Sabe, velha,
fiz ontem a visita
Que vinha
adiando sempre,
Em nome da
mais absoluta covardia.
Você a custo
me reconheceu,
E hoje é
provável
Que já não
se lembre de mim.
Aquelas mãos
miúdas e macias
Que passearam
em minha fronte,
Delicadas,
quentes, terapêuticas,
Perderam a
coordenação motora
E tremem, se
agitam, quase saltam
Alheias à
sua vontade de que calmas.
Seus olhos
se perderam, e alheios
Permanecem
nas órbitas
Mas já
orbitando o longínquo
Onde não sei
nem imagino.
Conversa
naturalmente e dócil
Com os
nossos mortos e conosco
Sem atinar
quem ainda na carne
E quem a espera,
atento,
Talvez feliz
do reencontro.
Sonhas
sonhos absurdos surreais,
Pedindo-me
sabonete com ervilhas
Porque com
desejos, grávida.
(dos seus
tataranetos, minha mãe?)
Seu corpinho
encolhe, diminui
E sua
capacidade de influir
Já é
nenhuma, fazendo-me órfão,
Indigente,
sem o último ascendente
A me apontar
caminhos e ver menino
Inexperiente
colecionando bobagens.
Suas mãos e
suas palavras ensinaram-me.
Foram elas
que me mostraram tudo:
Como pegar
um lápis ou um pincel,
Como folhear
livros, como cerrar os punhos
Às
injustiças, como gesticular não,
Mas agora...
Agora estão inúteis, reduzidas
A simples
apêndices que me tocaram o rosto,
Em gesto que
jamais esperei, de despedida.
Mas mesmo
quando aparentemente
Sem
condições de me ensinar mais nada
Você me deu
a derradeira lição:
Pode-se
dizer na semana que vem eu volto
Quando se
está dizendo adeus. Podemos
Sorrir,
quando na verdade, disfarçadamente
Estamos
chorando ao contrário, para dentro.
Avesso hoje
a tudo o que partilhamos,
Inútil e só
como um pássaro sem asas,
Faço a minha
contagem regressiva
Para o
silêncio escuro da orfandade.
Francisco
Costa
Rio,
13/03/2014.
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