domingo, 21 de dezembro de 2014

FLORES MUTILADAS

Não, não te podes namorada,
Menos amante, no máximo musa.

Como amá-la virtual,
Uma foto de perfil,
Sem cheiros e asséptica,
Imóvel, em sorriso congelado
E sexo só imaginado?

Como segredar-lhe coisas
E arrancar confidências
Senão em banais frases digitadas?

Como tê-la nas mãos, trêmula,
Despida do pudor, em oferenda
De fêmea integral, e não só ideia,
Imaginação, registro de incógnita,
Infertilidade de masturbação?

Eu a queria natural e absoluta,
Mais que matéria para versos,
Mas os próprios versos,
Escritos com hormônios e suor,
Sobre a pele excitada, em ritual
Que não se basta nos dedos,
Confundindo cama e teclado,
Como uma flor decepada,
Na jarra, querendo-se íntegra,
Plantada no jardim.

Já conheço essa história,
Sei que dói muito no fim.

Se ao cego uma flor não tem cor,
Resta-lhe a textura da pétala
Acariciando o tato; o perfume,
Anunciando “eu sou uma flor”,
Ao contrário dos virtuais amores,
Inaptidão total dos sentidos,
Inúteis e dispensáveis,
Anunciando o nada
Que digitaríamos nas madrugadas,
Semeando flores mutiladas.

Francisco Costa

Rio, 20/12/2014.
Ei de te amar sempre e muito,
Desavisado e distraído,
Em sofreguidão de ressacas,
De mar escalando pedras
Para deitar, solícito, na areia.

Amar de amor louco, desvairado,
Capaz de desatinos e desastres,
Reduzido a um ramalhete
Na minha mão, no teu portão,
Molhado de chuva e de tesão.

Desses amores irresponsáveis,
Imunes a relógios e a observadores,
Alheio aos calendários, de presença
Intermitente e cotidiana, frequente,
Como um inseto na lâmpada, bêbado
De claridade e calor, girando, girando,
Até que exausto e realizado sucumba,
Vítima do que o aqueceu e iluminou.

Francisco Costa

Rio, 20/12/2014.
Como uma velha árvore carcomida,
Vítima das intempéries e do tempo,
Vergo-me ao vento do que incomoda,
Impondo versos tristes e dissabores,
Reduzindo-me a pálido vulto do que fui.

Enternecido de mim mesmo,
Em autopiedade explícita, assumida,
Choro-me arquétipo da dor, latejares
De desejos inalcançáveis, arquiteto
Do que se constrói escombros, arruinado.

Sim, há o sol, eu sei, luz debruçada
Sobre o infinito e a eternidade,
Possibilidades de novas primaveras,
Musas de plantão, me esperando,
Orientações para novos sorrisos...

Mas, mago de poderes perdidos,
Insisto nesta ancestral tristeza,
E sem nenhuma explicação,
Como uma folha à deriva, que
Por estar à deriva a si se justifica
Árvore de si perdida.

Francisco Costa

Rio, 19/12/2014.

ASSISTINDO TELEVISÃO

Com olhos que me orientam no caos,
Degluto notícias, fatos, passivo
E desorientado, mero assistente
Do que se consuma e me consome.

Um moço roubou a estatal e o povo
Deitado na praia, assistindo a novela
Das seis, sete, nove, intercalando
Telejornais e comerciais confundidos
Com a tribo tabajara em autofágico
Ritual de comer-se por inteira,
A começar pelo crânio no shopping,
Perdido entre promoções e goiabada.

Um papai Noel bêbado dança na rua,
Entre coristas e bailarinas nuas,
Arregimentando pastores na coleta
De dízimos e balas perdidas, camelôs
Apregoando panaceias para verrugas,
Esclerose múltipla e múltiplos apelos
Na passeata desgovernada e tonta,
Pedindo mais porradas e repressões,
Expropriações nos obesos bolsos
E bolsas, contas bancárias do povo.

