sábado, 31 de agosto de 2013

AULA DE ARTESANATO

Hoje aprenderemos a fazer uma gaiola
E você deverá ter em mãos
Muitas varetas de bambu
Ou material similar, mas resistente.

Principie por afinar as varetas,
Uma a uma, na dimensão do orifício
Onde passarão, na armação de madeira:

A da vergonha da própria nudez,
Ensinada na primeira infância;
Depois a da maldade
Diante de outro corpo e do dito.

A da religiosidade, que lhe impôs
Um deus cruel  e em permanente vigília,
Vasculhando as suas intenções
Mais secretas, todos os seus sentimentos,
Sem que lhe sobre nenhum espaço
Para a espontaneidade, a naturalidade.

A da disciplina, que o faz curvado,
Propício às ordens e orientações,
A não reagir nunca diante da autoridade,
E entender como autoridade
O que for de senso comum, coletivo,
Ainda que você discorde e se sinta mal.

A da percepção da diferença que incomoda,
Preconceitua e aparta, discrimina, faz pior:
Cor de pele, opção sexual, nacionalidade,
Nível cultural, quantidade de dinheiro
No bolso e no banco, na bolsa e na alma...
E criticar e criticar e criticar...
Porque isso justifica a realidade.

A da sonolência cerebral, que lhe faculta
O não pensar, o aceitar sem questionar,
O que diziam ao mais velhos, o que dizem
Todos agora, na televisão, na igreja,
No programa político partidário, nas ruas...
Em permanente folga ao seu cérebro
Distraído nos corredores dos shoppings,
Nos games, realitys shows, novelas...
Tudo o que adormece e anestesia.

Terminada esta parte, com cuidado
Coloque as varetas na armação,
Lixe, envernize, passe para dentro,
peça a alguém para fechar a portinhola,
e aguarde a água e a ração salarial.

Se um dia se cansar da situação,
Quebre as varetas, uma a uma,
E então principie a treinar
Até aprender a voar.

Francisco Costa

Rio, 31/08/2013.

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