segunda-feira, 30 de janeiro de 2017

DOS POETAS

O poeta é um estrábico,
Olhando pros lados
Enquanto todos olham pra frente.

Por isso não cobre coerência,
Não imponha o politicamente correto,
Não exija parcimônia e comedimento.

Poetas são as vestais do escândalo,
Os sacerdotes do silêncio,
Os operários das palavras,
Assentado-as, como tijolos,
Na consecução da parede poema.

Nunca peça a um poeta
Quero um poema assim ou assim
Porque o poeta é o leitor de si mesmo,
Discorrendo por escrito o que leu.

Ordenar disciplina nos poetas
É como ordenar o trânsito dos pássaros,
Missão impossível e descabida, porque
Como os versos que esculpem, aleatórios,
Surpreendendo sempre.

A missão do poeta é o poema,
Tudo o mais é matéria prima,
Ingredientes, objetos próprios ao furto
Que se esconderá numa estrofe,
Numa rima, em alguma figura de estilo.

Não, poetas não são seres encantados,
Nada têm de diferenciados.

Como qualquer proletário,
Apenas trabalham, produzindo magia,
Como os ilusionistas nos circos,
Tirando coelhos e bengalas das cartolas:
O que surpreende não é o artista
Mas o instante de poesia.

Nunca tente entender um poeta,
Ele é só parte no cardume,
E você não pode entender o oceano
A partir de um peixe que viu.

Poetas são discrepâncias, incontinências
De soluções novas para velhos problemas,
Flores miúdas e ordinárias, solitárias,
Nas beiras dos caminhos onde todos,
Distraídos e atarefados, passam,
Até que ela jorre perfume e cor
Fixados em palavras, como um psiu,
Obrigando a que todos parem,
Sentindo-se flores também.

Poetas são intervalos
Entre o cotidiano e o cotidiano,
Os terroristas da monotonia
Demolindo tudo com poesia.

Francisco Costa

Rio, 30/01/2017.

ABRACE-ME

Abrace-me,
Abrace-me forte,
Minha carência é imensa,
Maior que as maiores cordilheiras.

Abrace-me, abrace-me terna
E doce, como se em última vez.

Falta-me o ar, o chão, o mundo,
Tragados na volúpia de um golpe
Que me prostra impotente,
Amealhando raiva.

Abrace-me, abrace-me
De assexuado abraço,
Feito só de consolo
E cumplicidade,
De amor disfarçado,

Abrace-me em exorcismo
Ao que me golpeia o ânimo
E derrota a vontade,
A este estar naturalmente triste,
Arredio ao que encanta e seduz,
Como se sob pesada cruz,
Talhada em desesperança.

Logo virão os cravos da solidão,
Os chicotes da punição,
A coroa posta no pranto.

Faz-se urgente lembrar-me
Que o calvário antecede
A ressurreição.

Abrace-me.
Silenciosamente, abrace-me
E só me solte quando sol voltar.

Francisco Costa

Rio, 11/01/2017.