Rugem motoqueiros e policiais,
Boeings e milicianos, o som do vizinho,
Alternando tiros e música gospel,
Peixinhos ornados de papel dourado,
Em olímpicos nados livres no aquário
De sílex e petróleo, mutilado e manco,
Em artificiais explosões de sorrisos,
Orgasmos contidos, compras e vendas
Apregoadas pelo político no inquérito,
Jurando a inocência dos Judas e silvérios
Cultuados alternativas na programação
Que em outro canal é banal repetição.

Chovem empreiteiras e dólares,
Femininas bundas, promoções
De eletrodomésticos, computadores
Prontos para a conexão com o nada,
Multicoloridos e de poucos dígitos,
Palatáveis e perfeitamente inúteis
Como um poema indignado e louco,
Sem dizer absolutamente nada
Porque dizendo tudo implícito,
De maneira figurada.

Francisco Costa

Rio, 17/12/2014.
Cuidado, menina,
Há aqui um coração mutilado,
Cheio de curativos e cicatrizes,
Impulsionado pelas lágrimas.

Se chegas bálsamo, terapia,
Imunológicas carícias,
Células tronco de reconstrução,
Bem vinda, acomoda-te.

Mas se trazes dissimulados punhais,
Espinhos escondidos, farpas e ciscos,
Apieda-te deste flácido músculo
Dividido entre a agonia da espera
E a decepção de mais uma chegada,
Prenúncio de conflito e derrota.

Vai e leva teu corpo surpreendente,
Para que ele não fique hemorragia,
Um pulsátil relicário de fantasias,
Tosco, morrendo aos poucos,
Vertendo dor, saudade e poesia.

Francisco Costa

Rio, 17/12/2014.
Percorro-te inteira
Em salivares impressões
De umidade e calor,
Quase todo língua,
Apêndice subtraído
Do que era calmo.

Agreste peregrino,
Piso teu solo de carne,
Subo íngremes ladeiras,
Repouso em vales
E remansos úmidos
Plantados com pelos.

Suas, soas, cias gotas,
Me irrigando com o suor
Que dilui hormônios
E faz rijo, rubro, vivo,
O que de outra maneira
Seria alheamento e morte.

Francisco Costa

Rio, 16/12/2014.
Sempre que me bate essa vontade de ausência,
De não estar em mim, mas no mundo e em cada um,
Municio-me de asas e, anjo vagabundo, saio por aí,
Inquirindo o que me realiza ou aflige, observando
O conhecido e por conhecer, buscando razões
E motivos, coroando-me rei da criação e de tudo,
Em onírica alucinação, prostrado ao que fascina.

E quem me olhasse nesses momentos de fuga
Mais não veria que um menino de corpo ancião
Debruçado sobre o teclado, viajando utopias,
Senhor do mundo porque longe de si mesmo
Preso entre versos de mais um poema.

Francisco Costa

Rio, 14/12/2014.
Eu, mal contida hemorragia de palavras,
Todo nervos expostos, quase agonia,
Pretendente de só adendo da poesia,
Essa mundana de muitos donos,
Sempre pronta a posses e doações,
A cópulas com espíritos sensíveis,
Cobrando só o michê da atenção.

Eu, temporal de sentires contraditórios,
Avalanche que se exige ordenação,
Partícula apartada do todo, degeneração
Do que se pretendeu sensatez e calma,
Do alto da minha loucura proclamo
A insuficiência dos sentidos,
A limitação de estar num corpo só.

Por isso essa necessidade urgente
De me fazer rebeldia no conservadorismo,
Um cisco no olho dos acomodados,
Topadas em pés parados ou para trás,
Temporal na praia dos satisfeitos.

Por isso a necessidade de poemas,
De rasgar as cortinas do obscurantismo
E deixar penetrar a luz que amplia sentidos
E junta corpos em sexo ou socialismo.

Francisco Costa

Rio, 14/12/2014.

DE GAIOLAS E PÁSSAROS

E se te tornasses inválido,
Embora de pernas perfeitas,
E a ti fosse oferecida comida,
Em nauseante repetição,
Sem variação de cardápio,
Mudanças de temperos,
Num monótono ritual de repetição?

Se num vasilhame contaminado
A água te esperasse com poeira,
Patógenos, sujeiras outras,
Sem outra opção para a sede?

