Busco em mim
o que me faz dois,
bipolaridade
em exercício, gêmeos
univitelinos
num corpo só, siameses
partilhando
coisas tão diferentes.
Apresentaram-me
Beethoven, Bach,
Mozart...
Toda a sonoridade maior,
capaz de nos
inscrever superiores,
diferenciados
em toda a criação,
e no entanto
me quedo malemolente
em canções
sertanejas e sambinhas
nas manhãs
ensolaradas de domingos,
recreio na
minha razão.
Mostraram-me
Picasso, Rembrand,
Da Vinci,
Rafael, Van Gogh, Dali...
e no entanto
babo diante de um naif,
de
artesanatos primitivos e simples,
confeccionados
por mãos anônimas.
Corri os
corredores e becos do poder,
discuti com
senadores, deputados...
temerosos da
minha ferina oratória
nos
palanques das necessidades,
à frente de
greves necessárias, paredes
postas no
que presumiam ordenado,
mas amo
conversar o trivial, o vazio
de intenções
que não outras que falar,
falar,
falar... Sobre qualquer coisa
que não
signifique absolutamente nada,
partilhando
com os desconhecidos
a beleza
simples do desconhecimento.
Em talheres
e bons modos, com finesse
experimentei
lagostas, sushis, caviares,
mas
seduzem-me mais as feijoadas,
os angus a
baianas, rabadas, chouriços
de cheiros
ativos e temperos exagerados.
Vi postais
que seduziram e encantaram,
alimentando
sonhos de viagens e incursões
em sonhos
impressos, mas seduz-me mais
as paisagens
litorâneas de minha pátria,
a flora e a
fauna, suas mazelas erguidas
pela
natureza e mantidas pelos dirigentes:
secas,
inundações, tempestades tropicais
atestando a
fragilidade da condição humana.
E mesmo
quando um texto meu é publicado,
ou um quadro
exposto, mostrado, dissecado,
premiado,
colocado em destaque, admirado,
proibo-me à
vaidade e à soberba inúteis
porque
habita em mim, lúcida e onipotente
a
consciência de que essas flores literárias
só são
possíveis porque nutridas por raízes.
Em jarros,
nas salas, exposições, altares...
As flores
têm vidas curtas, limitadas.
Vidas
longas, só se estiverem plantadas.
Francisco
Costa
Rio,
07/04/2013.
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