos.

Que tenha infinitas pretensões
E mórbidos desejos de realizações,
Como um personagem infantil,
Real porque apenas irreal e vivo.

Um poema de chegada e partida,
Como porta, portal, estrada, cais,
Onde todos façam morada e lar,
Ponto de encontro, de chegar.

Um poema mar, de alga e maresia,
Eivado de luz, cores, alegria,
Como bálsamo em ferimentos
Não desejados, que não se queria.

Que sendo redigido, seja oculto,
Só sentido, como fome ou saudade,
Certezas que se realizam na espera
Porque na espera se bastam.

Que em si tenha sensuais curvas,
Inesperados acidentes, gostosos
Vales e reentrâncias, úmido
De suor e sereno, como montanhas
Ou desejados corpos de mulheres.

E em si tudo eclipse, sombreie,
Esconda num manto de magia
Ornada em possibilidades futuras,
Amadurecendo lentas e sempre.

Um poema assim, total e definitivo,
Depositário de inocência e esperança
Terá nome por que em si trará tudo:
Criança.

Francisco Costa

Rio, 22/04/2016.

TUA CANÇÃO

Trilho-me aos pedaços,
Disperso e distante
No acorde da canção.

Ela tem o teu cheiro,
Tuas formas ritmadas,
O hálito vegetal,
Hortelã com hormônios,
Logo ao amanhecer.

Milimetricamente exata,
Inundando-me os ouvidos,
Cada poro, agora baldio,
Carente, é só uma canção,
Melíflua e doce, sonora
Como o teu último beijo,
Invisível e úmida imagem
Tatuada em meus lábios.

Mas sorvo-a sôfrego,
Urgente e definitivo,
Como se num abraço
De jamais desabraçar.

Francisco Costa
Rio, 11/10/2015.




Sonhador,
Irremediavelmente sonhador,
Compulsivamente sonhador,
Mais não faço que sonhar.

Recuso-me a acordar,
A retomar a lucidez infantil
Dos que não esperam.

Sonho, sonho sim, sempre,
Empedernido sonhador
Viajando realidades outras,
Oníricas e futuras, possíveis
Porque muitos os sonhadores.

Sonho casas de portas abertas,
Os salteadores tornado lendas,
Meninos correndo atrás de pipas,
Bolas, sonhos, e não da polícia.

Sonho refeições pra todos,
Sorrisos coletivos, abraços
De sempre chegadas e vindas,
Que se de partidas e idas,
Com data marcada de retorno.

Só sei sonhar e nos sonhos
Edifico o refúgio diferenciado
Onde me habito e me identifico,
Contumaz sonhador sonhando
O mundo que, não demora,
Chegará.

Francisco Costa

Rio, 04/11/2015.
Que pode um homem apaixonado
Senão morder-se de desejos
E em vontades navegar?

Como atinar com a urgência
Das solicitações e exigências,
Se já todo preenchido,
Mais não sendo que a cobiça
Que o habita e prostra?

Amar. Ah! Amar, atividade
Que nos devolve inteiros
Às próprias origens,
Nos fazendo íntegros
Quando éramos só pedaços,
Essa salutar doença
Pondo a solidão em fase terminal.

Entre o amar e o não amar
O homem é só uma ponte
Entre manhãs cálidas de sol
E um nebuloso e triste temporal.

Francisco Costa

Rio, 25/10/2015.

OUVINDO BEATLES

(Let It Be)

Ouço Let it be
E deixo-me estar
Porque já não sou eu,
Mas aquele menino,
Plágio de Lennon,
E McCartney,
Transitando incólume
E totalmente acessível,
Em a Long and Winding Road,
Despreocupado do que viria.

Sim, já não sou esse que trago
E me habita, triste e cansado,
Recheado de memórias,
Ostentando sorrisos tristes,
Apalpando as dobras do passado.

Súbito há em mim agora
O fulgor adolescente
Do que confiava e esperava,
Livre e liberado,
Sem o peso das convenções,
O conhecimento das leis,
A decifração dos teoremas,
Das incógnitas e postulados,
Reduzindo-me a este velhinho
Enternecido e gasto, sozinho
Na poltrona da sala, sorrindo
Nesta manhã de domingo,
Ouvindo Beatles.

Francisco Costa

Rio, 07/06/2015.
Orno-me de encanto
E encantado
Vergo-me sobre ti,
Enamorado.

Fugir, como ei de,
Se em mim viceja,
Escravo da carne,
Teu corpo presente?

Agora, como sinal,
Tatuagem, mutilação,
És já parte de mim,
Alojada no coração.

Francisco Costa
Rio, 25/10/2015.


Falo-vos do amor,
Esta estranha dádiva
Que sendo dádiva
É também subtração.

Falo-nos do que redime
E encanta, mas dilacera,
Fazendo-nos pedaços
Que não nos pertencem mais.

Falo-vos de realização,
De consciência dos limites,
Da necessidade de ser mais,
Parte do outro, apartado,
Como uma borboleta frustrada
Por não ser uma flor.

Chora a borboleta em frangalhos,
Porque lhe falta açúcar e odor,
Chora a flor por não ser livre,
Estar presa aos galhos.

Por isso sempre juntas, aos beijos,
A flor emprestando açúcar e odor,
A borboleta dando asas à flor.

Francisco Costa

Rio, 01/11/2015.

REFUGIADOS

Falo-vos dos refugiados,
Mas não dos que fogem da miséria
E sobrevivem na baldeação da morte,
Nem dos que se refugiam na morte.

Falo-vos dos que se refugiam em si,
Blindados na insensibilidade,
Consolando-se porque morrem longe,
Sem que lhes atrapalhem os feriados
Nem engarrafem o trânsito.

Falo-vos de refugiados outros,
Dos que dormem saciados,
Entre carícias e cobertores,
Apartados do que é humano.

Falo-vos dos autossuficientes,
Dos que começam no nada
E terminam nas próprias peles,
Refugiados do próximo e da vida,
Contabilizando os dias,
Esperando a morte chegar.

Francisco Costa

Rio, 03/09/2015.
Eu, conflito de sensações,
Caos posto no olhar,
Contradições expostas,
Palmilho, andarilho,
Os meandros de mim.

Ora lúcido, ora longe,
Busco-me inteiro
Nos pedaços que perdi
E incomodam distantes,
Reclamando decifrações.

Já não sou o que me habita,
Impaciente e concentrado,
A procura de um espelho
Onde possa se ver.

Sou o outro, displicente
E trivial, distraído,
Em provimento da vida,
Distante do que importa,
Estranho porque comum,
Como uma ostra inexata
À procura da sua concha,
Vendo em cada verso
Mais uma possibilidade
De encontro com o outro
Que, incompleto,
Também em si se procura.

Francisco Costa

Rio, 24/08/2015.
Ergo-me,
Percalço no que pretendia,
Pronto para o reinício.

Coletânea de talhos,
Coleção de feridas,
Arregimento-me coragem
E reinicio a jornada
Em todos os dias.

Estranho ao cansaço,
Imune ao desânimo,
Desfraldo a minha dor
E dela faço bandeira.

Na trincheira oposta,
Homens outros,
Talhados na fartura,
Na posse de tudo,
Sabem-me inimigo
E me espreitam.

Só sei viver assim,
Expondo-me,
Carne tenra,
Afeita a talhes e cortes,
Até que a luta cesse,
Por fim.

Francisco Costa
Rio, 16/09/2015.