domingo, 21 de dezembro de 2014

DE GAIOLAS E PÁSSAROS

E se te tornasses inválido,
Embora de pernas perfeitas,
E a ti fosse oferecida comida,
Em nauseante repetição,
Sem variação de cardápio,
Mudanças de temperos,
Num monótono ritual de repetição?

Se num vasilhame contaminado
A água te esperasse com poeira,
Patógenos, sujeiras outras,
Sem outra opção para a sede?

E se tivesses que caminhar em tédio
Sobre as próprias fezes, descalço,
Pisando-as a centímetros da comida?

E se da janela pudesses ver o mundo,
Sem acesso a ele, longe tão perto!

E teus pares te acenassem de longe,
Sem a menor possibilidade de abraços?

E se os teus lamentos tristes, repetitivos,
Fossem tidos como uma ária de felicidade,
Canto de realização e bem viver,
Sem tradução na lágrima que esconderias?

Talvez fosse bom que isso acontecesse,
Ainda que por pouco tempo, só um susto,
Para que te sentisses uma ave na gaiola,
Sem saber da diferença do sol e da chuva,
Do domingo e da segunda feira,
Inútil a si mesma,
Reduzida a simples máquina
Que se repete resignada,
Até que a morte a alivie.

Francisco Costa

Rio, 14/12/2014.

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