quarta-feira, 8 de maio de 2013

BATE PAPO COM GILBERTO GIL (A todos os canalhas que mudaram de lado e hoje nos governam)


“Ainda me lembro/da gente sentado ali
Na grama do aterro/sob o sol”

Também lembro, amigo. Éramos meninos
enamorados pela vida escorrendo farta
sobre nossas mãos em violões e versos,
à espera das armas que não chegaram.

“Observando hipócritas disfarçados  rondando ao redor”

Envelheceram, amigo, recolhidos aos quartéis e asilos,
e agora morrem da forma mais indigna e humilhante
para quem se quis guerreiro mastigando nossos crânios:
de pijamas, tomando papinhas de colher, em hemorróidas
e tosse, invejando a vitalidade dos que consideraram pouco.

Os hipócritas de agora mudaram de lado, são os mesmos que ontem
comungaram o sonho conosco, na grama do aterro, sob o sol,
mas trocaram o coração por cofres e suas mãos peçonhentas
já não dedilham violões e versos, mas contabilizam propinas
em mandatos parlamentares, secretarias, ministérios...

“Amigos presos, amigos sumindo assim, pra nunca mais”

Desses não esqueço e cada poema meu é mausoléu, estátua
em memória aos sorrisos apagados precoces, às vontades
poupadas de assistirem ao que assistimos agora, meio mortos.

“As recordações, retratos do mal em si, melhor é deixar pra trás”

Não dá, Gil, e você sabe disso muito bem. Passeiam, nostálgicas
em meus versos e suas canções, recordações de velhos tempos
em que sonhávamos sem desconfiar que nós éramos os sonhos,
possibilidades abortadas pela história, deletadas do livro tempo.

“Bem que me lembro/ da gente sentado ali
 na grama do aterro,sob o céu”

Não relembre, amigo, por favor. Um pedaço do meu coração
ainda não envelheceu, pulsa sorrindo sentado lá, ansiando
o que ainda hoje espero, depois de tantas rugas e lágrimas.

“Observando estrelas, junto à fogueirinha de papel”

Todo mundo deitado de barriga pra cima, discutindo Marx,
elaborando rocambolescas tramas, quixotescos enredos
que se amanheceriam em dias de fartura e paz, o povo
apartado da fome, na urgência da felicidade, em aplausos.

Papel e os pedacinhos de madeira, deixada pelos pescadores,
na amurada do píer, ou procurando galhos secos nas árvores,
ó sacrilégio! Plantadas por Burle Marx, ornando nossos corpos
tiritando de frio, metralhado pelo vento do mar, muito antes
que outros ventos, de metal e fogo, se abatesse sobre muitos.

“Esquentar o frio, requentar o pão e comer com você”

Pães frutos de vaquinhas e partilhas de moedas e bocas
realimentando-se para mais discursos, sobre caixotes,
em esquinas e consciências, antes que a repressão chegasse.

“Os pés, de manhã, pisar o chão, eu sei a barra de viver.”

Sim, pisar o chão com a disposição de meninos enamorados
a caminho  do encontro, firmes, decididos, ornados em coragem,
prontos ao holocausto, às masmorras, à tortura, à morte,
mas com a serenidade do que cumpre o que não tem outro jeito.

“Mas se deus quiser, tudo vai dar pé”

Será? Não acredito. Nossos ex amigos, camaradas, companheiros
consolidaram de tal maneira a antítese do que pretendíamos que...

“Não, não chore mais
Menina não chore mais”

Agora você me fez sorrir. Pede pra não chorar chorando?
Choro sim, em cada verso, em cada estrofe, no poema todo,
em todos os poemas, chorando os sonhos que plantamos
em parte de nós mesmos, transformados em pesadelos,
filmes de terror, lágrimas se derramando na sua canção,
escorrendo em cada um que não entende as suas letras
nem os meus versos, porque eles, os nossos ex camaradas,
não deixam, mantêm  dormindo os que pretendíamos acordar.

Francisco Costa.
Rio, 15/03/2013.
N.A. – Entre aspas, versos da canção Não Chore mais, versão de Gilberto Gil da música No Woman, No Cry, de Bob Vincent.

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