domingo, 23 de novembro de 2014

POEMA SOMBRIO

“A mão que toca um violão
Se for preciso faz a guerra...”
(Marcos e Paulo Sergio Valle)

Não me peçam parcimônia nas críticas,
Comedimento nas palavras,
Parcialidade na dor.

Eu vejo carniça, ossadas, sangue
Jorrando farto sobre o solo do sertão.
Eu vejo nódoas e manchas, máculas
Empesteando o que foi verde e claro
E se transmutou cinzas e carvão
Esperando o vento, o tempo,
Com o passaporte para o nada.

Eu ouço gemidos, sons de máquinas:
Tratores, motosserras... E da dinamite
Corroendo as vísceras da terra a mostra,
Saqueada em suas riquezas intestinas
Para se maquiar bastardas fortunas
Nas mesas de poucos privilegiados.

Eu conheço essa gente que caminha
Como uma palmeira, sem sair do lugar,
Sujeita à chuva e ao sol inclemente,
Vergando-se heroína para subsistir.

Sou filho dela, dessa miséria tropical,
Talhada em carências, parida no sal
Do suor que desidrata e mata, mói
Esqueletos e consciências, músculos,
Reduzindo homens a essa coisa gasta,
Sem pretensões e sem patrimônio.

Não me peçam o silêncio da omissão,
A anuência com a anormalidade,
Que eu diga tudo bem para a morte.
Há em mim a comiseração do bom,
A fragilidade de muitos limites,
Mas também um sentimento bravo,
Uma sede imensa de vingança
(não a gratuita e pessoal, egoísta,
Que se basta em pequenos gestos
E se realiza no primeiro ato).

É muita sede e de muita vingança
Exigindo ordenação no caos imposto
Como determinação irremediável,
Sujeitando homens e coisas a donos.

Já não me bastam os versos
Nem algum dinheiro honesto e justo.
Eu quero mais, eu preciso de mais,
Algo assim como um mundo de paz
Usufruído por homens iguais.

Haverá o dia, tenho certeza,
Em que aposentarei a minha escrita,
Deixando a obra no papel inconclusa,
Para terminá-la em outra situação,
Quando encontrarei, enfim,
A minha própria libertação.

Francisco Costa

Rio, 23/11/2014.

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