Perdão
irmãos, continuamos a semear cadáveres,
a empalá-los
no que consideramos atos heróicos,
vergonha que
não mancha consciências e morais,
justificam-se
como atos necessários do vencedor.
Perdão pelo
continuado genocídio, pela covardia
estampada em
livros, calada no peito dos assassinos.
Perdão pelo
nosso infanticídio em suas aldeias,
pelo estupro
em suas mulheres, pelo semear mortos
nos chãos
das florestas, nas areias das praias e lagos
e, hoje,
pelas surras nas cidades, aldeias de loucos.
Ainda no
império, o colonizador de vastos bigodes,
estranha
vestimenta, arcabuzes e caravelas,
falar diferente, e estranhos hábitos europeus,
investiram
em cima, ora em ataque aberto,
hora
manuseando a diplomacia, a negociação
da mentira,
do engano, do engodo, do estelionato
travestido
de promessas jamais realizadas.
Perdão pela
ação dos Jesuítas, José de Anchieta
puxando o
cordão, tuberculoso em pronto contágio
escrevendo à
Roma, para dar conta que morriam,
“milhares
deles à conta do Senhor”, conforme dito
em
correspondência do Apóstolo do Brasil ao Papa.
E não há
perdão que pague ou justifique o extermínio
contumaz,
continuado, permanente, diuturno,
reduzindo-os
de doze milhões a trezentos mil
espalhados
nas periferias das cidades, em favelas,
palafitas,
lixões, apodrecendo em vida,
testemunho de uma civilização que agoniza.
Estranho os
civilizados, que preservam passarinhos
e exterminam
homens, prendem caçadores
e dão salvo
conduto a homicidas, assassinos.
Em debandada,
os colonizadores de além mar,
levaram de
volta todos os seus crimes e o botim,
tão eficientes em suas lições de matar e
pilhar
que deixaram
discípulos aplicados, mais cruéis,
encurralando-os
em feudos miúdos, retirados,
de
territórios insuficientes para a sobrevivência.
E vocês se
dispersaram, desfizeram famílias,
apartaram
amores, viram órfãos de pais vivos,
viúvas de
maridos distantes, cadáveres respirando.
E vieram os
seringueiros invadindo territórios,
profanando
terras sagradas, pisoteando tradições,
mastigando
vínculos culturais, laços de comunhão.
Sangraram
árvores e gente, criando pneus, artefatos
bélicos
retornando às aldeias, para prosseguir
no mister de
semear corpos mortos, abandonados.
Foram-se os
seringueiros e vieram os madeireiros,
os
garimpeiros, as mineradoras arrancando do solo
as últimas
raízes que insistiram em ficar, dispersas.
Caçaram
recém nascidos nas redes e colos maternos
como se
caçam pássaros nos ninhos, peixes na água,
para
sanguinolentas refeições, macabros repastos.
Conforme
testemunhos, pegaram crianças pelos pés
e em ritual
de matança, como fazemos com animais,
lhes esfacelaram os miúdos e inocentes crânios
contra
troncos de árvores, impedindo gerações
futuras de
resistência no caminho do progresso,
quando não
em atitudes meritórias de doações:
calças,
camisas, lençóis, redes, vestidos, cobertores...
Em aparente
caridade no ritual da piedade,
para logo
descobrirem que vindos de hospitais,
asilos,
leprosários... Disseminando pestes, doenças,
mais
instrumentos de genocídios, deliberadamente.
Em novas
hordas de bárbaros, não bastassem
seringueiros,
madeireiros, mineradoras...
Chegou a
sociedade organizada, a institucionalização
do
assassinato como modus vivendi, coisa natural,
e os rios
subiram, inundando taperas,
afogando
malocas, exterminando aldeias, tabas,
dispersando
povos inteiros, como judeus no exílio,
sem direito
a fim de Diáspora, sem armistício,
trégua,
direito de recomeçar, apartados de si
por enormes
hidrelétricas, dilúvio humano
sem direito
a páscoas e Noés, reedificações.
