sexta-feira, 5 de dezembro de 2014

FANTASMAS QUE AFLIGEM

(Recordações da infância)

Molequinho ainda, em tenra idade,
Mais cueiros que cuecas,
Descobri atividade prazerosa,
Subir no muro,
Com os pés numa pedra,
E olhar para a casa do vizinho.

Explico: ele construiu um laguinho
E semeou multicoloridos marrecos.
Passei horas da infância, muitas, lá,
Deliciado no encanto dos sete anos.

Logo eu os conhecia a todos
E até os nomeei, roubando pão,
Biscoitos na despensa,
Arroz nas panelas, para os amiguinhos,
Mais comprometendo a miséria familiar.

Logo aprenderam que nas minhas mãos
Residia a providência e a previdência,
E eu passei a atirar pedras na água,
Para que mergulhassem, iludidos,
Pensando que era comida.

Um dia, distraído, em plena displicência,
Errei o lago e acertei o bico de um filhote,
Aleijando-o, e o que era exercício de prazer
Passou a atividade da dor: em todos os dias,
Masoquisticamente, eu subia no muro,
Não mais para ver marrequinhos nadando,
Mas para olhar para um só, e chorar,
Diariamente, por agônicos meses.

Passaram-se os anos, décadas e,
Não sei se ele morreu de velho ou de panela,
Se chegou a se reproduzir, a ser feliz,
E só o que me consola é a minha dor, maior:

Aquela pedra que o mutilou por poucos anos,
Talvez só por alguns meses,
Dói em mim ainda hoje, meio século depois,
Mantendo-me ainda meio mutilado,
Reduzindo-me a só um marreco triste
Com o bico quebrado.

Francisco Costa

Rio, 02/12/2014.

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