terça-feira, 30 de julho de 2013

CARTA AO XARÁ

(Para Patrícia Mendonça, uma peregrina;
Para  José Gustavo Gonçalves, um sacerdote,
Meus amigos)

Sabe, amigo, tenho um pé atrás com líderes religiosos,
Aquele papo de Marx de que a religião é o ópio do povo.
A vida, a militância, me mostraram que é uma verdade.

Assim, te recebi com um pé atrás, desconfiado.
Para piorar, quando te soube Jesuíta, danou tudo.
Tenho essa ordem como a mais reacionária da Igreja,
A direitona da Inquisição e da catequese dos índios,
Embora tenhas assumido uma posição franciscana
(não acreditei, pensei ser só marketing religioso).

Mas... E não há nenhum constrangimento em confessar,
Fui também arrebanhado, senão para teu rebanho de fiéis,
Para o de admiradores, dos que te respeitarão como líder.

Aquele papo de recusar trono e ficar em cadeira simples,
De madeira, como tantas o carpinteiro Zé, pai de Jesus,
Construiu; o recusar a estola bordada a ouro, vermelha,
Surrupiada dos romanos e que bem dá a ideia sociológica
De como se formam as religiões (agora mesmo, pastores,
Em nome do mesmo Jesus, pilham covardemente o povo);
O recusar o anel de ouro e os sapatinhos vermelhos
(cá entre nós, e que ninguém nos ouça: isso é coisa de gay);
E o manter as vestes “pagãs” como as minhas e de todos,
Sob as vestes sacerdotais, como testemunho de igualdade,
Me antenaram, mas... Podia ser tipo, sou desconfiado.

Aí te vi subindo as escadas do avião com a mala na mão,
Sem usar ordenanças, como determina o protocolo,
A não se negar a responder às perguntas dos jornalistas,
A bordo, com o bom humor dos simples mortais, como eu,
Sem a pretensa santidade dos que pedem dinheiro na tevê
E dos que o antecederam, em poses de o próprio Jesus.

E tudo foi motivo de brincadeira nos teus pronunciamentos,
Até a velha rivalidade de brasileiros e argentinos, como tu.
Só que brincando, usando o discurso da juventude,
Desautorizaste os corruptos, e mais, concitou à reação,
Ao não acomodamento dos pretensamente salvos
(é verdade, “o meu reino não é desse mundo”),
Apontando no capitalismo uma fera tão vil e covarde
Quanto o stalinismo, as ditaduras militares, o nazismo.

Com a autoridade de comandante a afirmação maior,
A de que a Igreja não é uma ONG, e que lugar de fiel
É nas ruas, protestando, exigindo os seus direitos.

Com a autoridade de estadista, foste ecumênico,
Já que se só um Deus, um só rebanho, um só povo de Deus.
Isso é ser democrata, divinamente democrata. Que lição!
Teu sorriso constante nos semeou de esperanças
Porque ancorado em palavras sábias e necessárias
Nesse momento de coisificação do ser humano
E divinização das coisas, meros objetos de consumo,
E aqui te repito, quase literalmente.

Longe de mim, querer acrescentar à tua sabedoria,
Pois sei que sabes o significado de Francisco,
Palavra de origem sânscrita que quer dizer
“aquele que é livre”, “aquele que nasceu livre”, e,
Por adoção do nome, tu o dignificas e reitera o sentido.

Bem vindo ao clube dos Chicos: de Paula, de Pádua,
De Assis... E em nome da divindade a que tão bem serves,
Abençoa a esse Chico menor que aprendeu a te admirar.

Prometo que, se a minha intransigência religiosa continua,
Cobrando que seja só material o que não é divino,
A minha coerência política rende culto ao líder cristão.

Vai com Deus, hermano. Retorne. Serás sempre oportuno,
Diria mesmo necessário, uma gotinha de mel nesse mar de fel.

Francisco Costa

Rio, 29/07/2013. 

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