terça-feira, 29 de abril de 2014

PARA OS LEITORES DE GABO

Macondo chora,
Erendira está de luto,
Esta crônica não era
A de uma morte
Anunciada.

Mandela foi,
Fidel se despede
Gabo partiu hoje.

O lado de lá, no além,
Está mais interessante
Do que o lado daqui.

Lá, autores e personagens
Se confundem e completam.

Aqui, as fontes de inspiração,
Órfãs choramingando  saudade,
Continuam a assistir
Formigas nos devorando.

Náufragos no mar
Que nós mesmos construímos,
Buendias, tristes e sós,
Vivemos para esperar
A ilha onde Gabo chegou.

Francisco Costa

Rio, 17/04/2014.
Meu bom humor?
Eu o perdi por aí,
Atravancado no trânsito
Do que não se pode normal.

Meu sorriso se diluiu
Em cadáveres negros
De jovens nas vias públicas,
De olhos abertos, apagados.

Minha gargalhada morreu
Na puerilidade do que vejo
Nos jornais e na televisão
Tratando-me como se doente,
Com limitações mentais.

Palavras doces, como dizê-las,
Se em salsugem e maresia
Desabrocham impropérios
E florescem ofensas que,
Ainda que não ditas ou faladas,
Em atitudes se anunciam?

Minha liberdade agora,
Restrita a poder se indignar,
Exercita-se entre o silêncio
E a inglória missão de chorar.

Francisco Costa

Rio, 29/04/2014.

COSMOS

No mais íntimo de tudo purga,
Imanente e definitivo,
O testemunho da unidade.

Nada apartado e nada só,
Tudo um, atestado
Da unidade na diversidade,
Mera variação de movimentos.

Do átomo às galáxias o mesmo,
A mesma harmonia de teclados
Dedilhados por mãos invisíveis
Sonorizando luz e movimentos,
Em acordes diversificados
Estampando-se corpos e cores
Em infinitas possibilidades.

O universo é uma obra de arte.

Ao artista cabe as descobertas
O identificar nele o ar da poesia,
Destrinchando nota a nota
Os segredos não revelados
Dessa imensa e bela sinfonia.

Francisco Costa

Rio, 14/04/2014.
O irritante da nostalgia
É que ela se escreve
Oração sem sujeito.

A saudade é determinada,
De sujeito simples
E verbo transitivo:
Quem sente saudades
Sente saudades de alguém,
De alguma coisa, algum lugar.

Já a nostalgia é indefinível,
Oração sem sujeito
E complemento, só verbo.

Sentimos saudade,
Mas a nostalgia nos sente.

Por trás da saudade
O complemento.
Por trás da nostalgia
O nada.

A nostalgia é a poesia,
Que não é complemento,
Mas só um enunciado
Desse estranho sentimento.

O saudoso vive para voltar
E matar a saudade.
O nostálgico mata-se
Para viver o que não sabe.

Francisco Costa

Rio, 13/04/2014.

O PADROEIRO

Jorge da Capadócia,
Santo meio carioca,
Meio Dom Quixote,
De lança em punho,
Caçando moinhos.

Jorge mito católico,
Travestido de Ogum
No sincretismo
Que funde sangues,
Fé, convicções.

Salve Jorge,
Santo guerreiro,
Protetor e padroeiro
Da cidade santa
Do Rio de Janeiro,

Grande o bastante
Para não dizermos é,
Mas são, embora um.
Salve Jorge da Capadócia,
Jorge, São Jorge, Ogum.

Sebastião reclama,
Diz que é dele o título,
Porque dado pelo clero
E assentido pela corte,
Cultuado pela nobreza.

Mas nos barracos pobres,
Em cada um a tua imagem
Montado no cavalo branco,
Com uma capa vermelha,
Investindo contra dragões.

Pois que venham os dragões
E suas línguas de fogo
Disfarçadas. Diante deles,
Para derrotar a cada um
Protegendo o povo, estará
Jorge, São Jorge, Ogum.

Francisco Costa
Rio, 23/0402014.

(Dia de São Jorge)
O tempo não apaga.
O tempo só esconde
O que a velhice vai revelar.

Nossos beijos de meninos,
As margaridas na floreira,
As mangas pendentes
Das manhãs de dezembros,
As vozes dos velhos avós
Dormitam por bom tempo,
Aparentemente apagadas,
Mas de encontros marcados
Quando chegar o tempo de,
Definitivamente,
Tudo se apagar.

