domingo, 1 de janeiro de 2017

RESCALDO DA FESTA

(Filosofando no feriado)

Amanhã o caminhão da limpeza urbana passará.
Livra-te dos entulhos do ano passado,
De tudo o que em ti sobrou.

Comece jogando fora a impaciência, esse vício
Que transubstancia em minutos os segundos,
Em dias as horas, plantando mal humor.
Confia nos relógios e calendários,
Eles não mentem.

Joga fora também a inveja, coisa de todos nós,
Ainda que inconsciente, clandestina, escondida,
Mal disfarçada... Pensa que ninguém é igual
E há em ti também matéria para a inveja de alguém.
Inveja é seqüela de lesão na auto-estima.

Livra-te dos complexos, o de superioridade,
Que te faz crer, gato doméstico, um leão,
E o da inferioridade, subtraindo-te, por opção,
De um rebanho de reses juntas e tão iguais.
O complexo é uma fantasia fora do carnaval.

Lança fora a indiferença, a auto-suficiência,
Essa falsa crença de que te podes sozinho,
Como se fruto de geração espontânea,
Autodidata, todo poderoso que a si se basta,
Confundindo cópula com masturbação.

Ainda há espaço no saco plástico que se vai.
Coloca nele o pessimismo e o desânimo,
A falta de combustível em motor perfeito,
Pronto para pronto funcionamento.
Abastece-te e caminha, a estrada é longa,
De aclives e declives, curvas acentuadas,
Mas te levará a algum lugar, seguro ou não,
Porém melhor que ficar na beira da estrada,
Vendo as pessoas, o tempo, a vida passarem.
O desanimado e o pessimista vegetam na sombra,
São os nocauteados antes da luta começar.

Manda embora a alienação, esse não estar,
Como a planta ornamental perdida no matagal.
Chuta a preguiça. De ler, escrever... Pensar,
Porque és o que sabes, o que em ti habita,
Patrimônio seguro, imune à prisão, à tortura
E à morte. O não saber é cruel e incomoda,
Porque o que ignora cultua a ignorância,
Como um cego acreditando-se capaz de enxergar.
O mundo tem o tamanho do que dele sabemos,
Viver num mundo miúdo e restrito, sem graça,
Ou ser parte consciente do universo é opção tua.

Por fim, livra-te do individualismo, do egoísmo
Que te faz pequena ilha afastada do continente,
Sem istmos e pontes a permitirem o trânsito.
O egoísmo é a metástase da fragilidade escondida,
Da covardia enrustida, do medo permanente,
Da insegurança mascarada, da derrota antecipada.

Agora deixe que o gari leve tudo e lance no lixão,
Mas não se esqueça da gorjeta e do cumprimento.
Tu és um gari sem macacão, como és o médico,
O político, o professor... Atividades temporárias
Que nos fazem dependentes, só pequenas peças
Num jogo onde a regra é servir.

Eu não falei para jogares fora a solidariedade.
Como eu poderia falar para jogares fora
Um pedaço de ti?
Justo onde mora a tua humanidade?

Ser humano não é fácil, fácil é desistir.

Francisco Costa

Rio, 01/01/2017.

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