Buscando
razão que justifique esmolas,
Aparentes
concessões da benevolência,
Em simples
caso fortuito e da natureza,
Encontrei
mais uma lição de sociologia:
Avesso a
gaiolas e viveiros, nunca prendo
Animais,
salvo os já condicionados, vítimas
De animal
outro, mais cruel, punindo
Em cárcere
perpétuo a beleza e a harmonia.
Faz outono
e, depois das constantes chuvas,
Os capinzais
estão pródigos em sementes.
Estava este
escriba deitado na rede, lendo
(relendo as
Flores do Mal, de Baudelaire),
Quando
insopitadamente um canário belga
Rebelou-se
do anonimato e se fez presente,
Tonto,
inebriado de espaço e livre arbítrio,
Incapaz de
gerir as próprias necessidades.
Explico:
oriundo das ilhas de mesmo nome,
Os canários
viveram tanto e tão intensamente
Em cativeiro
que perderam a capacidade
De, por si,
encontrar água e comida, pouso.
Manso,
talvez por se considerar anexo humano,
A pequena
ave se permitiu à captura,
Se entregou
passivo às minhas mãos, aliviado,
Sem
necessidade de iscas e armadilhas.
Coloquei-o
na gaiola, e com a avidez do flagelo
Foi ao cocho
de comida, ao cocho de água,
Em piados de
satisfação, de felicidade encontrada.
Minutos
depois, refeito do cansaço e da fuga,
Como um
eleitor que não se sabe em cárcere,
Agradeceu à
minha providencial intervenção,
Em trinados
e gorjeios de eleitor grato pela obra.
Saí do
devaneio e retornei ao meu país
De políticos
ornados nas pesquisas
Porque, como
eu, a alimentar cativos.
É bolsa
família, bolsa alimentação, bolsa, bolsa...
E subvenção,
e subvenção... E cotas, e cotas...
Postos nos
cochos da contenção e do domínio.
Na contramão
do dito popular
Dão uns
poucos peixes nas mãos de poucos,
Em drible na
obrigação de ensinar a todos
A localizar
o pescado, capturar o pescado,
Limpar o
pescado, condimentar o pescado,
Cozinhar o
pescado, comer o pescado.
Tudo isso dá
trabalho e despesa,
Então:
pescado já pronto a uns poucos.
O canário
que hoje trina em minha gaiola
Sobrevoou toneladas de sementes
Milhares de
litros d’água, poleiros variados
Mas não
morreu de fome e sede, não se perdeu
Porque lhe
ofereci algumas gramas de sementes,
Algumas
gotas d’água, poleiros seguros.
Fosse o
canário eleitor
Eu já teria
um voto,
O salvo
conduto para me apropriar
De toda a
semente que ele não comeu,
Da água que
ele não bebeu,
De tudo o
que não conhece
Ou conheceu.
Francisco
Costa
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