sexta-feira, 23 de agosto de 2013

VIA CRUCIS

1ª estação:
E ligado na tela da tevê
Viu corpos esquálidos
Desfeitos em fome
E medo, em desidratação.

2ª estação:
E atento às letras do jornal,
Viu cadáveres nas calçadas,
Alcançados por balas perdidas
E encontradas, desencontradas,
Fazendo frêmito e frio, fim.

3ª estação:
E tomou banho, e perfumou-se,
Ornando-se na roupa mais bela
Estampada na vitrine do shopping
e se encaminhou para o lanche.

4ª estação:
Entre laticínios e frutas, sucos e chás,
Perdeu-se em dúvidas gastronômicas,
Pronto aos talheres e à saciedade,
À obesidade sem remorsos.

5ª estação:
Foi ao banco, antes, constatar depósitos,
Juros amealhados, debêntures,
Lucratividade das operações monetárias,
Promovendo a paz de espírito
E a promessa de dias iguais.

6ª estação:
Passou por uma família na sarjeta,
Mãos estendidas ao que fosse possível,
Em humilhação e carência, desdita
De parcimônia nenhuma no precisar.

7ª estação:
Viu um velho em trapos, farrapos,
De mãos estendidas, ansiando
Sopa quente e família, um leito
De abrigo ao frio e bálsamo urgente
Para dores num corpo de prazo vencido.

8ª estação:
Avistou um adolescente em agonia química,
Viajando imagens inexistentes
E vazios existenciais, pavimentando as ruas
Do manicômio, da cadeia, do necrotério.

9ª estação:
Viu bêbados desprovidos de fígado e peso,
Flutuando aquém da gravidade e do mundo,
Prostitutas meninas em oferta no mercado,
E não ouviu os sons doentes da humanidade,
Surdo ao que lacera e abate, fustiga e mata.

10ª estação:
Entrou na igreja, respirou fundo,
Entoou salmos, levantou os braços
E agradeceu a graça alcançada,
Aquele carro novo na garagem.
Aleluia!

Francisco Costa

Rio, 21/08/2013.

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