sexta-feira, 17 de maio de 2013

Viva A Suruba Nacional (Com patrocínio da Rede Globo de Televisão)

Quase o único a não se permitir à televisão,
a não ter um televisor na sala, me olhando,
todos me olham como se diferente, aleijado,
com um órgão a menos, mutilado.

Mas não tenho como fugir, estão por aí,
nas lojas de eletrodomésticos, nas ruas
nos restaurantes e pensões onde me abasteço,
nos quartos de motéis... Onipresentes,
íntimos, nos assistindo nas refeições e no sexo.

Se visito um amigo ou parente, conhecido,
conversamos sempre a três, eu, ele e ele,
o televisor ali intrometendo-se, interrompendo,
chamando a atenção para si porque alter ego.

Ontem, em visita de cortesia a aniversariante,
fui compulsoriamente levado ao Jornal Nacional,
cartilha que norteia o sentimento e a opinião
de duzentos milhões, como se fosse natural.

Em livre exercício de visão crítica e analítica,
de imediato percebi a importância do evento:
ao invés de fazer uso do seus repórteres de campo,
fosse da central ou de uma emissora afiliada,
mandaram o apresentador do principal telejonal,
que também acumula os cargos de editor de si mesmo
e diretor de telejornalismo da Rede Globo de televisão,
como se o próprio apocalipse estivesse em ação.

E o que assisti foi de dar náuseas a qualquer mortal,
desde que não amestrado, condicionado, preparado
a periférico de tal horror, o  chamado telespectador.

Como se fosse brinquedo em mão de criança,
manipulável, um simples ioiô, a partir das vontades
(ou conveniências) de editores e redatores,
do lado de cá da tela fomos jogados para lá e pra cá,
numa sequência de imposições de sentimentos
alternando-se em segundos, breves, superficiais,
sem maior aprofundamento, por que vivemos tempo
de informação e não de formação, de ter e não de sentir:

Imagens da fachada cabonizada, corta;
uma mãe chorando desesperada, corta;
o comandante do corpo de bombeiros esclarecendo
que no prédio estava tudo ok, corta: velórios, corta;
taxista afirmando que prestaram socorro, corta;
secretário da prefeitura contraditando o bombeiro,
alvará vencido e ausência de fiscalização, corta;
uma psicóloga afirmando que uma das mães, enlouquecida,
não admite reconhecer o filho no caixão,
dizendo que ele virá vê-la já, corta;
Dilma dizendo que tal fato não se repetirá, corta;
com indiferença técnica, uma maquete do imóvel, corta;
outra mãe chorando, corta; corpos mortos, corta;
depoimentos não complementares, contraditórios, corta;
e o meu coração atônito, sem partilhar com o cérebro,
ambos buscando a acomodação na surrealidade posta
na tela, no mundo, no momento, como se diante de cartas
exigindo ordenamento em naipes, sequências, lógica.

E estupefato, atônito, o poeta perdeu a oportunidade
de contar quantas vezes o empostadamente consternado
apresentador afirmou: “nós, da Rede Globo de Televisão”,
“a equipe de jornalismo da Rede Globo”, “nós, da Globo”,
“os cinegrafistas da Globo”, “o plantão da Globo”,
fazendo da Rede Globo de televisão o sujeito do fato,
e da tragédia, predicado. A emissora, principal,
todo o resto calcinado, morto, em escombros, complemento,
acessório, oportunidade midiática, comercial.

Seguiu-se a novela, pão nosso de cada dia, comerciais,
e, aí sim, o programa com padrão Globo de qualidade:
bundas, sexo, filosofia de puteiros e botequins, preconceitos
ancorados pelo maior intelectual do momento,
o guru formador de opinião, cujas pérolas pronunciadas
deveriam constar em todas as antologias do torpe, do ilógico,
do imcompreensível: “esse zoológico humano”, “esses heróis”,
referindo-se à casa dos horrores mentais e seus habitantes.

Voltei pra casa, e envergonhado com o que me permiti,
me descobri um simples palhaço chorando,
acumulando indignação bastante e doída
para redigir esse pretenso poema.

Francisco Costa
Rio, 29/01/2013.

Nenhum comentário:

Postar um comentário