Francisco Costa

Rio, 06/04/2013.

INDIGNAÇÕES DE AMOR

Os que penetram em mim
pelas portas dos meus versos,
pelas formas e cores dos meus quadros,
imaginam que de todos os meus sentimentos
fulgura em destaque e com pompa o amor.

Cruel engano. Amo de amor desmedido
a minha pátria vilipendiada, vendida, explorada
como uma prostituta de corpo exposto nas ruas.

Amo, de amor tão grande ou maior, a minha gente,
toda a gente que se espalha, anônima ou pública,
na arena das sensações e necessidades, na vida.

Gente rica, infeliz porque prisioneira de objetos,
impedida de movimentos pelos grilhões da fortuna,
contando o tempo como moedas, monetariamente,
até ser enterrado num cofre de madeira,
sem ter aprendido, ou pelo menos desconfiado
que o amor é gratuito e avesso aos códigos do comércio.

Gente pobre debulhando necessidades e angústias,
garimpando safras nulas, colhendo carências,
como um caramujo que nunca teve concha e procura.

Gente miserável, que não debulha nem garimpa
porque sabe, desde o berço, a inutilidade de existir,
como planta intrusa num deserto só de areia, seca,
anônima, imprópria ao florescimento, palha verde.

Amo as florestas em holocausto às motosserras,
correntes, machados, tratores mastigando a flora,
fazendo ausência a fauna errante em busca da morte.

De paixão infinita amo tudo o que se esconde aos olhos
e se anuncia desconfiança, necessidade de saber,
o que se esconde em rótulos: ciência, arte, filosofia...
Toda a matéria prima com que edifico a minha poesia.

Esse o meu amor, limitado, parcial, em pedaços, retalhos
porque de realização castrada, amputada, interdita...
Como sol parco e miúdo intercalando temporais.

Os que penetram em mim
pelas portas dos meus versos,
pelas formas e cores dos meus quadros,
imaginam que de todos os meus sentimentos,
fulgura com pompa e destaque o amor.

Cruel engano. Entre o amor e a comunhão,
reina, absoluta e determinante, a indignação.

Francisco Costa

Rio, 15/04/2013.
Para que palavras
Se nos bastamos em olhares,
Em gestos distraídos, atitudes
Inconscientes, não declaradas?

Porque propor ou cobrar se,
Continuidades recíprocas,
Nos adivinhamos e conhecemos,
Como as ostras e suas conchas
Que, apartadas, modificam-se
E perdem o sentido,
Transformadas em nada?

Definitivamente ligados,
Nos adicionamos
Para construir a unidade.

Os que permanecem sós
Jamais se saberão só parte,
Fração, pedaço em permanente
Procura da metade que os complete
E faça inteiros, por inteiros.

Francisco Costa

Rio, 10/04/2014.
Pensando bem, não foi mau
Esse recesso de meio mês
Prisioneiro das minhas ideias.

Quarenta e dois poemas concluídos,
Outros tantos esperando conclusão,
Reavalição de valores, autocríticas,
Reposicionamentos, exigências a mim
Mesmo realizando promessas vãs que,
Bem sei, jamais se realizarão, promessas
De mudanças para continuar o mesmo
Gestando o parto de mais um enfarto.

É arriscado mas interessante:
Quando nos pensávamos distante,
De todos apartado, descobrimos
Que todos estão do nosso lado,
Em volta da cama, engordando o drama
De uma alma triste num corpo desolado.

Francisco Costa

Rio, 30/03/2013.
Porque corar, se estamos sós,
Fazendo do pudor, agonia,
Quando tudo pode ser orgia,
Quando nada estará oculto?

Porque se esconder em si,
Como se grande o bastante
Para se conter e se esconder?

Isso, esconda-se, insista
no agora não, espere, depois,
porque isso mais me excita,
Aumentando o mistério.

Quanto mais fundo na terra
Mais raro e precioso o minério.

Francisco Costa

Rio, 11/04/2014.
Preciso tomar banho, Não de água ou essências.
Do ácido mais corrosivo removendo a revolta.
Necessito esfregar-me em lixas duras, grossas,
removendo esta casca sólida que me blinda raiva,
interdita aos sorrisos, aos encontros, ao comum.

