quinta-feira, 13 de novembro de 2014

HARÉM DE UMA

Reencarnacionista convicto,
Mais não fiz nesta existência
Que o colecionar de essências,
Apartando-as do comum, trivial,
Para uso futuro, em outro corpo,
Em hipotético harém.

De uma tirei o olhar doce e fácil,
Capaz de copular com flores
E anunciar amanheceres de sol.

De outra arranquei o hálito floral,
De menta e liptus aromatizando
O que de tudo em volta, a redor.

Daquela a voz mansa e o discurso
De paz e concórdia, misericórdia
Semeando melhores momentos.

De umas, as mãos; de outras
Os passos cadenciados e firmes,
Em ritmo de madrigais e valsas,
Enluarando as madrugadas.

Houve as de ancas fartas,
Com a malemolência das marés
E a firmeza do vento nas palmeiras,
Capazes de inebriar qualquer coisa,
Por mais alheia e indiferente.

As de coxas rijas, colunatas de fogo
Sustentando a leveza dos gestos,
Ora comedidos, ora suntuosos,
Com a eloquência do domínio,
Apontando caminhos de prazeres.

A intelectual, capaz de se explicar
E se enunciar inteira, avessa
À puerilidade do ter com urgência
E do se desfazer fácil, rápido.

A tranquila, capaz de pacificar
Conflitos e intermediar o caos,
Sempre pronta à nobreza do abraço
E das mãos estendidas em oferenda.

A laica, ou de todas as religiões,
Farejando Deus em todas as coisas,
Nos episódios cotidianos e normais,
Na transcendência das galáxias,
No sorriso do menino pedinte,
Vendendo laranjas no trânsito
De carros e homens indiferentes.

Assim, apartando-as aos pedaços ,
E com eles fazendo uma única,
Terei um imenso e dadivoso harém
Em corpo único e definitivo,
Dando-me a certeza
De que o sofrimento nesta vida
Foi de coleta e catalogação
Para a próxima, o meu lenitivo,
Quando, enfim, sempre afetivo,
Descansará o meu coração.

Francisco Costa

Rio, 06/09/2014.

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