Adeus,
amigo. Consigo vão muitas horas
compartilhadas,
Sorrisos,
lágrimas... Muita informação degustada,
Muita
regurgitada, por não servirem para nada.
Como
visitamos sites, como batemos papos! E indiscreto,
Você sempre
junto, bisbilhotando, observando, fuçando
Tudo o que
fiz e posso declarar, e o que escondo, é secreto.
De dedos
dados visitamos museus, e foi você que mostrou
Kandinsky,
poema de luz; Picasso, poema de formas; Dali,
A loucura em
seu estado máximo de lucidez a criar sonhos,
E nos
mostrar as paisagens bonitas de onde
mora a poesia.
Sentadinho
aqui, olhando nos seus olhos, passeei salas,
Corredores,
galerias... Extasiado como uma criança boba,
Um
adolescente diante do primeiro corpo nu, debutante.
Estivemos no
Prado, em Moscou, Milão, no Louvre...
Você me
ensinou a gostar da arte digital, a entender
Essas novas
tecnologias de arte a que fui tão avesso.
Quantos
textos criticamos: poemas, crônicas, romances.
Quantos
porres de Pessoa e Drummond, quantas viagens
Em Vinícius
e Neruda, que doideira Lorca e João Cabral.
Paqueramos Cecília,
Flertamos com Florbela... E a Bruna?
Vontade
louca de deitar em seus braços e dizer: declama!
Mas juntos
também trilhamos o cotidiano das urgências,
Das
necessidades imediatas, e do faça-se agora.
Quantos
e-mails! Quantas impressões! Quantas escaneadas!
Foram provas
de estudantes, documentos questionando,
Às vezes me
justificando ou só comunicando, todos
chatos
Porque, por
melhor digitados, nada vale mais que o ouvido,
Olho no
olho, hálito no rosto. Como estou pesaroso, amigo!
Obrigado por
ter sido amiguinho do meu filho. Chatinho, não?
Não repare.
Tentando ser adultas todas são chatas
mesmo.
E o simples
fato de pô-las em sua companhia já é permissivo.
Crianças
foram feitas para carrinhos e bonecas, para os peões.
E por falar
em permissivo... Obrigado pela sua discrição.
Nunca
ninguém soube daquelas olhadas indiscretas, safadas,
Cheias de
fome e curiosidade em bundas e peitos, e no mais.
Cada uma, ein,
amigo! Mas fica na sua. Meus alunos, suas mães,
Os leitores,
ouvintes, amigos... Não podem saber disso, nunca.
Eles não
podem desconfiar que sou humano também, igual a eles.
E aproveito
a oportunidade para pedir perdão: perdão!
Foi muita
maldade. Quantas vezes cego de raiva e ódio,
Soquei seu
teclado, bati na mesa com seu mouse? Quantas?
Sem contar
que chamá-lo de filho da puta foi uma constante,
E a pobre da
sua mãe sem ter culpa. Perdão! Eu não sabia.
Não sabia
dessa dor estranha nesse estranho velório,
Com um homem
chorando adeus a uma máquina.
Tempos
modernos, era digital. Só agora descobri-me cyborg,
Você anexo
do meu cérebro mas de tal maneira íntimo,
Que à minha
revelia, foi se infiltrando e chegou ao coração.
Se pedi
perdão pelo que fiz, também perdoo o feito por você:
E não se
faça de sonso, muito menos de tonto porque sabe:
Você travou,
apagou documentos, cortou parte de poemas,
Tornou-se
lento quando tive urgência... Me sacaneou muito!
Mas é coisa
do passado. Passou! Eu ia te vender como sucata,
Para ser
desmontado, com as peças a um amigo seu incorporadas:
Placas,
chips, conectores... Esses órgãos de
metal e silício,
Estranhos à
minha anatomia de só ossos e nervos expostos.
Mas farei
melhor. Você vai para a escola, pra se oferecer
Dadivoso e
útil aos que herdarão esse nosso mundo velho,
De máquinas
velhas e homens ultrapassados, em pré-velório.
Carinho com
os meninos. Muito respeito com as meninas.
Nada de
sites pesados e, por favor, deleta os de pedofilia.
Agora vou
lhe apresentar o seu substituto. Não inveje!
Também não estranhe: isso que você vê é um
computador.
Ele não tem
gabinete, as placas e demais geringonças
Ficam todas
atrás desse monitor só de três centímetros.
Isso mesmo,
de largura. O mouse é essa coisinha pequena,
Quase que só
reduzida a uma bolinha, e olha o
teclado:
Pouco mais
grosso que ua folha de cartolina, e o monitor,
Mais nada.
Que tal? Tem seis portas USB, três saídas
De telefones
para números diferentes ou rede, quase fala.
Conecta-se
automaticamente a vídeo conferências,
Têm câmera
digital para fotos e filmagem de vídeos,
E já com programa
de ajustes e efeitos especiais,
Dispensa
instalação de photoshop, com uma
vantagem:
Ajusto e me
mostro como quero: posso ser monstro, se
Uma criança
precisa, ou capaz de humilhar Gianechini.
É só eu me
ajustar. Já vem com telefone, o acesso ao molden
É sem fio,
atende a comandos de voz, tem capacidade
De
armazenamento e resolução dez vezes maior que a sua...
E olha que
chique, também é televisão! E de controle remoto!
Não, não
diga nada, ele pode se zangar e lhe bater, pshiiiiiii!
Olha o
tamanho dele: são vinte e uma polegadas de led.
E com um
detalhe: é leve e carrega bateria. Não preciso
Ficar aqui
nessa cadeira. Ele pode passear no Jardim Botânico,
Em museus,
praias, em qualquer recanto. E eu estarei
levando
Uma máquina
fotográfica, uma filmadora e um computador.
Entende por
que você foi trocado? Foi muita tentação,
Coisa de
mulher de passarela, capa de revista, praia...
Cega à
aliança no meu dedo, ao cartório e à certidão.
Como dizer
não?
Só que estou
com um problema, amigo, não é Windows.
E para
piorar, é tudo em inglês, idioma do qual só sei
O que me
mostra os letreiros das lojas
E um ou
outro versos de Lennon e MacCartney.
Você é só um
carrinho popular diante dele,
Boing de
alta tecnologia pronto pra voar.
Só que o
carrinho me levou a tudo que é lugar,
Enquanto que
esse avião...
Como é que
tiro essa merda do chão?
Rio,
26/11/2012.
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