Preciso revelar ao mundo o que sei e escondo,
a ternura diante do que se anuncia belo e frágil,
a alegria do que espera porque se sabe só agora,
temporal de verão, intenso, mas passageiro.

Preciso anunciar que também sei sorrir.

Pois que venham crianças e idosos, fragilidades
esperando carícias; borboletas, pássaros, flores...
Amanheceres, entardeceres, estrelas, astros...
Celebrações à beleza, indiscrições de Deus
dizendo estou aqui,

tornando desnecessários ácidos corrosivos e lixas,
derretendo a casca que me blinda e isola do mundo,
esse jardim onde insistem em plantar ervas daninhas,
esse oceano grande e gordo, sem litorais e portos,
para mais justificar o poeta:
“navegar é preciso, viver não é preciso”.

Francisco Costa

Rio, 10/03/2013.
Recheados do inusitado,
Meus sonhos desafiam
Que eu os faça reais
A cada amanhecer.

Meus sonhos habitam plagas
Com sons de cachoeiras
Em contrapontos com pássaros,
Em liturgia de concertos imaginários.

É lá que se deitam na relva
As moças nuas e as crianças,
Logo que some a tênue película
De orvalho, lençol da noite.

Das flores não falo porque impossível,
Tamanha a exuberância de formas,
A mistura de cores, os odores
Ilustrando dias de sempre sol.

Público, compartilho quase tudo:
Meus versos expostos a autópsias,
Retalhados em seus fonemas e pontos,
Minhas telas, esboços mal delineados
Do que me vai na alma meio aflita,
Minha voz prenhe de exigências,
E até o meu corpo, ocasionalmente,
Fonte e fruto de prazeres rápidos
Porque nascido para ser sempre só.

Meus limites estão nos meus sonhos.
Por mais que eu fale, redija, pinte...
Eles se recusam à revelação, pessoais,
Imunes ao que me imponho e tento:
Trazê-los à realidade e impô-los,
Até que a matem afogada
Em aromas, cores, formas outras
Que não as que se anunciam cotidianas,
De sons urbanos e corpos cansados,
Removendo em definitivo
O rótulo de insônia ou pesadelo.


Francisco Costa
Sempre essa rotina,
Amanhecer prenhe de poemas,
Ocasionalmente de contos,
Crônicas ou desenhos.

Que maldição é essa que me assola,
Reduzindo-me a mãos e olhos
Em reconstrução do mundo?

O que de fato se esconde
Nesse imperativo enfadonho
De reescrever o que está pronto?

Eu me queria outro e diferente,
Vazio de teorias, oco de hipóteses,
Sem me saber só mais um no rebanho.

Eu não me queria senhor de mim,
Mas em exercício de livre arbítrio,
Como um ponta de frente pro gol,
Em decisão crucial, se chuta ou passa,
Se arrisca ou se livra da bola,
Incumbe a outro a vaia ou a vibração.

Mas não, mero apêndice das mãos,
Repito-me automático na redação
De mim querendo-me outro.

Esta a minha liberdade:
A de não me permitir senhor
Porque nascido escravo de mim,
Essa permanente reclamação
Nascida para não repetir sim.

Francisco Costa

Rio, 14/04/2014.
Sim, sou capaz de sorrir em versos,
mas só em versos.
E capaz de chistes, motes engraçados,
Piadas... Mas só nos poemas.

Quem me lê não imagina a angústia,
a impotência para mudar destinos,
travar o que se faz pedrisco no pé,
entre a sola e o sapato, incomodando,
ou mais que incomodando, impedindo
a continuidade do caminhar.

Fosse tudo comigo e a resignação
cuidaria do caso, ou o voluntarismo
posto em forma de resistência
cuidaria do caso. Mas não é comigo.

Morro um pouco perto dos que morrem,
e não posso fazer nada, impotente e fraco,
preso nos meus limites de só um homem
teclando angústia, digitando a frustração.

Purgo dores que não são minhas, ganhei.
Lacrimejo quase desespero, enfartando,
morrendo-me um pouco a cada dia,
entre o câncer e o cárcere.

Os que lá se vão, sós e injustiçados,
são pedaços de mim morrendo comigo.

Francisco Costa.

Rio, 06/04/2013.

CANTO DE CISNE?

Sinto que lentamente
Perco a identidade
De mim comigo,
Inaugurando-me estranho
Em festa alheia, apartado
Do que seria comum,
Fazendo-me diferente,
Só assemelhado.

