domingo, 21 de dezembro de 2014

FLORES MUTILADAS

Não, não te podes namorada,
Menos amante, no máximo musa.

Como amá-la virtual,
Uma foto de perfil,
Sem cheiros e asséptica,
Imóvel, em sorriso congelado
E sexo só imaginado?

Como segredar-lhe coisas
E arrancar confidências
Senão em banais frases digitadas?

Como tê-la nas mãos, trêmula,
Despida do pudor, em oferenda
De fêmea integral, e não só ideia,
Imaginação, registro de incógnita,
Infertilidade de masturbação?

Eu a queria natural e absoluta,
Mais que matéria para versos,
Mas os próprios versos,
Escritos com hormônios e suor,
Sobre a pele excitada, em ritual
Que não se basta nos dedos,
Confundindo cama e teclado,
Como uma flor decepada,
Na jarra, querendo-se íntegra,
Plantada no jardim.

Já conheço essa história,
Sei que dói muito no fim.

Se ao cego uma flor não tem cor,
Resta-lhe a textura da pétala
Acariciando o tato; o perfume,
Anunciando “eu sou uma flor”,
Ao contrário dos virtuais amores,
Inaptidão total dos sentidos,
Inúteis e dispensáveis,
Anunciando o nada
Que digitaríamos nas madrugadas,
Semeando flores mutiladas.

Francisco Costa

Rio, 20/12/2014.

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