Sim, o
apocalipse já aconteceu
E o mundo já
acabou.
O mundo em
que vivi não tinha micróbios,
Partilhávamos
pratos e talheres, frutas,
De boca em
boca, sem óbitos,
E água
filtrada só na moringa de barro,
Revestida de
limo por dentro.
Os meninos
tomavam banhos de chuva,
Imunes a
espirros, pneumonias e viroses
(os vírus
não viviam na chuva e o contágio
Ainda não habitava
na ignorância de acreditar nisso).
O sexo não
era intermediado por preservativos
E as
mulheres tinham cheiros individuais,
Sem a
padronização dos desodorantes íntimos.
Pescávamos
em valas infectas,
Inundando
potes com peixinhos e bosta
E não
morríamos disso.
Transgressores
dos ditos pelos pais,
Violávamos
cercas e escalávamos muros,
Na busca do
fruto mais doce,
Da carreira
mais divertida, da raiva
Do dono do
pomar se desfazendo em pragas.
Roubávamos
beijos
E
descrevíamos o sexo que nunca fizemos,
Entre
bolinhas de vidro, papel e bambu no céu
E apelidos
criativos, irritantes, com troco.
Cortes nos
pés, unhas esfaceladas, sangramentos
Eram
estancados com saliva e caretas,
Sem
interrupção do jogo ou substituição
Do
contundido mancando no caminho do gol.
Depois o
esporro materno, o banho da tarde
E as
cadeiras nas calçadas, as famílias reunidas,
Comentando o
trivial variado.
Agora os
meus netos, imunes ao mundo,
Teclam e
assistem televisão,
Levam o
mundo no celular
E se
acreditam na infância.
O mundo já
acabou a não avisaram a eles.
O apocalipse
que esperam está na tela
E os
micróbios ameaçadores
Os contaminam
na publicidade.
Eu queria
sorrisos,
Eles querem
dinheiro.
Eu esperava
o futuro,
Sem saber que
meus netos
Não teriam as
vacinas
Contra a
violência e a solidão.
Francisco
Costa
Rio, 16/10/2013.