E se tivesses que caminhar em tédio
Sobre as próprias fezes, descalço,
Pisando-as a centímetros da comida?

E se da janela pudesses ver o mundo,
Sem acesso a ele, longe tão perto!

E teus pares te acenassem de longe,
Sem a menor possibilidade de abraços?

E se os teus lamentos tristes, repetitivos,
Fossem tidos como uma ária de felicidade,
Canto de realização e bem viver,
Sem tradução na lágrima que esconderias?

Talvez fosse bom que isso acontecesse,
Ainda que por pouco tempo, só um susto,
Para que te sentisses uma ave na gaiola,
Sem saber da diferença do sol e da chuva,
Do domingo e da segunda feira,
Inútil a si mesma,
Reduzida a simples máquina
Que se repete resignada,
Até que a morte a alivie.

Francisco Costa

Rio, 14/12/2014.
Som que ecoa nas minhas entranhas,
Tua voz é apelo, pedido, ordem posta,
Toda uma sinfonia que se estampa doce,
Melodiosa, em oposição ao silêncio,
Semeadura e safra na tua ausência.

Ainda que eivada de raiva, contrariada,
Permanece vestida de encanto, leve,
Em apelo de fim ao que contraria,
Suave contraponto entre beijos, sorrisos,
Esbanjando o que me subjuga e redime.

Se insegura, trêmula ou indecisa,
Mais sobressai o que seduz e fascina,
Arregimentando desejo ardente
De adoção e afagos, proteção,
Em temporária e incestuosa paternidade.

Triste, saudosa do que não sei, distante,
Apenas balbucia solidão e ausência,
Obrigando-me a ouvidos atentos,
Mas inúteis, tristemente inúteis,
Como mãos querendo segurar sombras.

Francisco Costa

Rio, 13/12/2014.

ANÔNIMOS CRISTÃOS

Falo-vos dos cristãos que não aceitam o Cristo,
Porque ateus, uns, ou doutos na especulação,
Debruçados sobre história e filosofia, outros.

Falo-vos dos que partilham por partilhar,
E dividem por dividir,
E não como investimentos
A serem ressarcidos em supostos reinos.

Dos que põem a moral e o pudor, a probidade,
Como norma de viver e ferramenta de realizar,
Sem medos de infernos e reencarnações cruéis,
Agindo por natural impulso de retidão e bondade.

Falo-vos dos que se doam, integrais, ao exercício
Da construção de um mundo melhor, esquecidos
De si, da própria salvação, para viverem o coletivo.

Falo-vos dos que não compram vagas em céus,
Paraísos, reinos, edens... Doando dízimos,
Fazendo ofertas, ajoelhando-se em missas,
Senão doando-se a si mesmos integrais
Em passeatas, pagãs procissões, e comícios,
Heréticos cultos, na busca de melhorar o rebanho,
Vestindo, educando, alimentando as ovelhas,
Querendo-as senhoras de si, conscientes, certas
De que, cristãs ou não, cultuando ou não,
São todas iguais na diversidade de portes e pelagens,
Escravas das necessidades cesarianas, mundanas,
De só solução no mundo, no reino de César,
Onde os que negam isso negam para fazer fortunas.

Falo-vos das militâncias políticas, que como cristãos,
Não guardam sábados nem domingos, feriados,
Sacrificando noites e famílias, no compromisso
Pessoal e intransferível
De se doar ao próximo e não a si,
Na suprema ilusão de que cada um é sozinho,
Em contradição com o que nos tratou por rebanho,
Por suas ovelhas, as quais nenhuma perderia.

Falo-vos dos que negam o Cristo
Porque não se saberem os verdadeiros cristãos.

Francisco Costa

Rio, 13/12/2014.
Ouço acordes de guitarras,
Não sei se lamentos em blues
Ou introito de rock progressivo,
Se permanecerá só lamentos
Ou caminhará para apoteótico final.

Sentidos atentos, concentrados,
Navego em ondas sonoras,
Sem saber se para o clímax
Ou o repetir-se eterno, monótono,
Em variações que não mudam.