E vieram os
de agora, depenando as matas,
tosquiando o
solo, depilando as árvores
e tudo o que
se anuncia verde e farto,
para deitar
milhões de quilômetros quadrados
de planta
única na paisagem morta, homogênea,
só de soja
alimentando a Ásia e a Europa
hipocritamente
clamando pela preservação.
Mas havia
aldeias, tabas, tendas, ocas, malocas...
E propinas,
tiros, tratores, intimidação, assassinatos
cuidando da
ocupação, do plantio, da construção
do complexo
da soja, com fazendas tão grandes
que
percorrê-las só de avião, maiores que países,
nas mãos de
um proprietário ou de uma família,
toneladas de
agrotóxicos passeando nos rios,
excursionando
no solo, em holocausto da fauna.
Mas aos
fortes não bastam derrotas para a rendição,
a guerra haveria
de continuar, até que o último
expirasse,
em atestado de centenária covardia
em curso, em
pleno exercício do extermínio.
E buscaram
armas novas, infiltrando seus jovens
entre
civilizados, para aprenderem as suas letras,
esmiuçarem as
suas leis, destrinchar-lhes a lógica
que derruba
florestas para construir shoppings,
aterra
mananciais, desenterra minérios do solo
para
enterrá-los em cofres, mija, caga e cospe
na água que
irá beber, e mata para justificar.
Vieram para
a cidade de São Sebastião
do Rio de
Janeiro e se hospedaram em casarão
testemunho
do antigo, do ontem que continua,
no Museu do
Índio, esparadrapo na consciência
do branco
sangrando o passado e o presente.
Em plena
capital cultural do país ousaram
e
estabeleceram uma aldeia de índios
universitários,
índios intelectuais, índios
prontos para
as armas dos civilizados.
E chegaram
as Olimpíadas, os mesmos jogos
do medievo
animando as arenas gregas, romanas,
mostrando o
caminhar para o mesmo lugar,
a
permanência no passado, no berço dos crimes,
sem ter como
se alçar em vôo de coisa nova
o mesmo
homem que abandonou as cavernas
de granito e
sombras para construir cavernas
de vidro e
aço, iluminadas, para alojar o mesmo.
Por
supérfluos e destoantes da razão citadina,
o
excelentísimo senhor governador do estado
achou por
bem transformar o museu do índio
em museu das
olimpíadas, varrendo-os
em
definitivo do imaginário da civilização.
Por
considerarem aquele lugar sagrado
porque em
culto às suas divindades e antepassados;
por
considerarem inviolável porque, sendo povo
apartado,
funciona como casa diplomática,
embaixada,
território protegido em convenção
internacional,
da qual somos signatários,
os índios
decidiram não sair.
A Polícia
Militar do Estado do Rio de Janeiro
mobilizou
todo o seu aparato de conflagração,
com as
tropas de choque, de elite, inteligência...
Municiadas
de gás lacrimogêneo, de pimenta,
bombas de
efeito moral, cassetetes, revólveres,
pistolas,
rifles, metralhadoras... E ódio, fúria.
A logística
e a estratégia que deveriam ser usadas
contra
quadrilhas de corruptos na capital,
contra
quadrilhas de defloradores de crianças,
contra
narcotraficantes, contrabandistas,
só serviu
para desalojar algumas dezenas de índios
mal
vestidos, em shorts, bermudas, e cocares
de penas,
entre as próprias tradições e o novo.
A mídia
lastimou a interrupção do trânsito,
cronistas
louvaram o êxito da operação,
a imprensa
ostentou as fotos dos bárbaros
desalojados
do seu último bastião de resistência.
Vitória da
civilização.
Mais uma
lágrima em quem tem consciência
e coração.
Francisco
Costa
Causa-me um mal estar...sentimento retrógado diante de tamanha covardia, falta de respeito..." Vitória da civilização.
ResponderExcluirMais uma lágrima em quem tem consciência
e coração." É, no mínimo, vergonhoso...deprimente! Abraços poeta querido <3