sexta-feira, 28 de junho de 2013

Quando eu já não estiver aqui, mas em você
pensando em mim, trata de não chorar.
Lembra que fiz dos risos atividade permanente,
em constantes sacanagens. Não me decepcione.

Reduzido à referências dadas pelos filhos,
fotos envelhecendo, versos abandonados,
cuida para que eu permaneça acordado,
atento a Cindy Lauper cantando True Collors
ou Kenny G assoprando Going Home em você.

Por doze anos foi o prefixo do meu programa,
criando identidade tamanha que nos tornamos
parceiros, ele com o talento, eu, com a audição,
em intimidade tanta que mudou o meu coração,
batendo delicado ao som dessa canção.

Grita dobrado em cada gol do Fluminense,
triplicado em cada gol da seleção.
Não deixem o capim invadir o jardim,
não gosto de rosas zangadas, dálias furiosas,
porque feitas para as cores e os aromas,
para ornamentar cópulas de colibris e borboletas
em dança nupcial, como eu dancei quando aqui.

Quanto ao patrimônio, empresa, casas, carro
sítio, terrenos... Me é indiferente o destino.
Só peço que me repitam: sentindo a velhice
abordando, se insinuando como uma paixão
definitiva, sem possibilidade de se desvencilhar,
abandona tudo, dá as costas, passa aos filhos,
para não morrerem mordendo paredes e cercas,
executando macabra canção de cansaço e tédio
num monetário teclado de cédulas e moedas.
Isso é já estar morto por antecipação.

Faz como eu, busca o refúgio da arte e da natureza,
se isola em meditação, para reviver sorrisos
e permitir a ressurreição de remorsos, purgando,
rasgando, devolvendo a individualidade perdida.

Por fim, deposita em meu filho caçula todo o esforço,
para que nada lhe falte, os outros já andam sozinhos.

E nada de mentiras com o menino, do tipo Deus levou,
está no céu, virou estrela, foi fazer uma longa viagem.
Digam-lhe a verdade, com todos os fonemas:
seu pai levou tão a sério o ofício que fez o sacrifício
de se tornar um poema.

Francisco Costa

Rio, (data em que eu morrer).

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