Agora uma ritmada bateria,
Ordenando a cadência
E obrigando ao balanço,
Ainda que involuntário.

Presa de mim mesmo, rendido,
Impossibilitado de me impedir,
Como uma folha no vento,
Abandono-me parte dessa sinfonia,
Sem saber se blues ou rock progressivo.

Francisco Costa

Rio, 12/12/2014.
Margeio-me com medo de penetrar.
Também trago escuridões, vazios,
O que nem eu mesmo admito,
Em dialética luta com a luz,
O preenchimento, o fazer-se bom.

Meus versos nascem nos intervalos
De contraditórias refeições,
Comigo mastigando doce e fel,
Vagando umbrais e o céu, retalhado,
Buscando identificar cada pedaço.

Há em mim o sono dos séculos,
O despertar do amanhã,
A curiosidade da criança diante do inseto,
Vontades secretas de mulher abandonada.

Entre sístoles e diástoles, o meu coração,
Pendular cofre de apreensões, oscila,
Alternando-se no tédio e na ação,
Sempre prestes a parar porque cansado,
Sem vislumbrar novidades e diferenças,
Incapaz de enterrar os meus mortos,
Parentes, uns, só ideias, outros.

Tenho portas, janelas onde me permito
A hóspedes de curtas permanências
E por onde me saio para passear distraído,
Esquecido dos meus medos, meus escuros,
Minhas vontades abortadas, os meus mitos.

Francisco Costa

Rio, 12/12/2014
Hirta, erótica, fálica,
A palmeira deflora o espaço,
Em vais e vens no vento.

Com luminescência dourada
O sol lubrifica-lhe as folhas
E permite a sombra, pudor
Projetado na areia quente,
Cama de cópula anunciada
Nesta manhã iluminada,
Abrigo de possibilidades
E sonhos.

Francisco Costa

Rio, 12/12/2014.

O REI SOL TAMBÉM É SÚDITO

Bom dia, rei sol.
Atento leitor da realidade,
Buscando exemplos e lições,
Hoje acordei pensando em ti.

Soberano e onipresente,
Iluminando cada canto do planeta,
Em ti repousa a existência:
Os fenômenos climáticos,
O equilíbrio ecológico, a geologia,
A possibilidade de vida.

Somos submissos e dependentes
Da tua existência obrigatória
E necessária, sem a qual, nada.

Gigante, por liames invisíveis
Prendes muitos planetas outros
E mantém sob jugo os cometas
E asteroides, a poeira cósmica,
Como ninhada tua, vigilante.

Se se zanga ou reequilibra,
Em explosões solares
Os sinais do teu humor
Percorrem trilhões de quilômetros,
Contaminando com ondas fatais,
Interferindo em cada partícula.

És poderosíssimo, amigo!

Mas afasto o olhar e me decepciono:
Estás só numa galáxia
Entre bilhões de galáxias,
Cada uma delas com bilhões de sóis,
A maioria, maiores e mais quentes,
Mais brilhantes e estáveis,
Já que és apenas de quinta grandeza,
Coisa pouca diante do infinito.

Procuro-te e descubro que giras
Nos subúrbios da Via Láctea,
Na periferia da galáxia,
Quase anônimo e desimportante
Na dança cósmica, só coadjuvante.

Examino-te a evolução e...
Um de dois fins, inexoráveis:
Apagar-se, sem combustível,
Como uma vela que a si se consumiu
Ou ser tragado por um buraco negro
De bocarra aberta te esperando.

És limitado, amigo.
Como eu, nasceste para morrer,
Com existência limitada, só um elo
Contraditório e efêmero
Na relatividade de tudo.

(A cada dia que anoiteço,
Recolho-me ao anonimato,
É um dia a menos de vida,
Como na tua também).

Sempre que apareces e te anuncias,
Em cada uma das minhas manhãs,
Reverencio-te pelo serviço prestado,
Jamais em apologia ao teu poder,
Porque limitado e circunstancial,
Como o meu, que só se exerce
E manifesta sobre o que é menor,
Na suprema ilusão de uma importância
Que reside na ignorância,
De não sabermos da nossa insignificância,
Só um detalhe na relatividade de tudo.

