Entre vales e nuvens,
Decididamente só,
Navegando na memória
Ela beija netos e noras
Nos canteiros do quintal.
Estrela entre estrelas perdida,
Impossibilitando a identificação
Ela vela sonhos domésticos
E orienta as decisões cotidianas.
Há, na morta, a presença diária
Orientando decisões familiares
E dando provimento aos fatos
No tempo que flui na ausência.
Sempre que chove a morta chora
E suas lágrimas, abundantes e claras,
Escorrem das cumeeiras e calhas
Para molhar pétalas e rostos
Chorosos de saudades e orfandade.
Como o que não existe é impronunciável,
A morta não está morta, reverbera viva
Nas palavras dos netos, nas fotos,
Nas cabeças tristes dos filhos,
Em cada canção que, melíflua e doce,
Me rasga o mais íntimo das lembranças.
Não se pode dizer morta
A flor que perdura e se encarna
fruto e semente, outra planta
estampada nas dobras das manhãs.
Que podem os vivos senão mostrarem-se
No que fazem ou fizeram, atestando
A própria presença, permanente,
Ainda que estando distantes,
Semeando dúvidas e saudades?
Não! Definitivamente
A morta não está morta.
Espera, paciente, os que ama
Pois sabe que todos os que vela
Caminham para o encontro,
Demorado, talvez adiável,
Mas certo e marcado como os passos
Da morta caminhando em nossos dias.
*N.A.
– poema lido no programa Love’s Light, no segundo aniversário de falecimento da
esposa do locutor.
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