terça-feira, 7 de maio de 2013

O MONSTRO


 (Um poema irado e futurista,
para o amigo alienado,
que nessa vida é turista,
nesse primeiro de maio,
com ares de primeiro de abril,
talvez para rimar com Brasil)

Enquanto o monstro crescia sorrateiro,
disfarçado nos corredores políticos,
tu estavas na igreja, transferindo a Deus
as atribuições humanas, esperando
dEle soluções e iniciativas tuas e só tuas.

Mais traiçoeiramente agia impune,
comprando a oposição em dinheiro vivo,
cargos comissionados, ministérios,
secretarias... Mais dançavas nos pagodes,
nos forrós, nos funks... Todo dia carnaval.

Aliava-se o monstro aos da pior estirpe,
os que comem crânios e esvaziam cérebros:
latifundiários, empresários do inútil,
mercadores dos templos, falsos profetas,
cleptocomunistas privatizantes, liberais
amantes de ditaduras de silêncio e morte...
E tu declinavas versinhos de amor, cantando
dores de cotovelo, chifres  incômodos,
boas vindas aos orgasmos em exercício,
à chegada de amante novo, mais orgasmos.

Enquanto o monstro, em voracidade titânica,
não só se amamentou na corrupção e no roubo,
mais que de dinheiro, de valores e do futuro,
tu estavas atento à escalação da seleção,
gastando as tuas energias preciosas e caras,
nos dois sentidos, para gritar gol.

Mais assanhava-se o monstro em avidez,
mais ousava penetrar em tuas entranhas,
mais atento estavas  ao capítulo da novela,
em complexos cálculos, sofisticados raciocínios,
para saber quem seria eliminado do reality show.

O monstro calou o ministério Público
e tu permaneceste calado também;
calou o Supremo Tribunal Federal,
e calado permaneceste junto;
por fim calou o Congresso Nacional,
transformando em cartório de homologação,
porque impondo voz única, sem oposição,
e o teu silêncio continuou, em suicídio.

Mais o monstro se esmerava em repastar tudo,
menos informado estavas, lendo o horóscopo,
os resumos das novelas, poeminhas de amor
(desde que não maiores que sonetos, ler cansa),
o resultado da loteria, as fofocas do hight society,
edificando-se matéria prima da ditadura em curso.

Agora amargas esse silêncio imposto,
não mais opcional, mas obrigatório.
Agora choras o pouco pão e o silêncio,
o risco de simplesmente existir, de estar vivo,
mais um na manada que se fez ordenada
e se mantém em disciplina pelos peões do monstro.

Agora é provável que a tua consciência acorde
e então descobrirás que a única arma possível,
capaz de matar o monstro, faz doer e sangrar,
não são mais palavras nem atitudes pacíficas.

E verás filhos teus nas masmorras, na tortura,
pelo crime de não orar pelo catecismo único,
maldizendo o silêncio dos próprios pais, outrora.

Se tiveres consciência, conspirarás em cada minuto,
alienando a vida à resistência e à revolta,
em permanente vigilância, com a morte no portão.

Se continuares o que és, continuarão os gols, os bailes,
as festas, os carnavais, os capítulos das novelas,
poeminhas de amor e sexo, livrinhos de auto ajuda...
Nas igrejas, alternando-se em agradecer a Deus
a existência do monstro ou pedindo que Deus o mate,
porque em ti a única coerência é não ter coerência.

Será assim, uma planície de silêncios voluntários
e uivos amordaçados, nascidos da tua omissão.
Este o mundo que ajudaste a construir, parabéns,
o legado que passarás a teus filhos e netos,
a herança que deixarás num inventário de maldição,
de pouco pão, tristeza, silêncios e humilhação.

Não lastime se a tristeza é muita e a realidade dura.
Pela omissão, tu és um artífice dessa cruel ditadura.

Francisco Costa
Rio, 1º de maio de 2013.
(Já vi esse filme e sei como termina. Guarde esse
poema, para ser relido daqui a alguns anos,
como hoje relemos os que antecederam a 1964)

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