Transverso,
Nasci do outro lado,
Onde o sol é tênue e frio
E o frio mais frio, gelado.
Não nasci para o fausto,
Os banquetes e comendas,
As deferências e cerimônias,
As cartinhas de apresentação
E apreço ao senhor poderoso.
Habito na contramão,
Em sentido inverso, torto,
Entre sem posses e sem poderes,
No umbral da existência terrena.
Meu mundo é o dos refugiados,
Dos fugidos e exilados,
Dos que purgam culpas sem culpas
E farejam possibilidades inexistentes
Entre os que ocupam espaços.
Estou nos que fogem das guerras
E se apartam de parentes e da vida,
Nos transeuntes do relento
E nos que vagam sem destino,
Entre impropérios e desprezo,
Garimpando os restos do consumo,
Reciclando a comida imprestável.
Entre os das sobras, dos rejeitos,
Do que se ostentaria inútil e gasto,
Talvez imprestável ou deteriorado,
Vivendo do que não querem mais,
Ouço melífluas canções, orações,
Vejo estonteantes decorações...
No que se consome consumo,
Festa do supérfluo e dispensável,
Para que no dia seguinte, em lixões,
Para os meus se edifique o natal,
Tardio, sem troca de presentes,
Sem música e comemorações,
Reduzido a uma ceia de sorrisos.
O natal da miséria é no dia seguinte.
Francisco Costa
Rio, 19/12/2016.
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