terça-feira, 14 de maio de 2013

DE HOMENS E OVOS (Hoje, dia da Abolição da Escravatura, no Brasil)



“E tomando de dois ovos,
Um de casca clara,
E outro, de casca rósea,
Quebrou-os, e apontando
Para gemas e claras,
Perguntou: digam-me agora
Qual de casca rósea,
Qual de casca clara!”
(Capítulo zero, versículo nenhum)

Falo-vos de outros homens,
Diferentes aos olhos e só,
Porque de gemas mesmas
E mesmas claras.

Vestidos de outras peles,
Cósmica negritude posta pigmento,
Adubaram com suor a história,
E na história, mais que argumento,
Fizeram-se força motriz de impulsão.

Não vos falarei de homens no eito,
Menos das torturas nos pelourinhos,
Ou da animalização compulsória
Em navios negreiros e senzalas.

Antes, falo de quilombos e combates.
Não de uivos e gemidos, de choros,
Mas de gritos ódios lacerando senhores,
De gemidos surdinas em regaços negros,
De sorrisos todo dentes na negritude.

Falo-vos da dignidade, da altivez,
Da identidade cunhada em heroísmo,
Forjada no trabalho,
Emancipada na rebelião.

E se por nada tivesse que escrever,
Se nada ou quase nada a agradecer,
Agradeceria orgasmos em ventres brancos
De sinhazinhas enamoradas, negrificadas,
Inaugurando mulatas, miscigenação
De identidades disfarçadas em cores,
Exuberância encarnada gente, fêmeas
Em desfiles de puro frenesi estético,
Avarias no que se pretende calmo, indiferente.

Falo-vos não de outros homens,
Mas de homens de mesma gema
E mesma clara, lembrando-nos hoje
O que por negligência, nos esquecemos:
Nosso berço é negro, e nossa mãe,
Como toda mãe, escorrer de delícias,
Tem ventre generoso e doce, macio e quente,
E atende pelo nome de mamãe África.

“E tomando de dois ovos,
Um de casca clara, e outro,
De casca rósea, quebrou-os,
E apontando
Para gemas e claras,
Perguntou: digam-me agora:
Qual de casca rósea,
Qual de casca clara!”
(Capítulo zero, versículo nenhum)

Francisco Costa
Rio, 13/05/2013

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