Francisco Costa

Rio, 12/12/2014.
Lágrima, salgada porção,
Diminuta gota, pedaço
De uma alma que se desfaz
Líquida, escorrendo triste
Por razões que só ela sabe.

Lágrima, essência humana,
Alienação do essencial,
Dor diluída em desânimo,
Escorrendo testemunha
Do que incomoda e abate.

Lágrima, jejum de sorrisos,
Vazio entre atos, vácuo
De realizações, espaço
Onde habita o que falta.

Lágrima, exercício inútil
De superar-se imediato
Para sentir-se feliz.

Francisco Costa

Rio, 11/12/2014.

quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

Talho exato
Em carne marcado
Teu sexo
Emancipa sonhos
Que eram desejos
No sono da ausência.

Simétrico e quente
Geométrico e doce
É música no silêncio
Alvoreceres, dádiva
A olhos atentos
E disritmias em curso.

Como então dizer não
Se pulsa e chama
Quase clama
Em promessa
De um paraíso
Que se ostenta na cama

Úmido
Túrgido
Pronto,
Esperando só
Que eu me dispa do encanto
E comece?

Francisco Costa

Rio, 09/12/2014.

UM QUASE POEMA COM RAIVA

(Em resposta a um indigente mental)

Então queres que eu me assuma bolivariano?
O que é isso? Alinhamento com a Bolívia
Ou o assumir os ideais de Simón Bolívar?

Se por bolivariano entendes o revoltado
Que cansou de ver o sangue nordestino
Transformado em hot dog e corn flakes,
Nas lanchonetes da Wall Street e 5ª avenida;
De chorar pela legião de miseráveis,
Filhos do saque, da expropriação, do ódio...

Ou talvez porque não aceite o nosso solo
Aberto, craterado, como vaginas expostas
Nos prostíbulos do capital, gigolô impiedoso
Saciando-se de minérios em troca de maus tratos...

Quem sabe se porque invisível âncora
Mantêm-me atrelado ao meu país,
 Cansado de ser pasto dos que aqui pastam e cagam?

Não seria por essa minha ojeriza ao que não se quer
Fome, indigência, carência... Cultivando a inocência
De crer que todos os homens são iguais, merecedores
De partilharem a riqueza e a miséria, risos e lágrimas,
Sem beneficiários, privilegiados, proprietários de todos?

Ou porque se, sociologicamente daltônico,
Não percebo diferenças entre brancos e negros;
Analfabeto nas matemáticas, eu não consigo
Medir dimensões por quantidade de dinheiro nos bolsos?

Não sei, mas se for pelos motivos que apontei...
Sou réu confesso: bolivariano sim, e possesso!

Francisco Costa

Rio, 06/12/2014.
Sub-reptícia e sorrateira,
Navegando dissimulação,
Ela se nega enquanto se dá
Porque sempre longe,
Em sonhos pessoais,
Não compartilhados.

De doação ocasional,
Alternando amantes,
Prima pela impaciência,
Pela urgência de partir,
Ave de voo arredio,
Sem paradeiro ou ninho.

E quem a vê assim,
Voluntariosa doando-se,
A imagina dividida,
Sem saber que,
Esteja com quem esteja,
Está sempre sozinha,
Buscando-se onde não está.

Francisco Costa.

Rio, 09/12/2014.
Prostro-me rendição aos teus olhos,
Mágicas gemas que seduzem,
Submetem, fatais e definitivos.

Materializações do encanto, fontes
De quase líquido brilho, amanhecem
Concorrentes do sol, sóis a mais.

Se choram, as lágrimas não bastam
Para sequer umedecer, imunes
Às alterações que ofuscam o belo.

Sorrindo, projetam o indescritível,
O que não se pode poema ou flor
Porque menor que qualquer coisa.

Indiferentes, apenas brilham;
Distraídos, orbitam a sedução;
Fechados, inauguram as noites.

Francisco Costa

Rio, 09/12/2014

OUVINDO BARRY MANILLOW

Perdido entre acordes,
Frases musicais,
Respirando nas pausas
Para amanhecer sustenidos,
Talvez bemóis acanhados,
Em contraponto ao que encanta,
Navego recordações.

