sexta-feira, 27 de setembro de 2013

ANJO BALEADO (DOROTHY STANG)

Acúmulo de sentires no corpo cansado,
Ela poderia estar tricotando no sofá da sala,
Aguando as plantas no quintal, ou no quarto,
Cochilando anjos e lembranças de amores.

Poderia ser nossa mãe, cálice que nos verteu,
Talvez nossa avó, mãe em estágio de anjo,
Qualquer vizinha em passos miúdos, lentos,
No caminho da missa ou do médico, à espera
De bálsamos e paliativos vestidos de pílulas.

Saiu de sua pátria em caminho inverso,
Sem farda e sem armas, para semear a morte.
Suas armas foram mãos caridosas em doação,
Voz doce e delicada em oferenda, consolos,
Enxugares de testas e curas de feridas.

Mas logo entendeu que não era praga de Deus
O que assolava e minguava o povo na miséria.
Pior que o sol e os micróbios, os vermes, são
Os latifundiários, os donos do capital, e reagiu.

Imprópria a gatilhos e munição, atirou bondade,
Fez explodir granadas de oração, escopetas
De comida partilhada, bombas de puro amor
Caminhando na selva amazônica, nos igarapés
De vitórias régias, peixes, pobres e sangue.

E denunciou, denunciou, denunciou... Sabendo
Apartar o que de César e o que de Deus,
Cobrando dos cobradores de impostos
O quinhão devido aos donos da terra, da selva,
Porque partes da selva como as formigas e araras.

E então viajou para colher os frutos do semeado.
Não, não foi de avião, metálica ave em voo e som,
Menos em lombo de burro ou barco, em lancha
Ou automóvel. Por ser longa e definitiva a viagem,
Não pode levar bagagem, foi de seis tiros.

Agora contam que quando venta na tempestade
E os troncos das árvores se roçam, em atrito sonoro
Repetem: dorothy, dorothy, dorothy... Respondidos
Pelas ondas dos rios nas pedras: stang, stang, stang...

Ouvidos por um anjo que sorri sobre os garimpos,
Os seringais, as roças e palafitas, sobre todos e tudo,
Orando uma estranha oração que fala de latifúndio,
Justiça e Jesus; coragem, insistência, persistência e luz.

Francisco Costa

Rio, 20/09/2013.

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