(Uma
biografia coletiva)
Nasceu
interferindo no mundo
Em gesto que
se repetiria cotidiano
Pela vida
toda: chorou.
Logo
acostumou-se
Com os
brinquedos dos adultos,
Aviões que
cospem fogo,
Tanques que
atropelam casas,
Fuzis que
atiram de verdade.
Na escola
foi-lhe dito que os vizinhos
Assenhorearam-se
de sua pátria,
Subtraindo
quase todo o território,
Edificando
assentamentos
Para a
ocupação permanente.
Talvez por
isso tenham-no ensinado
A atirar,
antes mesmo de alfabetizá-lo,
Para que se
fizesse sobrevivente
Entre os que
nasceram matéria prima
Da morte
precoce, da vida breve,
Da doação de
sangue ao solo.
Em sua terra
o futebol
Não tem
tempos regulamentares
Porque os
estampidos soam mais alto
Que o apito
do juiz, e o jogo acaba
Sempre com
contundidos para sempre.
A
brincadeira mais popular,
Embora a
menos apreciada
É o
debandar, fugir, se esconder
Até que o
tiroteio cesse e ele durma,
Não com o
cansaço alegre dos meninos,
Mas com o
ódio dos adultos,
A apreensão
das mulheres,
O medo dos velhos.
Tornar-se-á
íntimo da morte,
Excursionista
de cemitérios,
Em monótono
e cotidiano
Repetir do
ritual: enterrar corpos,
Plantar na
terra os tios, os pais,
Primos,
vizinhos, amigos, irmãos...
Vendo a fila
encolher rápida
Para chegar
a sua vez.
E se tornará
um fanático religioso,
Menos por
infinito amor à divindade
E mais por
querer-se longe do diabo,
Concretude
material e cotidiana,
Com seus
sprays de pimenta,
Bombas de
efeito moral,
Eletrochoques,
gás lacrimogênio,
Fuzis,
bombas, granadas, metralhadoras.
Na Palestina
o diabo veste farda.
Um dia
ganhará importância,
Será notícia
na tevê e no jornal,
Terminando-se
em luz e som,
Em grande
explosão fabricada
Pela
indústria da indigência e da miséria,
Do
anonimato, da não existência em vida:
Mais um
homem bomba explodiu por aí.
Críticos
buscarão motivos, teóricos
Investigarão
motivações, puritanos
O julgarão,
deletando no mármore
Do inferno.
E em seu
velório, se ouver, for consentido,
Meninos
outros iguais a ele
Estarão
sendo alimentados com ódio,
Pólvora que
um dia conhecerá a ignição.
Quando a
vida se resume a perdas,
Perdê-la por
ato voluntário,
Mais que
atentado, é um ato natural.
Francisco
Costa
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