Falo-vos dos mortos,
Mas não dos que se despiram dos
corpos
E os abandonaram, a contragosto.
Falo-vos de outros mortos, presentes,
Dos que fugidos das guerras,
Sem entendê-las, habitam lugar
nenhum,
Nos acampamentos de refugiados,
Tendo deixado metade de si no mar.
Falo-vos dos que morreram na
pré-infância,
Porque reencarnados em corpos senis,
Precocemente, trabalhando na lavoura,
Sem saber de brinquedos e brincadeiras,
Sem uma juventude na memória.
Falo-vos dos que vegetam, plantados
em si,
Sem consciência e sem vontades,
Agindo por instinto, automaticamente,
Nos templos do consumo, em shoppings
E centros comerciais, ostentando-se
Só um corpo devorador de coisas
inúteis.
Falo-vos dos que criaram deuses
À própria imagem e semelhança,
Contrariando a razão e a realidade,
Tornando-se apêndices das próprias
crenças,
Simples inocentes na máquina de
produção.
Falo-vos dos sectários e extremistas,
Dos compartimentalizadores de tudo,
Colando etiquetas de identificação
Em cada semelhante: gay, pobre,
negro,
Estrangeiro, herege, puta,
comunista...
Senhores da razão dos sem razão.
Falo-vos, por fim e em definitivo,
Dos que se submeteram ao dinheiro,
E existem para amealhar e juntar,
Ainda que nunca venham a gastar,
Reduzidos a operações contábeis,
Lícitas ou ilícitas, honestas ou não,
Porque neles o sorriso só se
justifica
Em cifras e números, como as flores
Que justificam o cadáver no ataúde.
Estes os pais dos mortos,
Os fabricantes de mortos,
Porque insistem, sobrenaturais
E terríficos, em semear a morte,
Seja pela fome, com tiros ou
alienação.
Falo-vos de todos que, plantados,
Presos por sólidas raízes,
Acreditam que caminham.
Os mortos vivem,
E habitam entre nós.
Francisco Costa
Rio, 02/11/2016.
(Dia de finados)
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