sábado, 19 de novembro de 2016

RESCALDO DO NÃO ESQUECIDO

Saudade de um tempo distante,
Com floreiras nas varandas
E meninas nos portões.

Saudade das missas de domingos,
Das quermesses e festas juninas,
Do futebol na chuva,
No campo improvisado.

Saudade das matinês,
Dos bang bangs, dos meus heróis,
Inspirações dos primeiros contos,
E das minhas primeiras paixões,
Nascedouros dos versos que perdi.

Saudade da amora e do jamelão,
Da primeira caixa de lápis de cor,
Do pôquer dos tios, do buraco,
De toda a família reunida,
Recitando sorrisos e cantando alegria.

Saudade do primeiro beijo,
O primeiro seio na mão,
O primeiro corpo nu,
Antevisão do paraíso anunciado
Na descoberta da sensualidade,
Força motriz da criatividade
Que me obriga às tintas e às palavras.

Saudade dos muitos livros e da rede
Onde viajei sonhos e ancorei vontades,
Invejando os moços que escrevem,
Me prometendo pelo menos tentar,
E tentando fazer disso o meu ofício.

Saudade do pai, calças arregaçadas,
Pescando os almoços da semana toda,
Entre puçás e anzóis, comigo junto,
Antes que o câncer o pescasse,
Para eu só reencontrá-lo no Santiago,
Quando encontrei Hemingway
Brincando de O Velho e o Mar.

Saudade do vô que me ensinou tudo
Sem nunca ter alterado a voz,
Das mulheres da família, entre panelas
E conversas fora do meu alcance.

Saudades das muitas latas com terra
E plantas que eu furtava nos jardins
E dos peixinhos nos potes de vidro.

Saudade tanta, saudade muita,
Como se com parte perdida,
Apartada do que eu trouxe até aqui.

A velhice é turismo na infância
Sem que o corpo acompanhe.

Francisco Costa
Rio, 03/08/2016.



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