sábado, 6 de julho de 2013

CARTA A MEU PAI

(a Pedro Castello Costa, meu pai, in memoriam)

Sabe, velho, acho que está chegando a hora de nos encontrarmos.
As dores no peito estão persistentes, e o doutor foi incisivo:
Do terceiro não escapa, mas não estou preocupado com isso não.
Continuo tabagista inveterado e abusando das gorduras e da raiva.
Raiva política, pai. Mudou muito pouco nesses trinta anos.

Sim, conforme conversamos, mantive a minha convicção,
Não me tornei político. É, foram muitas oportunidades e tentações,
Dirigi sindicato, presidi associação de moradores, dirigi escolas...
Muitos convites e tentações, ainda hoje, mas resisto.

Manifesto-me politicamente por outro motivo, velho:
Como afirmou Millor Fernandes, “só existem duas posições políticas,
A da resignação e a da indignação”, sem falar do Federico Lorca:
“O poeta é naturalmente um revolucionário”. Poeta acomodado,
Resignado, centrado no próprio umbigo é um pobre burocrata
Escrevendo cartinhas de amor, sabe, pai? Eu jamais conseguiria.

Queria agora fazer um agradecimento público que não tive tempo,
Você ficou logo inconsciente, nos estertores da morte
Adejando os seu lábios duros e frios, sem poder me ouvir:
Lembra das suas preocupações, e de toda a família, certos
De que eu não sobreviveria à ditadura, a cabeça a prêmio
E minha voz desatinada recusando-se ao silêncio e à capitulação?

Você chegou cheio de cuidados: “meu filho abandona isso,
Contra a força não há resistência. Você será só um morto a mais,
E nada mudará.” A minha resposta o surpreendeu e percebi
Suas lágrimas presas, envergonhadas no seu machismo empedernido,
De falso durão mastigando sentimentos, mascando decepções.

Lhe respondi: pai, você me ensinou muitas coisas, mas uma delas
É a maior: “todo homem tem que ter um ideal e estar disposto
A morrer por esse ideal”. Eu ainda não era adolescente, mas ouvi,
Guardei, aprendi... Orgulhe-se, pai, eu aprendi.
Não foi preciso ter chorado, eu percebi o choro interno, de orgulho.
Lembrei disso hoje porque há idiotas pedindo o retorno disso.
É a proposta deles para os nossos filhos, a tortura e o silêncio.

O agradecimento público, meu pai? Tive muitos professores,
Orientadores, doutores, mestres... Li muitos livros: teóricos,
Filósofos, pensadores... Mas a maior lição me foi dada por você.

Nenhum superou aquele maluquinho de guerra, analfabeto,
Cheio de verdades que a vida me mostrou serem falsas, exceto
A de que todo homem deve ter um ideal e estar disposto a morrer por ele.

A maior lição na vida, quem me deu foi você, meu pai.
Beijões. Até já.

Francisco Costa

Rio, 06/07/2013.

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