terça-feira, 14 de maio de 2013

RÉQUIEM COM RAIVA


Adeus, amigo. Consigo vão muitas horas  compartilhadas,
Sorrisos, lágrimas... Muita informação degustada,
Muita regurgitada, por não servirem para nada.

Como visitamos sites, como batemos papos! E indiscreto,
Você sempre junto, bisbilhotando, observando, fuçando
Tudo o que fiz e posso declarar, e o que escondo, é secreto.

De dedos dados visitamos museus, e foi você que mostrou
Kandinsky, poema de luz; Picasso, poema de formas; Dali,
A loucura em seu estado máximo de lucidez a criar sonhos,
E nos mostrar as paisagens bonitas  de onde mora a poesia.

Sentadinho aqui, olhando nos seus olhos, passeei salas,
Corredores, galerias... Extasiado como uma criança boba,
Um adolescente diante do primeiro corpo nu, debutante.

Estivemos no Prado, em Moscou, Milão, no Louvre...
Você me ensinou a gostar da arte digital, a entender
Essas novas tecnologias de arte a que fui tão avesso.

Quantos textos criticamos: poemas, crônicas, romances.
Quantos porres de Pessoa e Drummond, quantas viagens
Em Vinícius e Neruda, que doideira Lorca e João Cabral.
Paqueramos Cecília, Flertamos com Florbela... E a Bruna?
Vontade louca de deitar em seus braços e dizer: declama!

Mas juntos também trilhamos o cotidiano das urgências,
Das necessidades imediatas, e do faça-se agora.
Quantos e-mails! Quantas impressões! Quantas escaneadas!
Foram provas de estudantes, documentos questionando,
Às vezes me justificando  ou só comunicando, todos chatos
Porque, por melhor digitados, nada vale mais que o ouvido,
Olho no olho, hálito no rosto. Como estou pesaroso, amigo!

Obrigado por ter sido amiguinho do meu filho. Chatinho, não?
Não repare. Tentando ser adultas  todas são chatas mesmo.
E o simples fato de pô-las em sua companhia já é permissivo.
Crianças foram feitas para carrinhos e bonecas, para os peões.

E por falar em permissivo... Obrigado pela sua discrição.
Nunca ninguém soube daquelas olhadas indiscretas, safadas,
Cheias de fome e curiosidade em bundas e peitos, e no mais.
Cada uma, ein, amigo! Mas fica na sua. Meus alunos, suas mães,
Os leitores, ouvintes, amigos... Não podem saber disso, nunca.
Eles não podem desconfiar que sou humano também, igual a eles.

E aproveito a oportunidade para pedir perdão: perdão!
Foi muita maldade. Quantas vezes cego de raiva e ódio,
Soquei seu teclado, bati na mesa com seu mouse? Quantas?
Sem contar que chamá-lo de filho da puta foi uma constante,
E a pobre da sua mãe sem ter culpa. Perdão! Eu não sabia.

Não sabia dessa dor estranha nesse estranho velório,
Com um homem chorando adeus a uma máquina.
Tempos modernos, era digital. Só agora descobri-me cyborg,
Você anexo do meu cérebro mas de tal maneira íntimo,
Que à minha revelia, foi se infiltrando e chegou ao coração.

Se pedi perdão pelo que fiz, também perdoo o feito por você:
E não se faça de sonso, muito menos de tonto porque sabe:
Você travou, apagou documentos, cortou parte de poemas,
Tornou-se lento quando tive urgência... Me sacaneou muito!

Mas é coisa do passado. Passou! Eu ia te vender como sucata,
Para ser desmontado, com as peças a um amigo seu incorporadas:
Placas, chips, conectores... Esses  órgãos de metal e silício,
Estranhos à minha anatomia de só ossos e nervos expostos.

Mas farei melhor. Você vai para a escola, pra se oferecer
Dadivoso e útil aos que herdarão esse nosso mundo velho,
De máquinas velhas e homens ultrapassados, em pré-velório.
Carinho com os meninos. Muito respeito com as meninas.
Nada de sites pesados e, por favor, deleta os de pedofilia.

Agora vou lhe apresentar o seu substituto. Não inveje!
 Também não estranhe: isso que você vê é um computador.
Ele não tem gabinete, as placas e demais geringonças
Ficam todas atrás desse monitor só de três centímetros.
Isso mesmo, de largura. O mouse é essa coisinha pequena,
Quase que só reduzida a uma bolinha,  e olha o teclado:
Pouco mais grosso que ua folha de cartolina, e o monitor,
Mais nada. Que tal? Tem seis portas USB, três saídas
De telefones para números diferentes ou rede, quase fala.

Conecta-se automaticamente a vídeo conferências,
Têm câmera digital para fotos  e filmagem de vídeos,
E já com programa de ajustes e efeitos especiais,
Dispensa instalação de photoshop,  com uma vantagem:
Ajusto e me mostro como quero: posso ser monstro, se
Uma criança precisa, ou capaz de humilhar Gianechini.
É só eu me ajustar. Já vem com telefone, o acesso ao molden
É sem fio, atende a comandos de voz, tem capacidade
De armazenamento e resolução dez vezes maior que a sua...

E olha que chique, também é televisão! E de controle remoto!
Não, não diga nada, ele pode se zangar e lhe bater, pshiiiiiii!
Olha o tamanho dele: são vinte e uma polegadas de led.
E com um detalhe: é leve e carrega bateria. Não preciso
Ficar aqui nessa cadeira. Ele pode passear no Jardim Botânico,
Em museus, praias, em qualquer recanto. E eu estarei  levando
Uma máquina fotográfica, uma filmadora e um computador.

Entende por que você foi trocado? Foi muita tentação,
Coisa de mulher de passarela, capa de revista, praia...
Cega à aliança no meu dedo, ao cartório e à certidão.
Como dizer não?

Só que estou com um problema, amigo, não é Windows.
E para piorar, é tudo em inglês, idioma do qual só sei
O que me mostra os letreiros das lojas
E um ou outro versos de Lennon e MacCartney.

Você é só um carrinho popular diante dele,
Boing de alta tecnologia pronto pra voar.

Só que o carrinho me levou a tudo que é lugar,
Enquanto que esse avião...
Como é que tiro essa merda do chão?

Rio, 26/11/2012.

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