Às cinco da tarde me dispo da arrogância
E fico mais afável, muito mais amável
Na esquina de Rosário com Quitanda.
É o momento em que minhas abstrações vêm à tona
E entulham as calçadas mornas de mormaço
Com o sol em despedida, batendo ponto
Marcando encontro para amanhã, aqui mesmo
Às cinco da tarde.
(até o
café tem sabor de licor de pitanga
E
parece mais doce o açúcar
Às
cinco da tarde)
Às cinco as pessoas se despem dos escritórios
E ficam mais honestas em trajes humanos
Cheias de taras e desvios disfarçados
Vazando pelas paredes de concreto e aço
Às cinco da tarde.
Às cinco – e somente às cinco, me pergunto
As mesmas coisas da véspera e da antevéspera
Esperando respostas improváveis me arruinando
Os olhos entupidos de gente e cores
Às cinco da tarde.
(a
morena demora e me desespero
Na
ânsia prisioneira das cinco)
Às cinco não tenho documentos nem domicílio
E pairo, irreal, sobre sombras projetadas
No meu romantismo vigilante
Às cinco da tarde.
(passa
um corpo de curvas levando
Os
meus olhos sedentos de formas
E
ângulos que se mostram às cinco)
Muito tempo depois (seis? Sete?)
Ela investe porta, mundo afora
Projetando desejos mórbidos de morder-me.
Recolho meus pedaços dispersos na esquina
E lentamente penetro no sonho de sempre.
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