Meu coração, pendular angústia,
Oscila em compasso binário,
Escorrendo fácil e delicado,
Arrastando a inspiração,
Este mistério dos sentidos
Desafiando tradução imediata,
O que faço derramando-me em versos,
Deslizando pincéis e espátulas,
Namorando a flor mais bela estampada,
Ornando o jardim e esse meu momento.

Apêndice da caneta que escorrega
Ritmada, dançando, observo-me
Só um detalhe no que me completa.

Francisco Costa

Rio, 10/12/2014.
Caos imposto ao que alucina, teu corpo,
Alucinógena forma, anuncia-se totalidade,
Mais que tudo o que pode ser abarcado
E submetido, compreendido com exatidão.

Rasgo no espaço, condensa encanto
Quando se anuncia protuberâncias,
Saliências e reentrâncias, curvaturas
Em côncavos e convexos ângulos
Estabelecendo a geometria da perfeição.

Francisco Costa

Rio, 10/12/2014.
Beije-me agora,
Antes que o véu da noite me ausente,
Me arraste para o eternamente,
Sem que eu tenha experimentado.

Beije-me, ainda que sem sofreguidão,
Um beijo mais de amigo que de amante,
Mas o bastante para matar a aflição.

Beije-me, ainda que só um roçar de lábios,
Simples toque distraído e passageiro,
Mas suficiente para reerguer-me inteiro,
Mais que dois lábios desejosos, ansiosos,
Em angustiada espera, com medo
De secarem saudosos.

Francisco Costa

Rio, 05/12/2014.

sexta-feira, 5 de dezembro de 2014

Navegar, simplesmente navegar,
Velames ao vento, talhando ondas
Como se porção do que basta e sacia,
Sem bússola, carta marítima, destino,
Navegar, simplesmente navegar.

Vestir-se com o barco, ser parte dele
Na vulnerabilidade dos temporais,
Nas incertezas das borrascas emocionais,
Na luta para manter-se emerso,
Vivo, na insistência de prosseguir,
Ainda que abrolhos e escarpas, pedras
Nos esperem, pontiagudas e duras,
Na semeadura dos naufrágios.

Navegar, simplesmente navegar,
Íntimo do timão, amante da cordoalha
Que nos ata ao destino por antecipação,
Sonhando paradisíacas praias, enseadas
De brisa mansa e sol a pino, esperando.

Navegar, simplesmente navegar,
Íntimo das estrelas, as do céu e do mar,
Em colóquio com peixes, fiéis amigos,
Testemunhas únicas de um velho na proa,
Buscando horizontes, na certeza que não há,
Porque esse o destino do nauta:
Navegar, simplesmente navegar.

Francisco Costa

Rio, 04/12/2014.
Bastam-me os teus olhos,
Porque o resto virá junto.

Que brilho é esse, vítreo
Ou adamantino, estelar,
Sei lá, reluzindo reflexos
Que inebriam e apartam,
Reduzem à contemplação?

De onde vem essa energia,
Solar cintilação, vórtice,
Efervescência, explosão
De encanto estampado
Em dois olhos me olhando?

Prisioneiro do que emanas,
Ofereço-me sombras,
Negritude compacta,
Qualquer coisa escura,
Sedenta de luz e vida,
Esperando o teu olhar.

Francisco Costa

Rio, 03/12/2014.
Você, dependente do sinal da net,
Do mensal e sagrado salário,
De saciar a sede de comprar,
Comprando, esperando bênçãos,
Graças, bem aventuranças,
Que amanhã faça chuva ou sol,
Certo de que tudo fora,
A ser incorporado, absorvido,
E nada dentro, lhe habitando...

Você é oco e isso o explica
E justifica.

Triste é que quem não tem
Não pode dar, só esperar...
Até que a morte lhe seja dada,
Graça porque libertação
Da desgraça de só esperar.

Francisco Costa

Rio, 05/12/2014.
Resgate de porção exilada,
Cada poema é único,
Preciso e irrepetível
Porque um gutural grito:
Lançado ao mundo
Não voltará à garganta.

