terça-feira, 18 de novembro de 2014

NÃO SOU SÓ

(Em resposta a uma amiga)

Estranhas que eu viva só, num sítio.
Num sítio, sim. Sozinho não.
Eu tenho plantas,
As quais conheço pelos nomes,
Os científicos e os que lhes dei,
Íntimas e amigas como poucos.

Tenho pássaros, lagartos, borboletas...
Guardando com eles alguma intimidade,
O mesmo relacionamento que guardei,
Um dia, com os homens: alguns piam, gritam,
Coaxam longe, em chegadas só ocasionais,
Outros tutelaram-me, morando nas varandas.

E tenho a memória, amiga tão íntima
Que se confunde comigo, em corpo único:
Basta que uma música salte do equipamento,
Ou de algum instrumento, e lá vou eu.

Quando Gil diz “ainda me lembro
Da gente sentado ali, na grama do aterro...”
Lembro que eu também estava lá e, agora, aqui.
Antes, no aterro; agora, na canção.

Vê como não sou só?
Minha memória me traz um harém,
Todas as que se desviaram do curso
E fizeram baldeação no meu corpo.

E mesmo as que não fizeram, só deixaram hálitos,
Olhares, timbres de vozes... Geraram incógnitas:
Como seriam se, nuas, completas, integrais,
Sobrenadando em hormônios, línguas e dentes,
Reduzidas à busca da superação no próprio prazer?

Isso me dá muita matéria para me fazer acompanhar.
Vê? Não sou só. Além da memória há a imaginação.

 Mesmo o vento que passa por aqui,
O pedaço da lua que ilumina o sítio, os raios do sol
Que aqui não se refletem, ficando, são meus,
Estão comigo, em atestado de que não estou só.

Por fim há a minha poesia, o olhar diferenciado
Que faz todo o acontecido em por acontecer,
Deixando-me ansioso, cheio de esperanças,
Contabilizando os minutos de espera em versos.

Entende que não sou só? Embora sozinho,
Habito-me numa multidão, sendo parte dela,
Toda ela uma extensão de mim, distraído,
Conversando com uma flor no jardim.

Francisco Costa

Rio, 17/11/2014.

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