“Ainda me
lembro/da gente sentado ali
Na grama do
aterro/sob o sol”
Também
lembro, amigo. Éramos meninos
enamorados
pela vida escorrendo farta
sobre nossas
mãos em violões e versos,
à espera das
armas que não chegaram.
“Observando
hipócritas disfarçados rondando ao redor”
Envelheceram,
amigo, recolhidos aos quartéis e asilos,
e agora
morrem da forma mais indigna e humilhante
para quem se
quis guerreiro mastigando nossos crânios:
de pijamas,
tomando papinhas de colher, em hemorróidas
e tosse,
invejando a vitalidade dos que consideraram pouco.
Os
hipócritas de agora mudaram de lado, são os mesmos que ontem
comungaram o
sonho conosco, na grama do aterro, sob o sol,
mas trocaram
o coração por cofres e suas mãos peçonhentas
já não
dedilham violões e versos, mas contabilizam propinas
em mandatos
parlamentares, secretarias, ministérios...
“Amigos
presos, amigos sumindo assim, pra nunca mais”
Desses não
esqueço e cada poema meu é mausoléu, estátua
em memória
aos sorrisos apagados precoces, às vontades
poupadas de
assistirem ao que assistimos agora, meio mortos.
“As
recordações, retratos do mal em si, melhor é deixar pra trás”
Não dá, Gil,
e você sabe disso muito bem. Passeiam, nostálgicas
em meus
versos e suas canções, recordações de velhos tempos
em que
sonhávamos sem desconfiar que nós éramos os sonhos,
possibilidades
abortadas pela história, deletadas do livro tempo.
“Bem que me
lembro/ da gente sentado ali
na grama do aterro,sob o céu”
Não
relembre, amigo, por favor. Um pedaço do meu coração
ainda não
envelheceu, pulsa sorrindo sentado lá, ansiando
o que ainda
hoje espero, depois de tantas rugas e lágrimas.
“Observando
estrelas, junto à fogueirinha de papel”
Todo mundo
deitado de barriga pra cima, discutindo Marx,
elaborando
rocambolescas tramas, quixotescos enredos
que se
amanheceriam em dias de fartura e paz, o povo
apartado da
fome, na urgência da felicidade, em aplausos.
Papel e os
pedacinhos de madeira, deixada pelos pescadores,
na amurada
do píer, ou procurando galhos secos nas árvores,
ó sacrilégio! Plantadas por Burle Marx, ornando nossos corpos
tiritando de
frio, metralhado pelo vento do mar, muito antes
que outros
ventos, de metal e fogo, se abatesse sobre muitos.
“Esquentar o
frio, requentar o pão e comer com você”
Pães frutos
de vaquinhas e partilhas de moedas e bocas
realimentando-se
para mais discursos, sobre caixotes,
em esquinas
e consciências, antes que a repressão chegasse.
“Os pés, de
manhã, pisar o chão, eu sei a barra de viver.”
Sim, pisar o
chão com a disposição de meninos enamorados
a caminho do encontro, firmes, decididos,
ornados em coragem,
prontos ao
holocausto, às masmorras, à tortura, à morte,
mas com a serenidade
do que cumpre o que não tem outro jeito.
“Mas se deus
quiser, tudo vai dar pé”
Será? Não
acredito. Nossos ex amigos, camaradas, companheiros
consolidaram
de tal maneira a antítese do que pretendíamos que...
“Não, não
chore mais
Menina não
chore mais”
Agora você
me fez sorrir. Pede pra não chorar chorando?
Choro sim,
em cada verso, em cada estrofe, no poema todo,
em todos os
poemas, chorando os sonhos que plantamos
em parte de
nós mesmos, transformados em pesadelos,
filmes de
terror, lágrimas se derramando na sua canção,
escorrendo
em cada um que não entende as suas letras
nem os meus
versos, porque eles, os nossos ex camaradas,
não deixam,
mantêm dormindo os que pretendíamos
acordar.
Francisco
Costa.
Rio,
15/03/2013.
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