terça-feira, 7 de maio de 2013

DANÇANDO NO VAZIO (Pra Sonia Costa, in memoriam)


Hoje, cá, é Dia Internacional das Mulheres, sabia?
Acordei mais cedo e, ao invés do cafezinho costumeiro,
antes do primeiro cigarro, fiz café para nós dois.

Vê se pára de reclamar que não faço nada,
quero tudo na mão, paxá (palavras suas)
envolvido com política, pinturas e versos.
 Perdão. Só sei ser assim.

Afastei as poltronas da sala, pus o disco para tocar
e, mais uma vez, a convidei para dançar.

Enquanto nos embalávamos, um filme louco,
conto de fadas no início e tragédia no fim,
passou por minhas retinas embaçadas, opacas,
porque presas numa cortina de lágrimas.

Lembrei de você toda suada, vermelhona e cansada,
capinando a beira da calçada, me ajudando,
desajeitada, a colocar o telhado no galinheiro.

Irada gritando que eu só vivia cercado de vagabundas,
comigo rindo porque se existe alguma coisa engraçada
é mulher enciumada, “vou acabar com a sua raça”,
e eu rindo, imaginando você em casa, rádio baixinho,
navegando em música, acompanhando o programa,
do primeiro minuto ao último, atenta aos comentários,
vigiando cada telefonema de cada ouvinte a mim...
Era engraçado, e eu não tinha noção de que em você doía.

Consegui rir da tua irritação quando surpreendida,
distraída, por uma palmada minha, e fui à nossa miséria,
jantar de arroz na água e sal com uma rodela de tomate
cru, insosso, estranho porque mais só o do leite em pó
amamentando nossos meninos no berço.

Vim também ao agora, esse patrimônio vazio de você,
invejável a todos mas que não me diz nada, me isolei,
passei para os nossos filhos e vim para o sítio, sonhar,
viver comigo mesmo porque mais não sei, desaprendi.

Perdão pela indiscrição, mas a vi nua, suada, cansada,
enciumada (até nesses momentos?), rogando praga:
ei de te ver careca, rouco e barrigudo, comigo rindo,
retribuindo: e essa berruguinha no seu nariz, vai crescer,
ficar igual a uma bola de pingue pongue, e vai engordar,
não vai mais ouvir piadas quando passar. E ríamos, ríamos
antevendo mais risos e sempre até a velhice, etername...

Até o dia em que displicente, com a naturalidade do alheio
atendi ao telefone, nossa filha mais velha aos gritos,
em pranto desmedido: “pai vem que minha mãe faleceu”.
E para mais doer, dando a dimensão exata da orfandade
completou: “te cuida paizinho porque agora só temos você”.

Minha vontade foi sair quebrando tudo, chutando tudo,
rasgando tudo, a começar por mim, impotente,
naquele momento nada, chamando Deus pra porrada.

Sei que você vai ficar com raiva, mas não vou esconder:
hoje fiz muitos versos e os espalhei por aí, lidos no rádio,
curtidos e comentados no face, postados em murais...

É. Dei versos muitos à mulherada, mas esses guardei.
É quase prosa, despidos de imagens poéticas, pleonasmos,
Sinédoques, aliterações e eufemismos. Aqui não valem,
são versos sem passagem pelo crivo da razão, sem revisão.

São seus, pega-os com cuidado, podem se desmanchar.
Estão muito molhados. Não repare, são minhas lágrimas.

Francisco Costa
Rio, 08/03/2013.

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