sábado, 1 de junho de 2013

DE ALMA NUBLADA

Quando vem a noite, meu quarto se povoa
e choro ausências, corpos distantes,
sorrisos sem hálitos, vozes silenciosas.

São os mortos do meu passado,
os que enterrei em sepulturas
e os que se enterraram na distância,
mortos também porque não os vi mais.

Dos mortos de verdade guardo saudades
resignadas, comedidas, contidas, doces
como ansiedade de criança em aniversários.

Já dos mortos na distância, vivos ainda,
mas longe de mim, saudade desmedida,
inconformada, em desejo de urgência,
como o náufrago em sofreguidão de ar.

A individualidade é quimera, ilusão.
Somos o somatório de convivências,
coletâneas de palavras ouvidas,
coleções de conselhos e canções,
relicários de beijos e abraços,
compilações de chegadas e partidas,
coletivos de lágrimas e sorrisos,
cada impressão em cada minuto,
todos os instantes da existência.

Esta a tristeza da velhice,
a impossibilidade de rejuntarmos os cacos
que, dispersos, nos espalharam pelo mundo.

Talvez por isso a morte, a necessidade
de que dispersa a alma, se disperse
o corpo também.

Francisco Costa

Rio, 03/04/2013.

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