quarta-feira, 15 de maio de 2013

CANÁRIO E POLÍTICA


Buscando razão que justifique esmolas,
Aparentes concessões da benevolência,
Em simples caso fortuito e da natureza,
Encontrei mais uma lição de sociologia:

Avesso a gaiolas e viveiros, nunca prendo
Animais, salvo os já condicionados, vítimas
De animal outro, mais cruel, punindo
Em cárcere perpétuo a beleza e a harmonia.

Faz outono e, depois das constantes chuvas,
Os capinzais estão pródigos em sementes.
Estava este escriba deitado na rede, lendo
(relendo as Flores do Mal, de Baudelaire),

Quando insopitadamente um canário belga
Rebelou-se do anonimato e se fez presente,
Tonto, inebriado de espaço e livre arbítrio,
Incapaz de gerir as próprias necessidades.

Explico: oriundo das ilhas de mesmo nome,
Os canários viveram tanto e tão intensamente
Em cativeiro que perderam a capacidade
De, por si, encontrar água e comida, pouso.

Manso, talvez por se considerar anexo humano,
A pequena ave se permitiu à captura,
Se entregou passivo às minhas mãos, aliviado,
Sem necessidade de iscas e armadilhas.

Coloquei-o na gaiola, e com a avidez do flagelo
Foi ao cocho de comida, ao cocho de água,
Em piados de satisfação, de felicidade encontrada.

Minutos depois, refeito do cansaço e da fuga,
Como um eleitor que não se sabe em cárcere,
Agradeceu à minha providencial intervenção,
Em trinados e gorjeios de eleitor grato pela obra.

Saí do devaneio e retornei ao meu país
De políticos ornados nas pesquisas
Porque, como eu, a alimentar cativos.

É bolsa família, bolsa alimentação, bolsa, bolsa...
E subvenção, e subvenção... E cotas, e cotas...
Postos nos cochos da contenção e do domínio.

Na contramão do dito popular
Dão uns poucos peixes nas mãos de poucos,
Em drible na obrigação de ensinar a todos
A localizar o pescado, capturar o pescado,
Limpar o pescado, condimentar o pescado,
Cozinhar o pescado, comer o pescado.

Tudo isso dá trabalho e despesa,
Então: pescado já pronto a uns poucos.

O canário que hoje trina em minha gaiola
Sobrevoou  toneladas de sementes
Milhares de litros d’água, poleiros variados
Mas não morreu de fome e sede, não se perdeu
Porque lhe ofereci algumas gramas de sementes,
Algumas gotas d’água, poleiros seguros.

Fosse o canário eleitor
Eu já teria um voto,
O salvo conduto para me apropriar
De toda a semente que ele não comeu,
Da água que ele não bebeu,
De tudo o que não conhece
Ou conheceu.

Francisco Costa
Rio, 15/05/2013

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