(Ouvindo Mozart às três horas)
A religiosidade que em mim se
manifesta
É feita de dúvidas e desconfianças,
De inquirir e perquirir, conjecturar,
Num vasto oceano de hipóteses.
Invejo os que têm tudo certinho,
Devidamente ordenado e claro,
Acreditando na divindade de acesso
fácil,
Exposta em livro autobiográfico,
Embora redigido por homens.
Entre a passividade de coisa criada
E o ser ativo que complementa a obra
Percorro labirintos de incógnitas,
Fazendo-me ponte entre o declarado,
O que se põe explícito e
insofismável,
E as derivações dos meus pensamentos.
As religiões existem como rédeas,
Cordões de contenção, paredes e muros
A serem arrebentados e demolidos,
Até que só restem convicções
individuais,
Como outrora, entre os nossos ancestrais.
Nossos sentidos são limitados,
Mais escondem que revelam,
E daí a necessidade da busca fora
deles.
Mas como imaginar o inimaginável,
Se o que em mim habita e me conceitua
Me chegou por cada um dos sentidos?
Não vejo o ultravioleta e o
infravermelho,
Não ouço os infra e ultra-sons,
Não individualizo odores, se
misturados,
Nem sabores, quando juntos,
O que só me mostra parte da
realidade.
Como então ousar descortinar
verdades,
Se elas me chegam parciais e
condicionais,
Do tamanho do que sei, embaladas
Em caixas estanques, empilhadas
De modo aleatório e caótico,
Exigindo-me decifração?
Como, sem acesso ao imediato e
simples,
Buscar o que se esconde por trás,
Muito adiante, senão infantilmente,
Fazendo do mundo a minha imagem,
Extensão de mim, mas nos meus
limites,
Identificando sem fazer semelhante,
Senão pra mim, pobre crisálida
Sem saber das borboletas?
Diante do infinito e da eternidade,
Somos só um acidente cósmico
De curta e efêmera duração,
Buscando-se infinito e eterno,
O que seria só tédio e cansaço,
Não fosse a existência de um Deus
Justificando o que para mim
injustificável.
Entre a alvorada do berço
E o entardecer do túmulo,
Intriga-nos e assusta
A noite que não temos na memória.
Francisco Costa
Rio, 23/10/2016.
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