quinta-feira, 13 de novembro de 2014

Quando eu já não estiver aqui,
Privando da convivência e dos dias,
As manhãs continuarão ensolaradas
E os banhistas irão às praias, mas eu,
Ausência compulsória e definitiva,
Permanecerei alheio ao trânsito,
Distante das cortes de Espanha
E Lisboa, do Império Britânico
Em guerra nos livros de história.

A moça que me experimentou gemidos
Estará propensa a novas cortes,
Em trânsito entre o remoto distante
E as próximas primaveras e verões,
Acessível a novos varões e mais gemidos.

Meus pertences serão distribuídos:
Essa coleção de autores marxistas
Para o rapaz taciturno e apreensivo,
Semeando revoltas e revoluções;
Esses tratados de Astronomia e Física
Para algum colecionador de estrelas
Que, impossibilitado de caçá-las
As corteja pelos poéticos nomes:
Sírius, Cassiopeia, Aldebarã... Viúvas
De noivo que as namorava nas noites;
Os tratados de ufologia e esoterismo
Habitarão as prateleiras e estantes
De algum ente estranho e engraçado,
Capaz de conversar com insetos
E pastorear rebanhos de nuvens;
Os compêndios de Botânica e Zoologia
Desafiarão a dicção do dedicado aficcionado
Soletrando Pastrongilus megistrus,
Carassius auratus e Mellos psitacus
Ornamentando as páginas com cores e formas;
Os dicionários... Distribuam a lanço,
 O de rimas e o de tupi-guarani, o de francês,
Inglês, espanhol... Os vários de português...
Porque casa sem um bom dicionário
É granito com pretensão de diamante.

Distribuídos os livros, é a vez dos discos,
De retalharem a trilha sonora da minha existência,
Sem critérios e complacência, em holocausto
Do que em mim foi anexo, embora comigo,
Como um farol sonoro clareando o caminho.

Depois minhas roupas e os meus odores,
Os poucos móveis e os utensílios do atelier.

Saquearão o meu jardim, é certo, à cata
Dos enxertos e hibridações que segredei como fiz,
Em paciência e dedicação de monge ocupado.

Meus quadros e esculturas irão a leilão diferente,
Sem lances pecuniários, mas de exigências e gritos,
Para ornamentar paredes de parentes e amigos.

Assim, desfeito o palco da minha performance,
O picadeiro onde me ensaiei no que gostava,
Cenário do monólogo que quis diálogo,
Estarei finalmente apagado aqui, disperso,
Começando tudo de novo,
Em paciente repetição,
Mas com o mesmo coração
Palpitando ainda em algum canto do universo.

Francisco Costa

Rio, 23/08/2014.

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