Lento, desinteresso-me,
Como um cego só tato
E cheiros, suposições
Diante de uma paisagem,
Indiferente se de deserto,
Floresta, litoral ou pastagem,
Em resignação e comodismo.

Corredor em revezamento,
Já cansado, observo a marca
Onde deverei passar o bastão
Das minhas lutas e derrotas,
Nenhuma frustrada ou morta,
Inútil ou inglória.

Espectro do que fui, já nada
Me apraz ou apetece, longe,
Só ao alcance dos que querem
E insistem, sobrenaturais.

Há em mim agora a resignação,
A modorra de um entardecer
Esperando o escuro da noite.

Logo estarei num sonho.

Francisco Costa

Rio, 11/04/2014.
Três dias sem nenhum verso.
Meus poemas migraram,
Fugiram da dor.

Covardes, egoístas,
Não me levaram.

Quero restaurar-me inteiro,
Mas eles se recusam,
Adejando inspirações outras,
Onde a dor é ocasional,
Não se transformou
Numa maneira de viver.

Mais que extirpar a dor,
Espero do cirurgião
Que devolva meus versos.

Francisco Costa

Rio, 17/04/2014.

quarta-feira, 23 de abril de 2014

OS ILUSIONISTAS

Entre dentes comentam o fracasso.
São os falidos da esperança,
Os oportunistas nas dobras dos feitos,
As hienas que se riem felinamente
Na espera de sangue, os urubus
Em pré repasto do que querem morto.

Maquiam-se coisa bela e boa,
Mas no íntimo a conspiração e o bote,
Mil artimanhas de parasitas, vermes
Adaptados à predação  e ao saque,
Com tentáculos ávidos e vozes macias.

São os que discursam luto nas festas
E ostentam sorrisos em velórios,
Sempre na contramão das vitórias,
Em mão inversa dos infortúnios,
Cultivando a derrota, o querer, o caos.

Miúdos travestidos maiores e fortes,
Valem-se do que negam, e iludem,
Conduzindo o rebanho da inocência
Para a escuridão de repeti-los em vão,
Caminhando para o matadouro,
Mas certos de que encontrarão o sol.

Malditos sejam todos os que conspiram,
Que fazem da inocência e da incultura,
Os pães seus de cada dia, engordando-se
Com os que se supõem gordos e felizes.

Francisco Costa

Rio, 23/04/2014.
Busco-te
Em cada palmo e cada passo,
Em cada salmo e cada paço,
Ora lírico, ora envergonhado,
Certo de que adejas poemas,
Entre vírgulas e tremas,
No âmbito do só sonhado.

Imaginária criação, mote
E suposição, tema, adormeces
Sensualidade posta na colcha
Que te emoldura a coxa,
Pedaço único que entrevejo
A cada vez que antevejo
Teu vulto entre sonhos e versos.

Francisco Costa

Rio, 23/04/2014.
Beber do teu suco,
Teu sumo, na fonte,
Como um colibri
Embriagado e tonto,
Em revoada de encanto.

Provar do néctar doce
Que se esconde baldio
E se nega oferenda
Que não ao colibri
Que te sonha pousada.

Fazer eclodir canções
Nas asas mal satisfeitas
Em busca de novo voo
Em nova repetição:
No que se esconde
Êxtase e satisfação.

Francisco Costa

Rio, 17/04/2014.
Anuncio-vos em alegria
Quase infantil, aos pulos,
Que meus versos voltaram,
Adejam agora minha cabeceira,
Interessados novamente
Que eu os traduza e fixe,
Como um entomólogo
Fixando insetos com alfinetes.

Não orei, fiz preces, promessas,
Correntes... Apenas desejei
Que voltassem urgentes
E necessários como a namorada
Arrependida voltando,
Certa de que sozinha é só parte.

Eis-me de novo alternando
Analgésico e poesia,
Sem saber qual dos dois
Mais alenta e alivia.

Francisco Costa

Rio, 17/04/2014.
Ainda que distraída e distante,
Espalha sensualidade, impõe
Suspensão de respiração, silêncio,
Reticências na frase interrompida.

Não caminha, baila no espaço
Que a circunda e completa,
Palco onde se encena desejos,
Em ritmo que alucina e abate.

Toda sexo, se estampa luxúria
Em corpo ornamentado perfeito,
Como se fruto único, temporão.