Poema repetido é eco,
Plágio do grito original,
Repetição da dor que,
Por bis, já é conhecida,
Trivial e suportável.

Busque em cada poema
Não o que ele diz
Mas o que esconde
Disfarçado nas palavras.

Encontrando, entregue-se
E confesse o crime:
Você tornou-se cúmplice.

Francisco Costa

Rio, 05/12/2014.
Ninguém está obrigado
A produzir provas contra si.
Está na lei e cumpro.

Não direi, então, eu te amo
Ou confessarei noites insones,
Vagando entre o escuro e as estrelas,
Determinado a procurá-la, imediato
E solícito, em capitulação de apaixonado.

Não admitirei poemas escondidos,
Clandestinos porque provas,
Testemunhos de um coração culpado,
Recusando-se a confessar eu te amo.

Não assumo as culpas que tenho
E assentir com as acusações nem pensar.

Permanecerei calado, em mutismo
De culpado arrependido,
Chorando em versos.

Passado o tempo, vencidas as provas,
Por decurso de prazo ou esquecimento,
Aí sim, estarei pronto para repetir o delito,
E no delito confessar: um dia eu te amei!

Francisco Costa

Rio, 05/12/2014.
Música é...
Instante suspenso da eternidade,
Parcela do infinito fixada em som,
Revelação da precariedade de tudo,
Superação de sentimentos mortos
Ressuscitados em acordes e notas
Nascidos da engenhosidade humana
Derramando-se no espaço,
Como caldo de encanto e magia,
Cores sonoras, invisíveis e anunciadas,
Colorindo tudo. 

Francisco Costa

Rio, 05/12/2014
Entre madrigais e margaridas,
Estrelas cadentes e carnavais,
O tempo vai debulhando a vida,
Esse intervalo de eventos
Ao caso, como os ventos.

A moça que esperou em vão,
O grito perdido na multidão,
A carta do suicida, o ás de paus
No complemento da sequência,
O vira latas farejando lixo,
O político em discurso, a criança
Remanejando as marés, a mulher
Seminua, dormindo no calendário.

Atento e compenetrado,
O poeta apenas registra.

Francisco Costa

Rio, 05/12/2014.
Então pedes-me educação
E boas maneiras no poema.
Exiges que me mantenha contido
Em meus ímpetos e diatribes
Ou que cale sobre coxas e peitos,
Anunciando-me casto e pudico.

Pode-se à gaivota dizer pouse
Ou ao sol apague-se,
Senão exigindo que se neguem
E desnaturalizem, pereçam,
Porque negações de sol e gaivota?

Solícito ao que pedem os poemas,
Apenas digito. Se bem comportados,
Alguns, ou das sarjetas, dos bares
E prostíbulos, nada tenho com isso,
Apenas digito. Cobre deles.

Rebeldes, raios X do que escondemos,
Exigir que escondam o que carregam,
É fazê-los iguais a nós
E aí não serão mais poemas,
Mas nós mesmos no espelho,
Com as virtudes na testa
E o que envergonha, nas costas,
Cínicos, desavergonhadamente.

Francisco Costa

Rio, 05/12/2014.
Chove e faz frio, e a velhice é isso.
Em pijamas e arrepios,
Revel da chuva,
Não corro no terreno baldio,
Entre relâmpagos, todo molhado,
Na busca do gol adversário,
Ou salto muros alheios e proibidos,
Na busca do fruto que o vento caiu,
Imune a espirros e tosse, a calafrios,
Como se gota a mais no temporal
Que acumulará água até me afogar
Em pijamas e arrepios,
Revel da chuva,
Só um velhinho na janela, encolhido,
Esperando a chuva parar.

Francisco Costa

Rio, 05/12/2014.
Assim, diante do mar,
Como não nerudar,
Pessoar, drumondiar,
Deixar-se escorrer em versos,
Entornar-se em letras, palavras,
Em gênese e fim porque tudo
Restrito aos sentidos atentos
Encarcerando mundos em poemas?

Francisco Costa
Rio, 05/12/2014