(Pro Leone,
o meu temporãozinho, meu pedaço mais velho)
Você
acredita em pré existência,
Em
programação de vida,
Compromissos
espirituais
E coisas que
tais?
Pois atente
para minha história,
Real e que
se cumpriu:
Adolescente,
perdido em livros,
Precoce
poesia, encantos, meninas e bailes,
Em
curiosidade e espanto
Engravidei
uma delas.
Por essa
época eu amamentava sonhos
De me fazer
piloto de jatos, sonhos
Persistentes
que ainda hoje cultivo.
Aluno
aplicado, pronto para a academia,
Para a farda
e os aviões, o imprevisto:
Uma gravidez
de adolescentes
Em período
de puritanismo preconceituoso.
Vieram
rápidos, racionais e frios
Todos os
dedos da família, dos amigos,
Do mundo:
aborto!
E o meu dilema
shakespeariano:
Abortar ou
não abortar, eis a questão!
Chego em
casa e cumpro o ritual:
Banho,
janta, sono... Que nesse dia não veio.
Súbito
surpreende-me estranha voz,
Doce,
melodiosa, infantil, angelical,
Falando-me
não aos ouvidos,
Mas direto no
cérebro alterado,
Entre a
vigília e o dormir.
Pouco lembro
do muito dito e aconselhado,
Exceto de
dois detalhes: “você esquecerá de tudo
O que
conversamos, mas usará sempre,
Em toda a
sua vida” e “não faça isso
Que querem
que faças.
Você nasceu
para viver entre nós,
Viverá entre
nós, e quando estiver voltando
Um de nós
estará em sua cabeceira.”
Atônito, não
entendi de imediato,
Até um
estalo instintivo, antes que eu entendesse:
Fui à casa
da menina: você não vai abortar,
Nós vamos
casar. E nos casamos.
Adeus
academia militar, adeus aviões,
Até logo
livros, até já novas aventuras.
Logo pai de
uma menina, mais irmã que filha,
Tanta a
proximidade de idades,
Vi-me de
mãos em tudo capaz de virar leite,
Sopinhas,
pediatra, responsabilidade de adulto
Compulsório,
necessário, obrigatório.
Em um belo
dia, mais um de parcas moedas
E
necessidades muitas, providencial amigo:
- Não quer
dar umas aulas de ciências?
Coisa fácil,
você é bem falante e leitor compulsivo,
Coisa fácil
pra você. E por precisar, aceitei.
Logo, com a
timidez que cala e enregela
Eis-me
diante de 28 pares de olhinhos,
56 olhinhos
atentos em mim escrevendo no quadro,
Até que,
tomado do que nunca saberei o quê
Abandono
livros, giz, quadro, tudo e me torno outro,
Falando da
natureza, entre lepidópteros e flores,
Cascatas e
movimentos estelares, organismos e átomos
E o que falo
vem de dentro, já não sou eu, mas outro
O que em mim
habita em partilha com todos.
Eu nasci
educador e não sabia.
Foi a
primeira aula de todas as que se seguiram,
Em todos os
níveis e todas as escolas, colégios,
Universidades...
O que não bastou, se estendeu
Em cursos,
seminários, entrevistas, palestras...
Passei três
quartos da minha vida falando para crianças,
E a voz
mágica e adocicada da minha adolescência
Fez sentido
pela insofismável prova:
“Você nasceu
para viver entre nós, viverá entre nós
E no momento
em que estiver voltando
Um de nós
estará em sua cabeceira.”
Logo vieram
os netos e passei a imaginar qual seria,
Até que
enviuvei, a providência chamando antes
Um pedaço
meu amputado, justo o meu melhor pedaço.
Mas há que
se continuar aqui, em provimento
Às
necessidades da carne, e casei de novo.
E então o
que fora anunciado a mais de meio século
Se anunciou:
dei à minha neta já adulta mais um tio.
E olhando
aquela barriga, depois aquele berço
Entendi tudo
o que fora dito naquela quente noite:
Já em
vésperas de terceira idade, sem esperar nada,
Em aguardo
da morte, colecionando poemas,
Nasceu
Leone, o meu caçula na carne,
O de
gravidez mais longa, de mais de meio século.
E tudo fez
sentido: “não faça o que querem que faças”,
O aborto;
“você viverá entre nós em toda essa existência”,
Tornei-me
educador; “quando estiver voltando
Um de nós
estará em sua cabeceira”, Leone,
Que hoje
aniversaria, seis anos comigo,
E ao qual me
rendo mais que complemento meu,
Mas profecia
de felicidade que se cumpriu.
Que Deus o
abençoe, meu filho.
Quanto ao
que não entendo, só suponho e especulo,
A minha mais
profunda gratidão, por ter me permitido
A
realização, deixando que viessem a mim as criancinhas,
Muitas,
centenas, milhares, por uma existência inteira,
Culminando
no nascimento do meu filho mais velho,
Quase da
minha idade, e que hoje completa seis anos.
Quando as
lágrimas são filhas da felicidade
Com a
realização não têm explicação.
É aproveitar
porque são raras e ocasionais,
Choradas não
com os olhos, mas com o coração.
Francisco
Costa
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