Nascida para habitar imaginações,
Raramente se veste ou se protege,
Desnuda e vulnerável, rendida,
Nos crânios alucinados e tontos
De homens contritos, em oração:
Eu quero!

Francisco Costa

Rio, 15/04/2014.

LUA VERMELHA

A lua adolesceu,
Menina-moça,
Menstruou.

Em vermelho carmíneo,
Pura sedução rubra
Anunciou-se cheia,
Inteira, pronta
A ser musa integral.

Separado por nuvens
Chorei a sua ausência.

Ela me queria tutor,
Não me quer amante.

Francisco Costa

Rio, 15/04/2014.

quinta-feira, 17 de abril de 2014

Três dias sem nenhum verso.
Meus poemas migraram,
Fugiram da dor.

Covardes, egoístas,
Não me levaram.

Quero restaurar-me inteiro,
Mas eles se recusam,
Adejando inspirações outras,
Onde a dor é ocasional,
Não se transformou
Numa maneira de viver.

Mais que extirpar a dor,
Espero do cirurgião
Que devolva meus versos.

Francisco Costa

Rio, 17/04/2014.

segunda-feira, 14 de abril de 2014

Sempre essa rotina,
Amanhecer prenhe de poemas,
Ocasionalmente de contos,
Crônicas ou desenhos.

Que maldição é essa que me assola,
Reduzindo-me a mãos e olhos
Em reconstrução do mundo?

O que de fato se esconde
Nesse imperativo enfadonho
De reescrever o que está pronto?

Eu me queria outro e diferente,
Vazio de teorias, oco de hipóteses,
Sem me saber só mais um no rebanho.

Eu não me queria senhor de mim,
Mas em exercício de livre arbítrio,
Como um ponta de frente pro gol,
Em decisão crucial, se chuta ou passa,
Se arrisca ou se livra da bola,
Incumbe a outro a vaia ou a vibração.

Mas não, mero apêndice das mãos,
Repito-me automático na redação
De mim querendo-me outro.

Esta a minha liberdade:
A de não me permitir senhor
Porque nascido escravo de mim,
Essa permanente reclamação
Nascida para repetir sim.

Francisco Costa

Rio, 14/04/2014.

COSMOS

No mais íntimo de tudo purga,
Imanente e definitivo,
O testemunho da unidade.

Nada apartado e nada só,
Tudo um, atestado
Da unidade na diversidade,
Mera variação de movimentos.

Do átomo às galáxias o mesmo,
A mesma harmonia de teclados
Dedilhados por mãos invisíveis
Sonorizando luz e movimentos,
Em acordes diversificados
Estampando-se corpos e cores
Em infinitas possibilidades.

O universo é uma obra de arte.

Ao artista cabe as descobertas
O identificar nele o ar da poesia,
Destrinchando nota a nota
Os segredos não revelados
Dessa imensa e bela sinfonia.

Francisco Costa

Rio, 14/04/2014.
O irritante da nostalgia
É que ela se escreve
Oração sem sujeito.

A saudade é determinada,
De sujeito simples
E verbo transitivo:
Quem sente saudades
Sente saudades de alguém,
De alguma coisa, algum lugar.

Já a nostalgia é indefinível,
Oração sem sujeito
E complemento, só verbo.

Sentimos saudade,
Mas a nostalgia nos sente.

Por trás da saudade
O complemento.
Por trás da nostalgia
O nada.

A nostalgia é a poesia,
Que não é complemento,
Mas só um enunciado
Desse estranho sentimento.

O saudoso vive para voltar
E matar a saudade.
O nostálgico mata-se
Para viver o que não sabe.

Francisco Costa

Rio, 13/04/2014.
Fora daqui, longe,
Apartado de tudo,
Como ouvirei Beatles
E plantarei flores
Nas manhãs de sol?

Sem um corpo, como
Prover as horas com risos
E reclamar do tédio
Ditando versos tristes,
Cometer beijos
E me propor ao sexo?

Anônimo e já esquecido
O que farei do espaço
Que se me oferecerá
Infinito, em acorde
Com um tempo sem fim?

Contado já definitivo,
No inventário dos findos,
O que farei de mim?

O que dói é saber
Que essas respostas
Não virão em teoria
Mas por experiência,
Anulando a ciência
E matando a poesia.

Francisco Costa

Rio, 14/04/2014.