Súbito, acordei alado,
Com as asas com que sempre sonhei,
Emancipado do chão e da gravidade,
Irmão das nuvens e próximo do sol.
A princípio ensaiei vôos curtos,
Pairando vizinhos quintais,
Ruas das imediações, praças,
Vendo pessoas no afã de existir,
Absortas no provimento das horas.
Depois ousei, e ousando fui longe,
Vendo bois e soja onde havia
florestas,
Homens de peitos nus, suarentos,
Reduzidos a apêndices de enxadas,
Lavadeiras nas beiras dos rios,
Multidões em prece, e pressa,
Muita pressa na esperança de mudar.
Vi mansões de enumeráveis cômodos
E casebres de cômodo único, miúdo
E abafado, recheado de muita gente;
Jardins com piscinas e floradas
E jardins inundados pela enxurrada;
Vi iates e canoas, afogados e
afobados,
No mister de arrebanhar peixes e
pães,
Onde uns poucos arrebanhavam risos,
Fazendo da vida um cruzeiro de
férias.
Mais longe vi sangue, muito sangue
Tingindo petróleo e dólares, euros,
Transubstanciando-se fortunas
Gerando mais sangue e mais suor
Jorrando em cascatas de prantos.
Pela manhã procurei por minhas asas,
Em vão, eu as tinha perdido por aí,
Abandonadas em algum poema,
Talvez em algum conto ou crônica,
Num capítulo de novo romance,
Nos cabides da consciência.
Agora, comum como qualquer um,
Vivo para denunciar o que vi por aí,
Quando confundi meus olhos
Com asas, sobrevoando as casas,
Túmulos de vontades que bem sei
Um dia serão berços de realizações.
Nos humanos as asas estão nos olhos.
Francisco Costa
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